Usina de Letras
Usina de Letras
134 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62231 )

Cartas ( 21334)

Contos (13263)

Cordel (10450)

Cronicas (22537)

Discursos (3239)

Ensaios - (10367)

Erótico (13570)

Frases (50628)

Humor (20031)

Infantil (5434)

Infanto Juvenil (4768)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140805)

Redação (3306)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6190)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O ilustre desconhecido -- 07/12/2000 - 09:26 (Cláudia Azevedo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O ILUSTRE DESCONHECIDO

Rita subiu a ladeira rapidamente. Que dia cansativo aquele! Era verão, e ainda estava muito quente e abafado. Todos os dias ela fazia o mesmo percurso. Saía do trabalho, virava na esquina, subia aquela ladeira sem fim, dobrava à esquerda, passava pelo beco e esperava uma oportunidade para atravessar a avenida movimentada.

Ao cruzar a avenida já podia avistar o seu barraco ao longe. Como sentia-se feliz ao ver aquele velho muro! Ainda se percebia um tom azulado nas últimas cascas de tinta que se descolavam dele. Mas para ela, aquela humilde casa era tudo o que possuía. Após a morte de sua mãe, ficara sozinha no mundo. Era uma mulher trabalhadora, e apesar da vida que levava, estava sempre bem-humorada.

Rita abriu o portão enferrujado, destrancou a porta e colocou as sacolas do supermercado sobre a mesa da cozinha.. Olhou para o quadro na parede, e sorriu. Lembranças de sua mãe estavam espalhadas por toda a casa. Margaridas eram as suas flores preferidas.

Observou por um tempo aquelas flores. Naquele momento não sentiu tristeza, mas uma sensação de que as coisas iriam melhorar. Rita estava cheia de motivação e otimismo, sentimentos típicos de um coração apaixonado.

Suspirou profundamente e olhou para o relógio. “Oh! Meu Deus!” , exclamou. Passava das cinco horas da tarde, ela precisava se apressar. Retirou as compras da sacola, colocou o seu avental e foi preparar o jantar.

...

Ele era um homem modesto e pacato. Possuía olhos e cabelos castanhos, ligeiramente grisalhos, pele clara e suave , e um sorriso expontâneo . Pela sua aparência, beirava os quarenta anos. Todos os dias no mesmo horário, aparecia no supermercado, apanhava algumas compras e dirigia-se ao "caixa rápido" operado por ela.

No início eles trocavam olhares rápidos e algumas palavras polidas, como bom dia ou boa tarde. Depois passaram a tecer comentários sobre o clima, sobre o trabalho, sobre a crise econômica... Quando ele não aparecia , Rita estranhava, pois aquele era um ritual ao qual ela já estava habituada. A cada dia eles se conheciam um pouco mais. Quando ela o via na fila, seu coração palpitava. “ Que coisa estranha”, pensava, “devo estar estressada”... Ela o procurava com os seus olhos e o encontrava observando-a fixamente. Quando ele se aproximava suas mãos tremiam, sua face enrubescia...

Como andava distraída naqueles dias! Todos as noites, antes de dormir, fechava os olhos e desenhava o rosto dele nas linhas da sua imaginação. Lembrava de suas palavras, expressões e gestos, e sonhava. Rita estava apaixonada... Apaixonada por um ilustre desconhecido.

Desconhecido não! Afinal de contas, ela o conhecia bem, pelo menos alguns dos seus hábitos. Sabia o que ele comia no almoço, as suas frutas preferidas, a marca do seu creme e aparelho de barbear. E sempre muito observadora, brincava de psicóloga, traçando o perfil de sua personalidade. Deduziu que a forma com que ele organizava as compras no carrinho, denunciava o quanto era organizado e metódico. Observara também o quanto ele se preocupava com a saúde. Era um apreciador de cereais, yogurtes e leites desnatados. Com certeza era um homem de costumes tradicionais. Escolhia sempre os mesmos produtos, invariavelmente.

Rita se impressionava com tudo isso, já que os seus hábitos alimentares eram totalmente distintos. Ele fazia bem o tipo “geração saúde”, e ela “geração fast-food”.

Certo dia, depois de passar as compras, ele a presenteou com uma linda rosa vermelha. Naquele momento, Rita ficou sem reação. Não sabia o que fazer, o que dizer. Como queria ser um avestruz para enfiar a sua cabeça em qualquer lugar! Mas como isso não era possível, abriu um sorriso envergonhado, e só conseguiu menear com a cabeça. Colocou a rosa em um compartimento abaixo do balcão, tentando se recuperar do embaraço. Ele a encarou profundamente, sorriu e se foi. Rita sentiu seu corpo adormecido, faltava-lhe o ar e seu coração batia freneticamente.

Assim que surgiu a primeira oportunidade, ela tomou a rosa, percebeu que havia um bilhete bem discreto, sob o papel que a envolvia, e com as mãos ainda nervosas, o desdobrou cuidadosamente.

“ Rita... Já não posso mais esconder o sentimento que tenho por ti. Não vivo um segundo sequer sem me lembrar da tua face meiga e macia como as pétalas desta rosa”.

“Oh! Meu Deus!” sem perceber, disse de forma audível. Imediatamente Sandra, sua amiga do caixa ao lado, olhou para a rosa e para o bilhete. “Não pode ser verdade! Aquele ‘bonitão’ tá amarrado em você, criatura! “ “Não vais perder essa oportunidade, hein?” . E Rita silenciosamente, sentia que já o amava.

Os dias se passaram. Novas rosas, bombons, bilhetes...Como Rita os apreciava ... Sentia-se como uma adolescente. “Você está cada dia mais bonita, minha princesa”, “Ontem pensei em você. Ao contemplar o brilho da lua, não pude deixar de lembrar dos teus lindos olhos”, “Posso fazer você feliz? “ Eram bilhetes breves, sucintos, mas tinham o poder de mexer com as mais profundas emoções de Rita. Neles, ele sempre se mostrava gentil, inteligente e carinhoso. Era um homem muito respeitador e educado. Era perfeito! E isso a fazia sonhar.

...

Rita estava no fogão a mexer o molho, suspirando profundamente e pensando no jantar de logo mais. “Hoje tudo tem que estar perfeito”, murmurou. Terminou o jantar, tomou os pratos novos que comprara especialmente para a ocasião. E foi se arrumar.

No banho, cantarolou uma canção qualquer. Não conseguia esconder a sua alegria e ansiedade. Lembrou-se do que ele lhe dissera, ontem, no último bilhete. "Tenho algo muito importante a declarar para você". E o jantar foi a ocasião escolhida. “Finalmente, ele decidiu firmar um compromisso mais sério”, concluía Rita, com a cabeça nas nuvens.

Imaginou o momento em que eles estariam ali, juntos. Ela tinha tanto o que dizer! E como sonhava em ouvir sua voz macia repetindo o que escrevia no bilhete, sentir o seu perfume, ver o seu rosto se aproximando, se aproximando... e finalmente ter o beijo tão sonhado!

Rita cantarolava e suspirava embalada pelos mais apaixonados pensamentos, quando percebeu que restava-lhe pouco tempo. Logo ele chegaria. Colocou o seu melhor vestido, perfumou-se com discrição e soltou os seus longos e lisos cabelos.

“Oito e meia da noite! Nem acredito”. Rita enfim estava pronta e o jantar colocado à mesa. ”Tudo está lindo”. Resolveu recostar-se no sofá, para tentar relaxar um pouco, pois estava exauta.

...

Um raio de sol incomodou os seus olhos, quando Rita acordou. Sentia muita dor nas costas e nas pernas. “ Como pude dormir?” Já eram sete horas da manhã. Rita colocou-se em pé, endireitou-se com dificuldade, tentando se lembrar do que acontecera. Olhou para a mesa ainda posta. Não podia acreditar! Ele não viera ao jantar. Decepcionada, recolheu os pratos e guardou tudo.

Não podia entender a razão de tudo aquilo. Ele não foi ao jantar que ela preparara com tanto carinho. Lembrou-se de suas palavras gentis, dos seus bilhetes. “Deve ter acontecido algum imprevisto, ele não faria isso comigo. Algo sério aconteceu”, repetia Rita para si mesma, tentando se consolar.

Naquele dia ela foi trabalhar triste. Foi um dia arrastado, sem fim. Um sentimento de frustração acinzentava o seu coração que outrora pulsava de alegria. “Ele não foi, por quê? “ “ Ele !?” Rita, espantada, se deu conta de que nem ao menos sabia o nome daquele homem.

Outros dias se passaram, semanas, meses...e ela carregava sempre aquela tristeza, aquela dor que lacerava a sua alma. Da sua casa, à noite, olhava através da janela. Procurava uma resposta, sem êxito. Se lamentava por não saber o nome do ilustre homem que a conquistou, o homem que aprendera a amar. O homem que em um só dia conseguiu fazê-la a mulher mais feliz e mais frustrada do mundo, desaparecendo da sua vida, misteriosamente. Quem seria Ele?



Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui