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Contos-->OS FLAMBOYANTS" ESTÃO FLORINDO... -- 06/12/2000 - 18:02 (Diógenes Pereira de Araújo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

OS "FLAMBOYANTS" ESTÃO FLORINDO...

Paulo andava pelos cinco anos. Saboreou uma experiência daquelas que permanecem na vitrina das lembranças.
Certa tarde o pai o chamou à colaboração na horta, àquele recanto aonde ia de Domingo a Sábado para o prazer de aguar, revolver a terra, plantar, eliminar plantas não comestíveis, pulgões indesejáveis...
- Qual vai ser meu serviço, papai? Qual vai ser meu serviço, papai?
Os olhos da criança brilhavam. Percebeu um canteiro, com o comprimento dos outros, três metros, mais estreito, afofado, plano qual mesa, as beiradas por igual.
- Este vai ser o seu canteiro.
- Como é que eu faço, papai? Como é que eu faço?
A alegria de Paulo era do tamanho da alegria de quando ganhara a bicicleta, alegria à qual se somava o senso de ser útil, um trabalho fora de casa, pela primeira vez, ainda que no quintal. Sentia-se valorizado.
- Vamos fazer assim: finca esse pequeno sarrafo neste canto do canteiro, deixando o barbante aparecendo.
O pai indicou o ponto adequado. O menino fincou o sarrafo até à altura do barbante.
- Agora você finca este outro, lá adiante, na extremidade do canteiro, à mesma distância, dez centímetros, das beiradas.
- Está bom aqui, papai?
- Ótimo! Apanha este ponteiro e faz um risco ao longo do barbante. Aprofunda o risco a seguir até formar um sulco de dois a três centímetros, em toda extensão.
- Agora um segundo sulco do outro lado do canteiro. Isso. Ótimo! Apanhe meia latinha de areia, um envelope de sementes de almeirão pão-de-açúcar. Evite tocá-las, pois vêm com defensivo muito forte. Misture bem. O pai olhou e viu bem misturadas a areia e as sementes. Muito bom!
- Pode semear ao longo deste sulco e depois do outro. Assim. Outra vez: meia lata de areia e uma colher de sementes de almeirão folha-fina. Misturar bem. Espalhar por igual em cima da terra colocada na caixa de uva. Bom, bom, muito bom!
Cubra os sulcos e a caixa com um a dois centímetros de areia e um pouquinho de água com aquele regador de crivo fino. Pronto. Está ótimo. Quem não gosta de ver um serviço bem feito? Agora é só aguardar pelos brotos e pelo crescimento das plantas.
Ah! isso Paulo ia fazer.
- Vamos lavar bem as mãos.
Ao mesmo tempo se fazia fecunda plantação, na pessoa de Paulo. Haveria de gerar bons frutos, ao longo de toda sua existência.
Escurecera. A mãe os convocou:
- A mesa está posta! Apagaram a luz e entraram.
Terminado o jantar, Paulo apressou-se em ir dar uma olhada no pequeno canteiro e na caixa.
Na manhã seguinte, ao se levantar da cama, pressuroso, foi ver se havia já algum sinal de germinação.
Agachou-se perto de seu canteiro e ficou a observar se havia algum broto.
O pai terminava de regar a horta, trabalho de cinco a dez minutos, à exceção, é claro!, do canteiro de Paulo e da caixa. Ajustada a mangueira para um jato fino de esguicho passou-a ao filho.
- Leva muito tempo para nascer, papai?
- Se o tempo permanecer ameno assim, quatro ou cinco dias. Se esquentar muito ou se chover leva mais.
Após voltar da escola, não que duvidasse das palavras do pai, naquele mesmo dia e nos dois ou três seguintes ia olhar o canteiro e a caixa. Quem sabe houvesse algum broto? Mas nada!
No quinto dia, pela manhã, os rebentos com a forma de um pequeno joelho branco se apresentavam, uma folhinha aqui, outra folhinha ali.
Paulo sentia-se alegre por ter participado desse milagre da transmissão da vida. Aprofundava-se sua intimidade com a natureza. Sua capacidade de ter olhos para as belezas das plantas haveria de acompanhá-lo sempre, graças ao conhecimento experimental de que sementes produzem plantas e também flores e frutos. Causas e efeitos.
Teve ocasiões de ver outras semeadura: milho, feijão, melancia. Ah! sim: e aquelas sementes de "flamboyants", em pequenos recipientes, a serem replantadas ao lado da estrada que levava à casa no sítio do avô.
Uma constante a percepção do surgimento da vida e reflexão a respeitos de seus mistérios. Admirava-se do potencial escondido dentro de pequenas semente: a planta que pode vir a ser com possibilidade de se tornar um arbusto ou uma árvore de grande porte.
Lembrando-se de um programa da TV, pensou: “falam tanto em devastação do meio ambiente... E se cada menino plantasse uma árvore?!”
Certo dia, à mesa, colocou sua idéia.
- Que tal se escrevêssemos uma carta a toda criança para que plantem uma árvore...?
O irmão mais idoso de Paulo disse, com condescendência:
- Não vai adiantar nada. As outras crianças precisariam ter uma idéia dentro de si motivando-as a plantar árvores. Só pensam em vídeo games e coisas...
O pai interveio:
- Você tem razão em parte: não é fácil motivar os outros, tentar mudar o que trazem por dentro, mas em parte está desestimulando o lançamento de uma idéia, apta a produzir bons frutos. Como não vai adiantar nada? Paulo tem uma visão de solução, não tem? Ainda que a solução proposta não seja viável, importa pensar em soluções. Pensar em solução é o que ele está fazendo. A maioria das pessoas se detém nas conseqüências, nos resultados, nos problemas só. A devastação do meio ambiente é um resultado, um problema, um fato indesejável a nos desafiar, herança de comportamentos errados do passado. Todo problema clama por uma solução. Nosso desafio é achá-la: começa com um sonho, com uma visão. Nunca se deve matar um sonho. Matar um sonho pode ser até mais grave que matar uma pessoa. Matar um sonho pode representar a morte de uma geração ou até de uma Nação. Está na Bíblia, filho: "Perece o povo, por falta de visão..." Provérbios 29,18. Quando se forma a imagem da solução, a solução aparece; quando se fixam os olhos nos problemas, os problemas se fortalecem. Matar sonhos significa impedir que coisas melhores aconteçam no futuro...
O jovem repensou:
- Tem razão, papai. É o caso daquele homem que olha para o quintal e comenta sempre com o senhor: Como nasce mato neste quintal!, e nada faz para melhorar o aspecto. Seria preferível, ao menos, arrancar o mato e deixar o quintal nu – só para não reclamar – ou plantar, ainda que fossem raízes de mandioca. Certo, papai?
- Isso mesmo, respondeu o pai, gratificado.
Mais tarde o irmão ofereceu seus préstimos a Paulo para ajudá-lo a escrever as cartas, não para todos os jovens, mas aqueles colegas mais chegados da escola, com desenhos de verdura, de árvores. De semente em semente, de fruto em fruto, Paulo foi percebendo que também os fatos da vida, os pensamentos, as emoções, os sentimentos são tipos de sementes ou raízes para novos fatos, para novos pensamentos, novas emoções, novos comportamentos. O que é hoje uma semente amanhã deverá ser uma árvore a dar seus frutos. A terra é generosa: o que se plantar nela ela devolverá com redobrados frutos. A nossa maturidade de hoje, à semelhança, deverá fecundar a maturidade de amanhã, sob o risco de amanhã ter-se transformado em imaturidade, por faltar crescimento.
Reflexões desse tipo o levariam a se interessar, chegado o momento, por sementes humanas a se tornarem um novo ser. Da Botânica para a Biologia. Da Biologia para a Medicina.
Perseverou cuidando da horta em parceria com o pai, aplicado aos estudos. Quando precisava de um intervalo nos estudos ia olhar as verduras, outras plantas do quintal. Fazia algumas flexões na barra. Aguava um pouco as plantas, conforme o horário. Encestava algumas bolas na tabela. Dosava bem suas atividades.
Prosperou nos estudos.
Ao prestar vestibular para Medicina foi aprovado.
Cursou com sucesso a faculdade.
Fez residência.
Optou por obstetrícia.
Montou sua clínica.
Havia um senão: já clinicando era ainda solteiro.
Conheceu Marta quando acompanhava a esposa do irmão à clínica.
Houve um evento na vida do pai de Marta que lhe resultaram indesejáveis raízes.
Cirurgião bem sucedido e renomado, começara o exercício da profissão como obstetra, depois cirurgia geral, por força de necessidades de emergência da cidade. Seu tempo foi ficando cada vez mais escasso para a convivência familiar. A esposa se ressentia da excessiva ausência do marido, mas se conformava. Afinal a Medicina tem por missão curar pessoas...! Só que pode ser muito absorvente.
O médico tinha como uma das auxiliares, uma enfermeira, também ela profissional capaz e dedicada. Jovem, de boa convivência e bela. Passavam mais tempo juntos que com as respectivas famílias.
O insucesso de uma cirurgia de alto risco precipitou que médico e assistente se prolongassem em conversa de lamentação e recíproca consolação, amargando a mesma frustração. Sem se aperceber, ambos mergulharam em uma intimidade do usual: as coisas acontecem.
As comportas se haviam rompido. O relacionamento os envolveu. Honestos, optaram por colocar a esposa a par dos acontecimento, passando a viver juntos.
Esse o fato que lançou raízes de amargura em Marta.
Pouco tempo após, um acidente automobilístico, a nova companheira faleceu no choque. O médico ficou paraplégico.
A esposa o acolheu de volta à casa e passou a cuidar do marido com exemplar dedicação. Jamais fez menção aos fatos duplamente desagradáveis ou demonstrou recriminação. Não fez referência à traição de que fora vítima uma única vez.
Marta nutria grande afeto e admiração pelo pai, - seu herói, seu ídolo -, do qual era a preferida, única mulher.
Tal o quadro familiar de Marta quando Paulo começou a namorá-la, noivar e depois casar.
Antes de ter conhecido Paulo, a jovem, se prometera:
- Jamais hei de me casar com um médico. Passar o que a mamãe passou...? Mas aconteceu.
As únicas semelhanças entre Paulo e o pai de Marta foram as apontadas até aqui: ambos homens e exercendo a mesma profissão; quanto aos desígnios, destinos, comportamentos, tudo diferente. Jamais viria a exercer cirurgia geral e jamais haveria de trair à esposa. Paulo aprendera com as sementes a lição de serem fiéis a si mesmas: semente de almeirão sempre produziam almeirão, semente de beterraba, sempre produzia beterraba e assim por diante.
Artífice de sua vida, haveria de ter capacidade de determinação para seus próprios projetos de vida, tanto quanto uma semente.
A aventura extraconjugal do pai, como vimos, produziram frutos de amargura e de desconfiança na psique de Marta. Quaisquer infidelidades de Paulo para com a esposa eram coisas da cabeça dela. Coisas nela mesma. Paulo era um marido fiel.
Mas o medo, ah! o medo: o medo às vezes nos profetiza o que menos desejamos e chega a nos levar a padecer na imaginação, com idêntica intensidade, aquilo que tanto temos temido.
As semelhanças de Paulo com o sogro se limitavam a ser homem e médico. Acabavam aqui. As aventuras do sogro não lançaram raízes nele, predispondo-o a que repetisse a aventura. O sogro não era pai dele e ele era todo para a esposa.
Homem de formação sólida, de princípios sadios, criterioso em estabelecer seus valores, trazia
como corolário de sua sólida formação, um detalhe de coerência profissional: jamais precipitava cesarianas, eqüivale a dizer que aguardava pela evolução das contrações do parto natural o tempo necessário. Nestas ocasiões se retardava o retorno ao lar.
Em chegando tarde em casa, sempre:
- Tão tarde? De novo, amor?!
Tais palavras não magoavam pelo tom, só pelo significado, a revelar um desnecessário sofrimento, uma tortura na mente da esposa. Gostaria que a esposa não sofresse isso.
Tudo tem seu tempo, pensava: há um tempo para semear, outro para brotar, outro para a planta crescer, outro para produzir flores e frutos...
No caminho de regresso do trabalho Paulo se deliciava a contemplar os "flamboyants".
Elevado porte e ampla floração. Começou a fazer uma comparação e a refletir sobre a existência de semelhanças entre a sogra e aquela bela árvore: o elevado porte, a fortaleza e o fato de nem os "flamboyant" nem a sogra falarem, esta a respeito de certos assuntos, claro.
De fato, as plantas não falam: não falam uma linguagem articulada como é a nossa.
Sobre o geral a conversa da sogra era normal; jamais a ouvira abordar o episódio duplamente dramático da paixão do esposo ou proferir qualquer reclamação a respeito do acontecido ou pelo fato de o ter a seu cuidado. Paulo refletia:
- Tão portentosas. Ambas se impõe pelos flores e pelo silêncio.
Um certo dia, à luz da rua, chamou-lhe a atenção que os "flamboyants" se cobriam de flores. É de repente que a gente percebe isso.
Pensou: os "flamboyants", em silêncio, produzem flores, é a sua fala; a sogra era como se as produzisse também flores, por seu silêncio. Sim, era isto mesmo: as flores eram a fala das árvores e o silêncio eram as flores e a beleza da sogra, no tocante àquela experiência tão dramática de sua existência.
Marta sofrera e sofria.
O sofrimento, é bem verdade, tempera as pessoas, burila, acrisola. Pode acontecer, todavia, de o sofrimento deixar resíduos para manuseio do tempo. Amargura a respeito do acontecido, temor de se repetirem fatos idênticos...
Quando Paulo se atrasava:
- Tão tarde? De novo, amor?!
Aquele dia, pois, Paulo percebera os "flamboyants" na exuberância de seu florir! "Também Marta há de florir mais confiança nele ou autoconfiança, em si própria", chegou a pensar, a formular e a desejar. Ao adentrar a residência, Marta sempre à espera, pois ouvia o portão automático funcionar.
- Tão tarde? De novo, amor?!
Paulo comentou:
- Os "flamboyants" estão florindo, amor!
Marta nada entendeu, mas os flamboyants, chegado o tempo, estavam de fato florindo.

Diógenes Pereira de Araújo
Fast.to/poema

Críticas são bem vindas.
Talvez eu venha a escrever um outro texto
expondo a opinião pela qual a sogra de
Paulo se mostrou tão compreensiva e acolhedora
no tocante ao marido que a traíra.
Digo o mesmo a respeito dos caminhos
para que MARTA viesse a florir.

Diógenes Pereira de Araújo
fast.to/poema
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