Começo esta crónica me inspirando num soneto de Antero de Quental.
"Sonhei -nem sempre o sonho é coisa vã-
Que um vento me levava arrebatado
Através desse espaço constelado
Onde uma aurora eterna ri louçã...
As estrelas, que guardam a manhã
Ao verem-me passar triste e calado
Olhavam-me e diziam com cuidado:
Onde está, pobre amigo, a nossa irmã?
Mas eu baixava os olhos, receoso
Que traíssem as grandes mágoas minhas
E passava furtivo e silencioso,
Nem ousava contar-lhes, Ã s estrelas,
Contar à s tuas puras irmãzinhas
Quanto és falsa, meu bem, e indigna delas!"
ANTERO DE QUENTAL
Há uma diferença essencial entre os humanos. A diferença está entre os que sonham e os que não sonham.
As pessoas que sonham são mais sensíveis, flexíveis e se entregam à vida despreocupadas, em estilo de amantes da esperança, da poesia, do idealismo, da fraternidade e da solidariedade....
As que não sonham são pessoas mais frias, objetivas, por vezes interesseiras, calculistas e materialistas, geométricas e medem a alma humana como se estivessem lidando com ciências exatas,
tornando-se friamente exigentes e cobradoras...
Entre os sonhadores, porém, há aqueles que sonham de olhos no horizonte ideal e amplo, de alma pura. São aqueles que conseguem captar a luz das estrelas e se sensibilizam a elas e carregam sua alma cheia de sensibilidade, de ternura, de gentileza, e de esperança. São pessoas aptas a praticar o altruísmo e a solidariedade, e isto sem tirarem os pés do chão. Seu idealismo não anula sua vida real. Esses sonhadores conseguem viver sem prejuízo de suas almas e de suas vidas.
Mas há também aqueles que sonham o irreal. Se inquietam e sofrem com as ansiedades e as frustrações que as derrubam. Praticam e dão guarida a sonhos inacessíveis que moram no plano dos remotos céus. São as pessoas de sensibilidade refinada, seguidores do amor platónico absoluto, que é abstrato, por natureza. Abstrato ou não, esse tipo de sonho e de amor, mobiliza esse tipo de pessoas, torna-as prisioneiras e fá-las sofrer. Essas pessoas só se libertarão no dia em que conquistarem a consciência dos limites humanos. Até lá padecerão sempre. E só porque tomam o sonho abstrato e impossível como realidade e é como realidade que continuarão a tratá-lo.
Considerando o sonho pelo lado simplesmente humano, podemos descobrir que a sociedade humana é um amplo tecido composto de todas as nuances que mostram os dois lados dos sonhadores e dos não sonhadores, dos teóricos e dos práticos. Na sociedade teremos à vista esses dois times de seguidores apaixonados, cada um achando que encontrou em seu ponto de vista toda a realidade da vida e do mundo. Uns dizem: sonho mas estou de pés no chão. Outros afiram: sonho e com o sonho me liberto, custe o que custar. E terceiros dizem: não entendo como pessoas inteligentes conseguem vegetar num sonho impossível que não as levará a nada...
Ouvindo a receita de um grande pensador humanista, na maneira de analisarmos e entendermos os sonhos, haveria um caminho para as pessoas que tentam se organizar. Primeiro, a verdade de que nem todo o sonho é vão, como dizia o poeta Antero de Quental. Segundo, admitir e acreditar que na vida de cada pessoa há sempre uma estrela de brilho amoroso que fala a linguagem que as pessoas entendem. Terceiro: a vida real das pessoas consistirá em saberem se entregar à luminosidade de sua estrela, partindo do princípio de que há mais vida em quem mais sonha a vida e mata a vida quem mata o sonho.
Para ti, meu irmão ou minha irmã. Faze de tua vida um sonho. Nem sempre o sonho é coisa vã...Mas não te deixes destruir pelo sonho impossível...nem vaciles na estrada...com as várias vozes que te chamam. Treina e aguça teu sentido para distinguir quem é quem. Acredita no teu chamado e vive.