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Cronicas-->Perdido na Metrópole (32) Pedir é fácil! -- 06/09/2003 - 10:49 (Silvio Alvarez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Perdido na Metrópole - Silvio Alvarez
Ilustração: Bruno César

No cotidiano da minha metrópole todos pedem alguma coisa para alguém: um favor, uma informação... Absolutamente normal!

Todavia, quando o assunto é dinheiro a situação complica. Fiz as contas. Caso decidisse doar 50 centavos para cada uma das pessoas que me pedem uma moedinha nas ruas, meu PIB estaria seriamente comprometido. R$ 300,00 por mês, no mínimo. Não dá! Não dou dinheiro! Mesmo porque, ao meu ver, não ajuda em nada a sociedade. Talvez até atrapalhe. Não posso querer resolver a situação social da minha metrópole distribuindo moedas aos pedintes. Ficaria maluco, pobre e não seria canonizado. Não tenho a mínima pretensão de me tornar santo. Não nesta encarnação, pelo menos.

Pedir é fácil. Liguei para o Bill ontem (o Gates). Solicitei um milhão de dólares. Respondeu em inglês e não entendi nada. Parecia meio irritado.

Há um tempo atrás fui abordado por um simpático e convincente senhor, no meu Caminho de San Thiago particular, a Avenida São João, ao voltar do serviço. Chorando, implorou.
- Por favor. Não quero seu dinheiro. Preciso de comida. Minha mulher está internada na Santa Casa.
Estava em meu momento Madre Tereza de Calcutá e lhe ofertei um lanche. Ainda batemos um longo e comovente papo. Fui para casa com o ego enobrecido. Pensei: sou um cidadão exemplar.

Cinco meses depois, na porta do Teatro Jardel Filho, na Avenida Brigadeiro Luis António, distante da Avenida junina, aguardava a chegada do baterista Leandro Lui para uma entrevista. De repente surge do nada o mesmo sujeito com o mesmo discurso e a mesmíssima choradeira.
- Por favor. Não quero seu dinheiro. Preciso de comida. Minha mulher está internada na Santa Casa...
Respondi de chofre.
- Sua esposa está na Santa Casa? Ainda? Está lá há cinco meses? O senhor já me pegou com esta história uma vez.
A feição do pedinte profissional mudou. As lágrimas pararam de verter repentinamente. Com ar sério replicou enfático.
- Eu não roubei o senhor! Roubei? O senhor me deu comida por que quis. Não foi?
Surpreso com a cara de pau, não hipócrita, do sujeito ri sozinho, em meio ao movimento, por pelo menos uns cinco minutos. O homem continuou empenhado em seu ofício. Abordou a próxima vítima, sem qualquer pudor, bem ao meu lado. Este cidadão deveria ser contratado pela Rede Globo ou estrear no teatro interpretando algo de Shakespeare. Ator nato!

Baseados em Shakespeare... Meus dois neurónios, a partir de então, passaram a questionar. Devemos prosseguir com a benevolência correndo os inerentes riscos?
- Ser ou não ser, eis a questão!

Em situações, como as descritas acima, encafifo. Devo acreditar nos outros? Quando confiar ou não confiar em alguém? Cheguei à conclusão que para sobreviver devo sempre confiar desconfiando. É o jeito.

Meu amigo Marco contou uma de suas experiências neste setor. Ele estava em um restaurante da Avenida Paulista. Uma senhora acompanhada por seus cinco filhos em escadinha, pediu dinheiro para comprar passagens e levar a prole à Mairiporã. Marco não pensou duas vezes.
- Que coincidência! Moro lá, minha cara senhora. Terminarei de tomar este café e levarei vocês de carro.
A mulher atónita desconversou.
- Não. Obrigado. Não posso ir agora. Preciso tomar algumas providências antes.
Será que ela queria mesmo ir para Mairiporã, interior de São Paulo? Será que não era apenas uma desculpa para conseguir dinheiro? Como saber?

Analisando o mundo atual com frieza, sem raciocinar com critério, acabarei me tornando um insensível generalizado. Não quero isto. Analiso cada caso.

Preciso pensar que existe o venha a nós e o vosso reino. Hoje mesmo, embarquei no ónibus de todos os dias sem atentar que havia esquecido em casa meus únicos dois reais, no bolso da camisa usada no dia anterior. Fui forçado a pedir ao motorista para que me deixasse descer pela frente sem pagar a passagem. Deixou! Entretanto, apresentou uma nada agradável expressão de desconfiança. Supondo, com certeza, ser mais um dos tradicionais golpes da carona. Até perceber o lapso, vasculhando meus bolsos, a procura das notas, acabei percorrendo uns bons dois quilómetros, economizando minhas pernas de graça, sem intenção. Nas poucas ocasiões que precisei pedir auxílio a um estranho, sempre fui atendido com cordialidade. Não é dando que se recebe? Como é que fica? Será que devo desconfiar de tudo e de todos?

Não tenho como negar quando me pedem comida ou água. Colaboro quando me solicitam algo disponível no momento. Colaboro também, sei que erroneamente, até com os vícios de alguns. Fumante inveterado, ainda e por enquanto. Entendo o que é ficar sem este troço que solta fumaça, polui o ambiente e incomoda aqueles que querem respirar em paz. Tenho a impressão que espalharam cartazes por toda a cidade divulgando minha foto com a inscrição: a criatura abaixo, além de ter o péssimo hábito de fumar, dá cigarros a rodo, basta pedir. Não estou dando conta da demanda.

Pedir é fácil.

Bom, preciso ir. Vou telefonar mais uma vez ao meu amigo Bill. Creio que cem mil dólares serão suficientes.

Silvio Alvarez é assessor de imprensa da banda rock pop YSLAUSS, artista plástico de colagem e colunista. silvioalvarez@terra.com.br
Ilustração - Bruno César: brunoartes@uol.com.br
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