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Artigos-->Espanhol pode salvar o português -- 21/01/2000 - 10:08 (José Maria e Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




No Brasil,

o inglês não

passa de uma

língua de

forjar escravos



Há 30 anos, quando se acreditava que a imaginação pudesse chegar ao poder e a tribuna da liberdade eram as barricadas das ruas, a Revolução tinha uma língua — o espanhol. Afinal, era nessa língua, que um dia fora do colonizador, que o mítico Che Guevara tencionava libertar a América Latina do jugo norte-americano e pregava sua boa nova de que era preciso endurecer, sim, porém, sem perder, jamais, a ternu-ra. E a trilha sonora da Revolução ia desde a multiculturalista Soy Loco por Ti, Amé-rica, de Caetano, Gil e Torquato Neto, até as guerrilheiras canções do chileno Vic-tor Jara cantadas pela argentina Mercedes Sosa. Mas, assim como todos esses so-nhos foram soterrados pela repressão generalizada na América Latina dos anos 70 e pela depressão econômica dos anos 80, também o espanhol deixou de ser uma se-dução para o Brasil, o único país que não o fala na América do Sul. Só agora, quando o maio de 68 não passa de um ponto a mais na história, é que o idioma de Cervantes volta a ser objeto de desejo de boa parte da população, só que por moti-vos bem mais prosaicos — a inserção do Brasil no Mercosul.

Acompanhando o crescente interesse pela língua espanhola na sociedade, o plenário do Senado aprovou, na terça-feira, 11, a obrigatoriedade do ensino do espanhol em todas as escolas de 2º grau do país, dentro de cinco anos. Para se tor-nar lei, o projeto precisa passar por mais uma votação no Senado e, depois, ser a-preciado pela Câmara dos Deputados. Esse projeto foi encaminhado ao Congresso pelo Executivo e, originalmente, previa a inserção da língua espanhola em todas as escolas brasileiras de 1º e 2º graus. Mas o senador José Fogaça, do PMDB do Rio Grande do Sul, apresentou substitutivo restringindo a obrigatoriedade do ensino de espanhol apenas às escolas secundárias. O argumento do senador é o de que não haveria número de professores de espanhol suficiente para todas as escolas, caso seu ensino fosse estendido ao 1º grau. Felizmente, há vozes contrárias a Fogaça no Se-nado. Benedita da Silva, do PT carioca, e Emília Fernandes, do PDT gaúcho, que-rem que a proposta original do governo seja retomada, beneficiando também o ensi-no fundamental.

Num tempo em que o voto se torna cada vez mais banal (para não dizer venal) e as eleições não despertam mais interesse cívico, a obrigatoriedade do ensino de espanhol em todas as escolas, a partir do ginásio ou quem sabe do primário, pode ser uma boa causa para a nação brasileira. Apesar de ser um continente físico, o Bra-sil é uma ilha cultural cercada pelo oceano da civilização hispânica por todos os la-dos. Quando os tecnocratas da ditadura militar impuseram o inglês a toda a nação, direta e indiretamente mataram muito da cultura brasileira. Porque ensinar inglês nas escolas públicas como matéria de currículo a partir da 5ª série nunca passou de uma empulhação. O aluno perde boa parte de toda a sua vida escolar repetindo o verbo to be e, quando algum dia precisa aprender ao menos o inglês básico, é obrigado a pagar cursos livres, que, na maioria das vezes, não passam de escolas caça-níqueis. Neles, o que mais se aprende é um subserviente apego à cultura anglo-saxã, como se ela fosse o diferencial de humanidade entre os seres vivos do planeta.

Com o espanhol, é o contrário. Língua neolatina, como o português, de quem é a mais próxima irmã, o espanhol tem condições de ser uma segunda língua para o brasileiro. Sua estrutura é muito semelhante à do português e o léxico comum entre as dois idiomas é muito extenso. Sem contar que o espanhol é, talvez, uma das línguas mais fonéticas do planeta, característica que facilita enormemente seu aprendizado. Já o inglês nunca foi e jamais será uma segunda língua no Brasil. Contraria o mais ele-mentar bom senso imaginar que é possível ensinar inglês a um povo de mais de 150 milhões de cabeças, espalhado num vasto território, em que não existe um só reduto anglo-saxão com o qual se possa praticar a língua. Só em pequenos países europeus, como Holanda ou Dinamarca, o inglês presta serviço como um latim moderno, substi-tuindo na comunicação externa, a língua nativa desses países. No Brasil, o ensino do inglês do modo como é praticado só interessa às elites nativas, que podem viajar para aperfeiçoá-lo, e aos Estados Unidos, que, por intermédio dele, reforça ainda mais seu colonialismo cultural. No Brasil, o inglês é uma língua de forjar escravos.

Já o ensino do espanhol só traz benefícios para a educação. Ele servirá para i-luminar o ensino do português, cada vez mais vilipendiado pelas deduções errôneas que muitos pedagogos fazem da lingüística. E fará o Brasil voltar seus olhos para a América Latina, com quem possui muito mais afinidade do que com Miami, para onde se volta bestificado. É claro que sempre haverá aqueles que, por desinforma-ção, podem alegar que o espanhol é um idioma sem importância. Mas os números provam o contrário. Língua oficial de 21 países, o espanhol é falado por cerca de 375 milhões de pessoas no mundo, quase 30 milhões delas residentes nos Estados Unidos. Em número de falantes é a quarta língua do mundo, perdendo apenas para o chinês, o inglês e o hindu. Mas, do ponto de vista da importância cultural e comerci-al, já está se equiparando ao francês, e a tendência é que se consolide como a se-gunda língua mais usada nas relações entre os povos do mundo. Na Internet, estima-se em 4 milhões o número de internautas que falam o espanhol.

Ante a evidência desses dados, só pode ser considerado um crime o fato de ainda não ser ter em todas as escolas brasileiras o ensino obrigatório do espanhol. O projeto do governo vem tarde. E não pode falhar, como vai falhar se o espanhol for implantado a partir do 2º grau. O gaúcho José Fogaça, apesar do brilhantismo com que ofusca muitos senadores, deve ter sido mal assessorado. Esqueceu-se que o 2º grau brasileiro é um colcha de retalhos, fragmentada num caudal de matérias que ex-pulsa, estressa ou lobotomiza boa parte dos alunos. Enfiar nesse caldeirão de enganos mais uma matéria totalmente nova será um fracasso a mais. Mesmo porque língua tem que ser aprendida o mais cedo possível. O espanhol pode e deve ser ensinado já na primeira fase do ensino fundamental. Professores não serão problemas. A formação de um professor de espanhol altamente qualificado é muito mais rápida e barata que a formação de um péssimo professor de inglês. Os cinco anos para implementação da lei dão de sobra. Não faltam excelentes universidades latino-americanas dispostas a fazer intercâmbio com as universidades brasileiras para formar esses profissionais na melhor tradição civilizatória de Cervantes. O espanhol é ali. Entender isso talvez aju-de a fazer com que o Haiti não seja aqui.

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