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Contos-->Presente do Acaso -- 01/11/2004 - 17:01 (JANE DE PAULA CARVALHO SANTOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sugiro que este conto seja saboreado ao som de “Adiós Nonino” um tango argentino de Astor Piazzola. Sugiro também, que você permita que o violino encharque sua mente, colocando o volume no máximo permitido.

Alberto e Marlene se conheceram num shopping; ele procurava um carrinho de bebê para seu futuro rebento, ela só batia perna. Na loja de produtos infantis Alberto calculava os gastos, ao tempo em que matutava o que uma mulher tão linda e tão só fazia diante dos enxovais farfalhantes, dos laçarotes e ursinhos e balões e tantas mães e pais hipnotizados pela ânsia em demonstrar bom gosto aos amigos nas futuras visitas – pelo menos era assim que ele se via – aquela mulher destoava do ambiente, porque absorta, porque de olhar longínquo.
- Está cheio aqui, não?
- Como?
- Está lotado, não encontro um vendedor disponível...
Será que ela era vendedora?
- É... Muitos bebês nascendo, ao que parece.
- Obedientes às ordens do pai celeste: crescei e multiplicai-vos.
- Então seria uma falsa obediência, pois que não cresceram, estão todos com aparência de compulsão infantil.
- Inclusive eu...
- Desculpe, não falei para o senhor. O que o senhor procura, posso tentar ajudar...
- Não me ofendi, foi uma constatação.
Riram ambos e o iceberg de Marlene se desfez diante da possibilidade de uma nova amizade; almoçaram juntos e conversaram sobre tudo, exceto sobre suas vidas pessoais.
Marcaram um novo almoço para a outra semana, ali mesmo no shopping – nenhuma troca de telefone, endereço, caixa postal, sobrenomes, nada que pudesse dar a pista de onde encontrar o outro. Apenas a alegria antecipada de poderem se ver na semana que vem.
Os próximos sete dias vividos foram os mais longos e mais intensos, sonhos se construíram, poemas se compuseram, canções se entoaram; o coração em eterna taquicardia, o sorriso tatuado no rosto, pobres adolescentes de trinta anos em pleno vigor da paixão à primeira vista.
O encontro foi uma explosão de luzes de auras lindas... Ah! O toque.
- Como vai Marlene?
- Como foi sua semana, Alberto?
O encontro das mãos.
- Não consegui pensar em outra coisa, a não ser em hoje.
- Eu só pensei em você.
Os rostos mais próximos, as bocas quase se tocaram; trocaram confidências, sentiram a fragrância da alma, a profundidade do abismo ocular, além do desejo, além da paixão, muito, desesperadamente longe daquele restaurante, daquela cidade, de suas vidas, de seus entremeios e amarras e grades e compromissos. Estavam embriagados um do outro, envolvidos por um manto de diáfana proteção, elevados em outra esfera, inebriados pelo prazer de estar, apenas estar.
Marlene voltou ao mundo real – tosca mania feminina – sorriu pela última vez ao seu amado, sabia que não iria vê-lo mais, como competir com um recém-nascido? Alberto não soltou a mão de Marlene, não queria vê-la ir, não podia deixá-la ir.
- Eu faço uns arranjos, não me abandone...
- Se não for para ter você por inteiro, não valerá a pena.
Marlene deixou seu nome escrito no guardanapo.
- Me procure quando estiver livre.
- Como vou te encontrar?
- A vida providencia o acaso.
Alberto chorou ali na mesa, sozinho, soluçou o amargor da perda, das escolhas precipitadas e se entregou à tristeza. Guardou o guardanapo como a um tesouro e voltou para seu estanque matrimônio.
Marlene levou consigo a esperança – outra mania feminina – e cativou em si o espaço para receber seu amado quando fosse o momento, quando o acaso viesse em forma de presente entregue pela vida.
O tempo passou e amenizou as feridas, tornou as dores suportáveis, quase companheiras. A paternidade fez em Alberto grandes transformações, educar uma criança tornou-se projeto de vida e ele conseguiu dar significado ao ato de acordar todas as manhãs.
Marlene dedicou-se à caça noturna nos bares durante algum tempo, mas os espécimes disponíveis se mostraram medíocres ante o homem que ela tinha dentro de si. Não conseguia explicar como o fato de ter respirado a alma de outrem a impedia de prosseguir qualquer busca. Inútil procurar aquilo que já havia encontrado.
O bebê de Alberto tornou-se homem, independente, maduro, seguro de si e foi fazer uma especialização na Europa. O casamento, que já havia durado mais que o suficiente virou averbação na certidão; a ex-esposa foi morar em outro estado, próxima aos parentes.
Então, numa tarde linda e cheia de sol, da janela do escritório Alberto vê uma figura passar na rua, altiva, bela absorta, destoante, de olhar longínquo. Era o presente! Era o acaso! Era a vida!
- Marlene!
Ela não o ouviria dali, Alberto catou suas coisas e correu, correu feito louco, esbarrando nos transeuntes, assustando os passantes.
- Marlene!
Ela parou, não podia crer, não podia ser, de onde viria a voz? De que distância do seu passado? Arriscou:
- Alberto?
Mas não o viu, porque Alberto já a havia enlaçado e sem nenhum pudor beijava longamente aquela mulher a quem conhecia o fragor da essência, de quem sabia a verdade absoluta do ser.

E é nesta cena que vamos deixar o casal, afinal eles precisam de privacidade... E também por que foi apenas a descrição desta última cena de amor que recebi de um amigo, aliás, extasiado por ter presenciado um senhor alinhado de terno e gravata correndo e gritando na rua, culminando com um beijo que transbordava saudade.
É a vida.
Presentes do acaso.
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