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Artigos-->Somos todos covardes (entrevista com Juliette Binoche) -- 02/02/2001 - 17:44 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
SUSANNE WEINGARTEN entrevista Juliette Binoche

para a revista virtual SPIEGEL ONLINE, em 29/01/2001

Tradução: Zé Pedro Antunes



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A atriz francesa Juliette Binoche fala sobre a pintura, seu amor ao teatro e seu novo filme Codinome: Desconhecido

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SPIEGEL: Em Codinome: Desconhecido, o diretor Michael Haneke mostra Paris como uma cidade fria, inóspita, onde as pessoas se tratam de forma indiferente e até agressiva. Incomoda-a ver um cineasta estrangeiro olhar dessa forma para a cidade onde nasceu?

Binoche: Não, esse olhar tem, a meu ver, algo de muito honesto. É talvez pessimista. É como se ver num espelho e constatar: não sou tão bela como gostaria. Mas não há como não ser correto consigo mesmo. Não tentar salvar a realidade é algo que tem o valor em si mesmo. Haneke não trabalha para preencher expectativas, não está querendo vender nada ao espectador. Mostra os lados escuros do nosso mundo e obriga o espectador a reagir diante dele. Quer chacoalhar o espectador.

SPIEGEL: No caso, eventualmente, ele lança mão de meios que produzem um efeito, digamos, didático. Isso não te causa irritação?

Binoche: Não, me agrada essa postura; é bastante direta, e isso eu respeito. Não quer dizer que compartilho sempre do mesmo pessimismo. Mas Haneke é muito corajoso, e não há muitos diretores corajosos. A maioria costuma salpicar a verdade, que é amarga, com muito açúcar, de modo a que o espectador se sinta bem ao final. Haneke, ao contrário, usa o cinema para passar suas convicções. E é disso que se trata na verdade. Contos de fada são mesmo bons e belos, mas é realmente importante usar os filmes, também, como reflexão sobre o que somos e sobre a sociedade em que vivemos.

SPIEGEL: Você representa Anne, uma mulher jovem. Ela sabe que uma criança na residência ao lado é maltratada, e nada faz contra isso. Um dia a menina acaba morrendo. Anne não se sente culpada?

Binoche: Sim, é claro. Foi covarde, não procurou intervir. Como acha que poderia não se sentir culpada?

SPIEGEL: Ao calarem-se, as pessoas se tornam co-praticantes de atos criminosos?

Binoche: Eu não iria assim tão longe, mas Anne apresenta um comportamento que nós todos conhecemos em nós mesmos: Algo nos inquieta, mas não sabemos como proceder. Por isso trancamos os olhos e as orelhas. Ao ouvir os gritos através da parede do quarto, Anne se sente sufocada, mas, ao mesmo tempo, ela pensa: Sou uma pessoa sozinha. Não correria perigo, se tentasse fazer alguma coisa?

SPIEGEL: Você aparece visivelmente grávida no filme. Mãe de duas crianças, como você se comportaria numa situação dessas?

Binoche: É uma pergunta bastante íntima. Só pode respondê-la, na verdade, aquele que se acha, ele próprio, nessa situação. Acredito até que faria alguma coisa, mas não posso jurar que o faria. Na rua, constantemente, somos todos covardes, desviamos o olhar ao nos depararmos com alguma injustiça. Mas significa que jamais haveríamos de intervir? São questões que precisamos nos colocar, uns aos outros, e cada qual deve buscar a sua própria resposta.

SPIEGEL: Anne é uma mulher moderna, independente, muito diferente das personagens históricas que tem representado ultimamente tantas vezes. Está farta de se oferecer como a bela metida num espartilho?

Binoche: Representei esses papéis por ter vontade de contar as respectivas histórias. Mas, na verdade, é uma outra coisa representar uma personagem histórica. Quando a gente se vê presa dentro de num espartilho, o que muda é não apenas o modo de respirar e falar, mas também de pensar. Como mulheres, hoje, não temos mais o hábito de ser tão amarradas e reprimidas, nem fisica nem espiritualmente. É por isso que eu acho tudo isso muito cansativo.

SPIEGEL: No momento, você fazendo teatro nos Estados Unidos, debutando num palco de Nova Iorque. É muito esforço ter de mostrar serviço na Broadway?

Binoche: O trabalho é o mesmo em toda parte. Sempre junto com outras pessoas. Em Nova Iorque, o que me agrada é ligar a televisão e ver, na tela, pessoas de todas as raças. Acredito que o mundo inteiro acabará desenvolvendo esta variedade. Como estrangeiro, a gente tem a impressão de que, aqui, todos vivem em paz uns com os outros, às mil maravilhas. Demora um certo tempo, até perceber que isso muito simplesmente não funciona dessa maneira.

SPIEGEL: Betrayal é já o segundo papel que representa em inglês, depois de Naked, em Londres. Como se dá que suba ao palco mais freqüentemente no espaço anglo-saxônico do que em seu próprio país?

Binoche: Como se deu de eu ter nascido na França? Não tenho a menor idéia. O que sinto é que esses papéis me escolhem pelo menos tanto quanto eu os escolho. Eu gosto de trabalhar em inglês, me dá a sensação de ser livre. O inglês não é minha língua materna, mas uma língua que eu busquei para mim. Afora isso, o inglês nos oferece, hoje, a possibilidade de trabalhar com qualquer pessoa, em qualquer país. Isso também é liberdade.

SPIEGEL: O que leva uma estrela de cinema a se expôr ao estresse do palco?

Binoche: Bem no início, o que eu queria era, na verdade, ser atriz de teatro. Gosto do teatro porque, nele, as coisas se passam sempre no presente. No palco, impera um agora, que é eterno. A singularidade de cada apresentação e a eternidade se sobrepõem, e esta ligação é extraordinária. No palco, ninguém nunca está pronto, o trabalho sempre segue em frente. Quando da penúltima apresentação de Naked, de repente eu consegui representar a essência daquilo que eu, o tempo inteiro, queria expressar. Isso simplesmente me tomou, sem que eu tivesse tido qualquer intenção nesse sentido. Esses instantes são deliciosos.

SPIEGEL: Como colegial, você oscilava entre ser atriz ou pintora. Acha que tomou a decisão correta?

Binoche: Quando fizemos juntos Os amantes do Pont-Neuf, Léos Carax me disse que eu seria melhor pintora do que atriz. Tomei-o como um cumprimento.

SPIEGEL: Nesse filme, você representa uma pintora. Foi um acaso?

Binoche: Não. Antes das filmagens, na verdade, já fazia um bom tempo que eu tinha deixado a pintura, por não ter mais tempo. Mas ao ver Léos chocando o roteiro, infinitamente, comecei a desenhá-lo. Enchi inúmeros cadernos de desenho com retratos. O impulso simplesmente estava de volta, eu queria me expressar. Em cima disso, Léos escreveu esse papel de uma jovem pintora ameaçada pela cegueira, e ele me pediu que providenciasse também alguns desenhos para o filme. O nosso trabalho, portanto, produziu seus frutos numa relação de reciprocidade. Mas, desde então, tenho pintado apenas esporadicamente.

SPIEGEL: Para você, a pintura tem semelhança com o trabalho de atriz?

Binoche: A mãe de Liev Schreiber, com quem contraceno em Betrayal, é pintora, e há pouco ela me disse: Você representa como se fosse desenhar. É assim mesmo que eu sinto. Quando estou bem, os movimentos sobre o palco são, de fato, como um desenho no espaço.



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Juliete Binoche, 36, é uma das mais bem sucedidas atrizes do cinema francês. Tornou-se internacionalmente conhecida por seu papel em "A insustentável leveza do ser", de 1987. Nesse mesmo ano, conquistou o Oscar por sua atuação em "O paciente inglês". Em "Codinome: Desconhecido", um rigoroso estudo sociológico do diretor Michael Haneke, ela representa a atriz parisiense Anne, cujo percurso de vida casualmente se cruza com o de tantas outras pessoas desconhecidas, dos mais diversos meios e classes sociais. Todos esses destinos se resumem, no filme, a uma acusação aniquiladora: A derrocada das estruturas sociais tradicionais cria um mundo de afasia e ódio.



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