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Cronicas-->A FRENÉTICA CORRIDA DO TER E DO HAVER -- 12/10/2003 - 16:31 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A FRENÉTICA CORRIDA DO TER E DO HAVER

João Ferreira
12 de outubro de 2003


Uma boa parte dos humanos continua a curtir na idade adulta a tendência e o sonho da criança em possuir muitos brinquedos. Ela curte e aprofunda este sonho. O sonho a invade enquanto dorme, enquanto estuda, enquanto brinca, enquanto circula em seu meio. Ter muitos brinquedos, se possível, todos os brinquedos, os dela e os das outras crianças, é sua fantasia.
"Ter" é fundamentalmente uma necessidade existencial. Mas viver para "ter" e "para acumular" é, como em todos os vícios, um obstáculo para a lucidez de vida sadia.
Tudo muda quando a vida humana se transmuda e se transforma numa frenética corrida para o ter e o haver ou numa cínica aventura de ter e poder. Daí nascem os conflitos, as guerras, os grandes desastres e perseguições, as chacinas. Da necessidade básica de bens para que os humanos possam vencer suas necessidades no dia a dia, se passa para uma corrida de ambições e de lances problemáticos.
Há no homem, já nos advertia Nietzsche na obra "Wille zur Macht" uma ànsia de poder e uma vontade de domínio. E esta vontade de poder é tão forte e tão drástica que boa parte das pessoas transforma suas vidas num simples projeto de vontade de domínio através do ter e do haver, esquecendo a nobreza superior do projeto de "ser".. de ser algo, de ser com dignidade e talento... Seus projetos imediatos são os de ascender, dominar, ter dinheiro, propriedades, ações, prestígio, importància. Para muitos, o importante é chegar, ascender, conquistar espaços, influências, méritos sociais, adquirir mais propriedades, mais prédios, mais apartamentos, coberturas, mesmo que isso se faça de uma maneira anti-ética, mesmo que se roube ou se pegue à força, extorquindo o que é dos outros. De uma maneira geral, os humanos cegamente se envolvem assim. Fazem-no, obedecendo a uma vontade profunda de ter, de individualizar espaços, de se manterem ligados às coisas. É uma tendência e um preceito como se estivessem a caminho de serem donos do Universo, a mando de Protágoras considerando-se absolutos e medida de todas as coisas. A verdade é que o tempo tudo desmentirá e lhes mostrará a falência da corrida para o ter e o haver. Esta corrida é, em muitas pessoas, uma compulsão, algo que se faz como se fosse a solução definitiva das suas carreiras, das suas vidas, das carências ou da sua solidão. Este exagero e esta compulsão leva a vícios e a hábitos perigosos, aos hábitos que estão na rota do crime, do tráfico de influência, do tráfico de drogas, do tráfico de armas, do tráfico de poder.
-Eu quero isso. Isso é meu. Eu comprei. Não pode tocar. Respeitem o que é meu. Nas minhas coisas mando eu. Se alguém entrar no que é meu, eu corro à bala.É o que se ouve...
Estas expressões indicam como o homem se envolve, se cerca e se identifica com as coisas. Indicam como na vida real o homem se identifica com o ter e o haver e como do ter e do haver passa às grandes relações de poder e como estas estratificam paulatinamente hábitos e estratégias de conquista dos bens materiais na terra.
Em sua fase evolutiva adolescente e na idade madura, o sonho de ter é reproduzido como se o arquétipo da fantasia da criança renascesse ali. Além da necessidade do "ter" básico, os humanos, de uma maneira geral, começam a desenvolver a tendência de acumular bens. Essa tendência termina por revelar que ela passa a representar, por um lado, a fundamentalidade da carência humana, e por outro lado, o aspecto dramático da solidão humana, que tem necessidade de lançar mão de bens e de "coisas" para se sentir acompanhada. Dito por outras palavras, ninguém quer estar só, ninguém dispensa a relação com o outro, sejam pessoas sejam objetos. No fim de contas, ninguém aceita se isolar para percorrer sozinho seu caminho existencial no tempo. O homem busca opor isso a companhia de de um montão de coisas, primeiro as pessoas, depois os animais, as coisas, aa natureza em todas as suas formas.
Para criar a ilusão de que não está só, o homem busca uma forma de se sentir "definitivamente acompanhado". Esta forma é representada pela posse, pelo domínio, pela propriedade, pelos contratos,etc. Neste sentido, " o ter" vai ser a questão básica que aparentemente lhe dará segurança no viver.
Na organização da economia do "ter", o homem não deveria esquecer nunca o seu projeto fundamental do "ser". Ser alguém, ser feliz, ser gente, ser ético, ser solidário, ser humano, e não se transformar em bicho, em formiga que só pensa em armazenar na toca. Tudo isto é algo que pode ser praticado numa sociedade contemporànea, mesmo tecnológica.
Segundo o mestre francês Gabriel Marcel, o binómio do ser e do ter que analisou em seu livro "Être et avoir" perfaz um projeto onde as duas forças devem ser complementares. "Ter"? Claro que sim. Mas o necessário, o que não atrapalhe. E sempre na mira do "ser", do Ser com dignidade, longe da marginalidade e da banditagem decadente que "desprezando a ética do ser", mata e esfola para "ter".

João Ferreira
12 de outubro de 2003
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