Pirralho que se prezava na minha rua batia bola toda tarde. A vizinhaça em peso se juntava no prédio do lado ao meu. Campeonatos com nível de organização para matar a CBF de inveja. Futebol arte. Quer dizer, nem tanto. Sou suspeito para tecer elogios à queles tempos. Afinal eu também estava no meio da molecada. Mas era futebol, não há do que se duvidar.
Não lembro se foi Sérgio, Bruno ou António quem começou a organizar as partidas. Recordo apenas que, no auge, eram mais de 20 a driblar naquele estacionamento de terra batida. Tinha isso de futebol força não. Não passávamos de sibitos correndo atrás da gorduchinha. Muita correria e gols. Cada um mais bonito que o outro. Tão inesquecíveis que guardo vários deles na memória com o mesmo frescor da época que os registrei.
Mas nem tudo era um mar de flores. Quem perdia uma partida disputada acabava sem o orgulho também. Até o confronto seguinte fluiam rios de gozações. Se as crianças daquela época normalmente já eram cruéis, sob o efeito do esporte bretão se tornam verdadeiros demónios providos de um sadismo verbal suficientemente forte para enrubecer o marquês.
Até que um dia surgiram adversários imbatíveis que nenhuma tática futebolística conseguiu vencer. As meninas, muito melhores que qualquer zagueiro, foram neutralizando os jogadores do nosso time um por um. E ficou apenas um estacionamento vazio, que nem é mais de terra batida, mas que continua lotado de lembranças da época em que eu ainda fazia gols mais bonitos que os do Fantástico.