REDAÇÃO DE UMA CRIANÇA
I
Sou o sonho e a ansiedade
E o projeto dum casal
Que dum ato sexual
Me tornou realidade,
Prova de fertilidade,
O prazer da gestação,
Nove meses de tensão,
Uma vida despontando,
Feito seta apontando
Para alguma direção.
II
Sou assim como o começo
Duma longa caminhada,
Como porta de entrada
Prum lugar que não conheço;
Como início de endereço
Duma rua em projeção;
Como alguém na multidão,
Procurando se encontrar;
Como a base e o pilar
De um prédio em construção.
III
Tenho um quê de dependência,
Apesar de impetuoso.
Vez por outra sou teimoso,
Mas me sinto obediência.
Sou alguém que tem carência
E se sente incompleto.
Não conheço o projeto
Que me leva ao futuro.
Sou por isso inseguro,
Sonhador e inquieto.
IV
Não dou bolas pro azar,
Só viver já me conforta.
Se alguém me "abre a porta",
Não reluto em entrar.
Explorando esse lugar,
Ultrapasso os padrões,
Centralizo atenções,
Vou de encontro à disciplina,
Pois não gosto de rotina
Nem tampouco de sermões.
V
Peço tudo que eu vejo
E me chama a atenção.
Não aceito ouvir um não
Para aquilo que desejo.
Aproveito o ensejo
Para usar minha idade.
Tudo em mim é só verdade,
Só o agora me interessa
Pra viver não tenho pressa,
Quero apenas liberdade.
VI
Nasço, cresço, vivo, morro,
Vejo, quero, peço, imploro,
Subo, desço, caio e choro,
Canto, rio, dou esporro.
Pulo, brinco, jogo, corro,
Paro, sento e me levanto.
Meio sonso, meio santo,
Entro, saio, vou pro meio,
Obedeço ou esperneio,
Me amuando num recanto.
VII
Tento me virar sozinho
Para ver se a vida ensina.
Se alguém me recrimina,
Põe mais pedra em meu caminho.
Se, ao contrário, dá carinho,
Ao invés de repressão
E me ajuda, dando a mão,
Adquiro confiança
E me sinto a esperança
Desse velho mundo cão.
VIII
Quero ser eu de verdade,
Quero um não sem lero-lero,
Quero ter o que eu quero,
Quero usar minha vontade.
Quero minha liberdade,
Quero dar mais confiança,
Quero ser a esperança,
Quero ser bem educado,
Quero amar e ser amado,
Quero apenas ser criança.
- fim - |
