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Infantil-->ALVORADINHA, CALANGO VERDE DO MATO BOM -- 29/12/2002 - 09:54 (LUIZ ALBERTO MACHADO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Senambi, calango verde
Caeté do mato bom

Brincava o indiozinho Alvoradinha agachado no mormaço da tarde caeté. Futucava o chão com seu tacape miudinho, vigiando tatu peba sair do buraco; se enrolava com o mato provocando os seres da mata virgem; bulia com os mosquitos, formigas, maruins, muriçocas, cotucando insetos que pousavam zunindo no seu juízo. Ou então, brincava com passarinhos, jandaias, periquitos, papagaios; com tejus, cutias, cajás.
- Fruto bom, fruto bom!
Lambuzava as bochechas com caldos de mangas, mangabas, canas, cajus, maracujás.
Alvoradinha era um curumim Senambi, que significa Calango Verde, tribo indígena Caeté, isto é, do Mato Bom. E quando se mandava pelos campos do arrozal de Inhauns, oh! quanto bulício faceiro esse curumim era capaz de zoar.
Chegava na serra do Mar Vermelho e de lá via toda indiada. Escorregava na ribanceira indo parar todo ancho na bica de Santa Cruz, chapinhando na água, brincando de se molhar. Eh! Saía numa carreira desembestada, só parando na pedra da Serra da Morena. Eita! Quanto desembesto desse menino, gente!
Lá de cima, ficava chamando nuvem baixinha, mode brincar melhor.
- Vem, nuvenzinha! Vem, nuvenzinha, que eu quero brincar!
E aí, ela, com sua brancura no céu de anil, descia devagarinho, peiticando para que ele não amuntasse nela não. Mas o menino, que era sabido, de muito tino, bem quando ela nem esperava, tava ele agarrado no rabo dela, segurando firme metido por galopar na cacunda da mesma. - Burra! Bora! Burra! Bora! - e lá se ía que nem passarinho, avoando, avoando.
Chegando no Mosquito, todo pabo com sua nuvenzinha alazã, ficava procurando à caça do tesouro na volta do Tacha. Eita, que seria muito bom, seria! Nada de ver. Queria brincar na tacha. E se mandava pelo Manibú, pela lagoa Dantas. E necas de pitibiriba! Uuuuuuuuuuuu!
- Eita que ventinho bom!
Depois de tanto brincar de procurar pela botija, invocou-se, e à frente de frondoso limoeiro, ficou indeciso, olhou em volta, tinha um cajueiro, uma jaqueira, outra mangueira, pitangueira, goiabeira, jaboticabeiro, pitombeira, isso, mangaba, sapoti, graviola, acerola, saborosos frutos já bons de chupar. E se lambuzava todo.
- Eita que ventinho bom!
La prás tantas, já bem descansado de seu na sombra dum abacateiro, pegou um tiziu pelas patas e saiu voando légua da muita, indo pelo rio das Cruzes, pelo Jacaré, Pé Leve, Genipapo, Tijuca, Mineiro, Tamoatã até chegar no alto da serra do Pirangussu. Gostava mesmo de voar alto, esse menino.

"Quem chega não sai mais
da barreira do Sinimbu
só com um gole d água
da bica do Pitu!"

Havia ali uma linda moça cunhã que vivia a chorar no adro da capela de Sinimbu. Hém, hém! E seu choro molhava as rosas com suas lágrimas de amor impossível. Que tristinho que era, coisa de dá nó na garganta.
- Chora não, moça, vê quanta beleza tem aqui!
E ela se ria com as travessuras dele, uma peraltice das boas mesmo.
Alvoradinha gostava muito de pescar com seu arco e flecha, daquelas pirrototinhas, vazando traíras, acarís, sirigado, carapebas, camorins, bagres, tainhas, taiobas, peixes muitos pela bica do Cariri da Prensa, por onde corre o Sumaúma, ou o Caboge, o Maná, a Roncadeira ou o Periperi. Ah! E na serra da Nasceia comia jaboticaba, abacaxi, miolo de coco verde. Era cada tchimbung de jogar água em quem se encontrasse por perto.

Um dia, no monte do Pavão, enquanto bulia com o tempo a dar bundacanasca no vento, presenciou a última pena de morte a mando do imperador estrangeiro. Viu o sangue dele descer pela Água Negra, invadindo Marreca, ensopando a Boca Larga, o Xiriri, o Pai do Mato até na Manguaba, de águas acinzentadas. Ficou triste. Coisa de gente grande essa de matar gente. Estava pelo gogó com aquilo.

Já perto do meio dia, ainda meio amuado que só, agarrou-se no cangote de um jerico e partiu para as ilhas do Porto, das Cobras e dos Bois. Qual delas queria? Nenhuma. Ah! Queria a praia do Francês da Vila Madalena, com sua água de azul turquesa, seu acervo arquitetônico, suas rendeiras de labirinto e filé, sua banda de pífano. Era mais tantos estrangeiros brancos que chegavam nas suas terras. Carregavam toras e mais toras de pau brasil mar adentro. Arrancavam as árvores dos galhos dele brincar. Mas tinha outras coisas que ele gostava muito de atanazar: tinha sururu, maçunins, siris, aratus, ostras, muito crustáceo, marisco e moluscos.

Dali deu um salto dum galho até o alto do Santana, parando numa pequena ladeira que termina na chapada do barro vermelho, vendo seus parentes arengando com um tal Bispo Sardinha.
- Se paparam índio, a gente papa bispo também! - e assim foi.

Por não entender aquilo correu prum botezinho de nada, remou do Niquin até o Gunga, ficando no mirante. Eita, vista bonita medonha!
- Vou dar um mergulho!
Foi aí que soube do lobisomem de Jequiá na beira da Lagoa Azeda. Ele, o tinhoso peludo daquelas bandas, queria 13 gotas de sangue de 13 meninos pagãos; mais 13 adros, 13 cruzeiros, 13 capelas; 13 portões de cemitério, 13 cancelas, 13 covas de inocentes. Que bicho mais ruim, tinha que desencantá-lo e para isso tinha que cortar-lhe o dedo mindinho, por certo. E foi. Quando deu de enfrentá-lo, ele, o bicho, sumiu. Aguentara tempo e bateu nos peitos. Cadê-lo? Arrastou a mala. O malvado se escafedera assim, assim. Sabia que o tal se escondia no curral do sítio. Era longe, foi lá, de pronto.

Lá prá diante, no caminho de alcançá-lo, chegou na Gruta do Furado onde uma bela moça ficava no afoga frade, nas terras dos papa-bispos. Ela então pediu-lhe que trouxesse da rua uma vara de fita, um dedal, um agulheiro e um lenço de esguião. Ela queria um par de arrecadas, um anel, um pente e uma fita de azeviche. Se estas coisas tivesse, daria de presente o lugar onde estariam escondidas gordas botijas.
- Ôba! E prá que serve isso? Só besteira.
E ela bordaria no lenço de esguião o nome do seu bem-amado para desencantar. E assim cantar o verde azulado do céu e do mar; o verde oliva da terra.
Quando não era isso era o fantasma tangendo galinhas na noite do Coringa. E quem tem medo disso?
Ou o escravo cabinda da cara de fogo, gritando, fugindo.

Ó lê, ogum-de-lê, ó lê!
Ó lê, ogum-de-lê, ó lê!
Lagoa Escura, Azeda e Jequiá!

Desistiu de ir procurar o bicho. Queria era aproveitar aquelas belezas todas. E na sua andança chegou até Mutuca, na barreiras das Araras, nas dunas de Marapé. Como era lindo o mar, o coqueiro, as palmeiras. Como era linda a lagoa do Roteiro. De lá se via Tabatinga, Riafé, Camboa e Tabuleiro! Se via o rio Cururugi, no povoado de Bananeiras, por onde seguia Poxim, Pindorama, Lagoa do Pau; Miaí de Cima, Miaí de Baixo; Japú, Guaxuma, Camundongo e Pescoço.

Voltou quase que sonolento, vinha vindo para os campos do arrozal de Inhauns e nas cercanias da chã da Mangueira ouviu zoada de expedição dum el-rei Dom Manoel, o Venturoso. Quem era esse? E viu a guerra dos adultos brancos quando a heroína Ana guerreava contra o conde dos Arcos, na Confederação do Equador. Quantas coisas, hem? Tudo era tão calmo, o vento, o dia, a noite, o luar, ele de nada entendia das coisas das gentes grandes. Sabia de brincar com tudo, apenas. É Cajuíba, é Talabarte, é a Feira da Ponte! Verdadeiro estandarte. É gente de todo canto, é gente de toda parte.
É Furado, Bicas, Sinimbu!
Coité, Poço, Roçadinho!

"Bambeia, nego, bambeia,
ligeiro, arrasta pé
bambeia, nego, bambeia,
és tacheiro do Coité!"

Mas aquela imensidão de quintal foi diminuindo, diminuindo e ele começou a chorar. Não podia mais brincar por todos os lugares bonitos que achava. A nuvenzinha nem chegava mais perto. O Tiziu dizia que estava numa gaiola preso, não podia ajudar. As moças se casaram e ele ficou sozinho no meio do mato. Contaram prá ele uma estória de uns estranhos que chegaram e apossaram de tudo. Uma tal sesmaria dum estranho mandão, um tal Duarte Coelho, deu todas essas terras aos estrangeiros amigos dele. E muito se inventaram que quando aqui chegaram, botaram nome em tudo, até no rio, homenageando seus arcanjos. Até no rio daqui que tinha o nome da gente ficou sendo, o estuário de São Miguel, foz das Alagoas desde 1501, quando tudo começou e se erigiu a Vila de Santa Luzia, "por devoção do seu fundador, que era cego".
Foi juntando uma gente estranha que construíram uma capela. Começaram venerando primeiro um certo São Benedito, mas parece que por ser de cor preta, mudaram para a freguesia do curato de Nossa Senhora do Ó do Rio São Miguel das Alagoas.

Alvoradinha ficou quietinho no canto dele matutando. E pensando resolveu brincar com o que tinha: o seu quintal pequeno e brincou de cantar:

Senambi, calango verde
Caeté do mato bom.

E cantando vive até hoje, feliz da vida, sabendo que tudo aquilo ali ainda é seu.

©Luiz Alberto Machado

Mais informações: www.alvoradinha.art.br
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