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cronicas-->Chuva com Sol -- 17/09/2000 - 02:21 (José Renato Cação Cambraia) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Meu grande amigo Ribeirão, irmão alvinegro de tantos sofrimentos (e vem nova temporada aí...), advogado e senhor das letras, irmão (não reconhecido) do Doutor Sócrates, ao ler minha crónica "Tudo Graças ao Zoião", sobre aquela histórica virada do Paraguaçuense sobre o Noroeste, mandou-me um email com o seguinte texto entre aspas abaixo.

"Tarde de sol. Domingo. Nas arquibancadas não há espaço nem para filho de Olívia Palito com Marco Maciel. As bandeiras se agitam. É final de campeonato. As torcidas lançam as ares seus gritos de guerra. De um lado, o alvinegro paulista, time de muitas glórias e longa história. De outro, a equipe de azul e branco vinda de uma pequena cidade do interior e que pela primeira vez em sua história chega a uma final de campeonato. Corínthians versus Paraguaçuense. Na pista lateral do estádio, exatamente na frente do meio do campo, como se a linha de cal que marca o centro do gramado pudesse dividi-lo em dois, um português com cara de índio. Ele se agarra ao alambrado verde com força, enfiando seus dedos por entre os pequenos orifícios da grade, como se um vento forte pudesse tirá-lo do chão e levá-lo para longe do iminente espetáculo. Seus olhos vidrados carregam ares de exultação. Mas quem observar direito poderá notar pequenas rugas a vincar sua testa e a descair levemente seus lábios, que entreabertos deixam transparecer um pedaço dos dentes dianteiros. Rugas que revelam o dilaceramento de uma alma. O juiz Sidrak Marinho (imparcialidade é algo que devemos afastar desse exercício, já falamos aqui de Paixão) apita o início do prélio. Para quem torce o português?"

O português se contorce. Como foi que o azulão do vale chegou até ali era uma coisa inconcebível, surreal. Assim como o timão, porque com aquele time... Mas ambos estavam ali, juntos no mesmo gramado do Pacaembu, como sempre andaram juntos no coração do português, porém sem nunca se encontrarem. A situação não era nova, pelo menos hipoteticamente. Nas conversas no Carlos Affini, com seu pai e seu irmão, todos corinthianos fundamentais e hereditários, durante uma bela apresentação do Paraguaçuense, sempre se perguntaram: "imagine só, Timão e Azulão, pra quem você torce?". O pai, sempre engenhoso, soltou logo um ambíguo "pra nós", o irmão, um "depende" e o português somente sorria, preferindo não entrar nesse território, sabendo que era uma armadilha que poderia tornar-se fatal. O "depende" do irmão era bastante sensato. "Se fosse um jogo que não valesse nada para o Corínthians, eu torceria pelo Azulão. Se estivesse valendo uma classificação para uma final para o Corínthians, e o Paraguaçuense estivesse fora, torceria para o Timão", "Mas e se já fosse a final?". "Ah, isso nunca vai acontecer...", e a conversa morria aí. Ou morria antes, quando nos levantávamos para dar as "boas vindas" ao time visitante ou ao juiz e seus asseclas da pilantragem (os bandeiras, claro).
Como toda fatalidade, esta também pegou os corações paraguaçuenses desprevenidos. Pra quem gritar "gol!"? Xingar quem? Normalmente, quando assistimos a uma luta de boxe, por exemplo, tendemos a torcer pelo mais fraco, aquele mais mirrado e com cara de coitado. Talvez pelo nosso desejo natural de subversão, de ver Golias despencando lá de cima por uma pedrada certeira no meio da cara, alguém poderia dizer que o português estava torcendo mais para o time de sua cidade. Por outro lado, temos que considerar que neste jogo, com certeza absoluta, todos os palmeirenses, sãopaulinos e outros times com menos torcedores apaixonados do que o Grande Corínthians, estariam unidos, torcendo pela vitória do azarão de Paraguaçu, com isso fazendo do português mais corinthiano do que nunca.
No gramado, a bola rolava e uma fina garoa caía. O Coringão atacava muito, pois jogava em casa. Já tinha conseguido um bom resultado em Paraguaçu, um empate de 1x1, conseguido no último minuto com um gol sofrido de Luizão, de orelha. O Azulão do Vale era um time criativo, disposto a ganhar e não tinha medo de nada. Quase ganhou o primeiro jogo no Carlos Affini, mas ali no Pacaembu seus valorosos soldados sentiram o "bafo na nuca" vindo da poderosa Fiel.
Aqueles mais "racionais" poderiam dizer "por que não somente esperar os 90 minutos e depois ver que ganhou?". Para esses não tenho comentários, pois a paixão por um time não encontra lugar em seus frios corações. Com certeza na hora do jogo estariam tomando chá ou lendo Caras. O Português pensou neles e sentiu inveja. "Quem me dera estar lendo uma revista idiota qualquer, olhando pro teto sem esta dúvida que me dilacera a alma...". Mas ele estava ali, com os dedos dormentes de tanto apertar o alambrado. E o placar, tão indeciso quanto ele: zero a zero, e o jogo (que, aliás, estava horrível!) já caminhava para os dez minutos finais.
Foi aí que aconteceu. O Português olhou para o céu e viu um sinal. Não, não era um disco voador que viera tira-lo dali. Simplesmente o sol inesperadamente abriu uma brecha na garoa e brilhou forte naqueles minutos finais. Porém, ao mesmo tempo a chuvinha ainda caía. Lembrou-se de "chuva com sol, casamento de espanhol". O Português finalmente sorriu, ao mesmo tempo em que seus olhos brilharam com o insight: "Seja qual for o resultado, um lado meu irá chorar e o outro comemorar". Aquela situação era a excentricidade, o contra-exemplo de qualquer lógica. Torcer para somente um dos dois era insanidade, uma aberração, era a divisão por zero! Olhou para o meio do campo e viu Sidrak apitando o final. A partida foi para os Pênaltis. E o Português, ao final da partida, comemorou muito. E também chorou.

publicado em 16/09 na SEMANA

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