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cronicas-->Consulte sempre um desempregado -- 09/09/2003 - 22:33 (Patrícia Köhler) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hoje me aconteceu uma coisa inusitada. Aliás, como quase todo dia.
Estava subindo a Rebouças, vidro do carro abaixado por conta do calor abafado que acomete São Paulo em alguns dias nesta época. Cantando Cartola, feliz.
De repente o trànsito nos dois sentidos da avenida pára. Fico emparelhada com um Gol que estava no sentido oposto, e um rapaz me olha e lança a frase: "ei, tó precisando de uma arquiteta, sim!! Me dá teu telefone que te ligo mais tarde!", e sorriu. Eu, sem entender nada, apenas retribuí o sorriso, e não deu tempo de perguntar o porquê daquela observação dele, pois o trànsito enfim fluiu.
Passei uns segundos nesta quase apreensão, quando finalmente minha ficha caiu.
Às terças circulo com o carro do meu irmão, por causa do rodízio. Num dos vidros, o adesivo alusivo à sua profissão: "Consulte sempre um arquiteto".
Nossa, é incrível o efeito que isso causa. Como as pessoas dão valor às profissões e rótulos! Claro, não vou falar que o rapaz pode ter gostado do meu olhar ou da minha boca, pois seria falta de modéstia.
Acho que neste caso o adesivo ajudou, sim.
Pois vou mandar fazer um adesivo com a inscrição "Consulte sempre um desempregado" , para pór no meu carrinho. Só pra ver se estes gracejos continuariam. Garanto que não.
Ora, desempregados são excelentes consultores, podem nos assessorar em vários - às vezes todos - assuntos.
Temos de aprender a fazer mágica com o dinheiro que vem parar em nossas mãos. E não raro desempregados são as pessoas mais multifacetadas que existem, pois têm de fazer de tudo um pouco. Então um ex-guarda-noturno faz bico de palhaço em festa infantil. Uma ex-secretária vende produtos da Natura, e de quebra dá dicas de beleza.
Um ex-cobrador de ónibus pinta paredes, corta grama. Uma senhora já quase sexagenária, vendo que sua aposentadoria não dá pra absolutamente nada, vai fazer limpeza em banheiros de rodoviária nas manhãs, e à tarde sai às ruas vendendo Yakult.
E uma estudante de jornalismo tenta sobreviver vendendo peças em mosaico, fazendo uma revisão aqui e acolá e outras mumunhas.
Não temos muito crédito, ninguém vende fiado a desempregados. Mesmo que o seu Zé, do boteco da esquina, te conheça há quinze anos.
Precisamos de uma auto-estima dos diabos quando interpelados pela fatídica pergunta: "e aí...faz o quê??". Dá vontade de responder: "bem, acordo às sete e meia, vou ao banheiro, tomo café, leio o jornal, escrevo, reviso, vou à faculdade, ect"...a esta altura qualquer um percebe que emprego mesmo, não tenho. Mas limito-me a falar: "se você quer saber se trabalho fora, não, não trabalho".
Um, outro dia, num boteco da Vila Madalena, foi mais longe na inconveniência e não se conteve: "mas como consegue dinheiro pra sair e ainda vir aqui tomar chope?", como se eu estivesse sorvendo um Moët & Chandom no Fasano.
Nossa, certas pessoas têm o dom de nos deixar constrangidas.
É claro que não chega a ser um orgulho estar fora do mercado de trabalho, mas também não vou ficar em estado catatónico por isso ou cair na armadilha de pensar que minha vida acabou, ou, pior, que meu diploma de jornalista nunca será usado.
Sou movida a sonhos e anseios. Consigo vislumbrar um lindo e promissor futuro pra mim como jornalista e cronista, mesmo que ele não venha pintado com todas as cores que percebo agora.
E a condição de desempregada nestes meses é quase imprescindível pra estes desvarios.
Quando enfim conseguir o tal adesivo, quem sabe consiga fazer pelo menos algumas almas letárgicas e cansadas, na volta do trabalho, esboçarem um sorriso.

Patrícia Köhler



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