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Cronicas-->Os mortos e os mortos-vivos -- 17/09/2000 - 20:59 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Sete de setembro,
aos toques dos tambores,
acordei sobressaltado,
fui contar à mamãezinha,
oh! que noite agitada!"

(de um dos primeiros poemas que me tocou ler, numa cartilha no meu curso primário)


Ao caminhar pela cidade, praticamente vazia, me ocorreu pensar: Por que não juntarmos, de uma vez, o 7 de Setembro e o Dia de Finados? Contemplaríamos (viva a plurissignificação!), de uma só vez, os mortos e os mortos-vivos, e daríamos um passo decisivo no sentido de não tornar demasiado explícita essa nossa opção, nacional, pela paz dos cemitérios.

Ou isso não seria uma tese? Recuperar o tesão pela idéia de uma nação vibrante e cheia de entusiasmo? Pela idéia do trabalho sendo o prazer de estarmos vivos e atuantes?

Sou um entusiasta do ócio. Mesmo no meu trabalho, procuro fazer, preferencialmente, se possível unicamente, aquilo que é prazeroso, que me dá tesão e que pode, portanto, me garantir a transmissão (missão!) desse meu tesão aos iguais (ou semelhantes!). Isso explica, além do mais, a minha opção profissional, que acaba sendo também uma opção de vida. O ócio que um emprego de professor de universidade pública me propicia, sei usá-lo muito bem, o que se pode concretamente medir pelos fatos que crio e pela repercussão que eles desencadeiam. É claro, algumas dessas repercussões não me contemplam tão favoravelmente. São os ossos do ofício. Lamento que muitos dos meus colegas não tenham o alcance e o entendimento necessários para perceber a excelência da opção que fizemos, esse grande trunfo de que dispomos, que é poder viver uma vida feita somente de prazeres.

Num Curso de Letras, os prazeres seriam sobretudo literários. Mas há quem considere a literatura como sendo tão-somente uma disciplina acadêmica. Ai deles! Há quem reduza a vida universitária a um prolongamento - doloroso para todas as partes, é preciso que se diga - do que é mais indigesto no percurso escolar que a antecede. Ai de nós todos!

Neste nosso ramo, aproximemo-nos da natureza e da lírica, consta que cada qual livremente pousou sobre o galho que mais lhe apetecia. Só que, para alguns - e razões para tanto, convenhamos, não faltam - o apetite de há muito já se esgotou. O indivíduo passa por essa espécie de tiro de guerra que é defender a sua dissertação de mestrado e, logo a seguir, a tese de doutorado. Alguns - crédulos ou cínicos; e os há em abundància - internalizam, passando mesmo a acreditar nesse "negócio", e - catapimba! - adeus meu tesão, adeus meu ócio.

Sou um entusiasta do ócio, repito, e só pode me revoltar, estarmos inexoravelmente caminhando para a oficialização, no calendário, de algo que se diz à boca pequena e de que muito se riem os do hemisfério norte, o fato de que neste país ninguém gosta de trabalhar, ninguém trabalha. O próprio presidente andou já dando uma bandeira, como se diz, ao nos chamar, com todas as letras, de vagabundos. Se e quando essa oficialização da vagabundagem acontecer - e disso não estamos tão longe assim, como o leitor pode estar pensando, bastando conferir o nosso calendário, juntando-se a ele a constatação mais do que pública de que tudo por aqui acaba mesmo em pizza, ou em feriado -, como poderei ainda usufruir, diferenciadamente, do ócio de que disponho, que conquistei, do qual não abro mão. Noutras palavras, como me sentir ocioso, ainda?

Sou um entusiasta do ócio, empedernido produtor e consumidor de "inutensílios": poesias, contos, ensaios, artigos, traduções, frases, filme, vídeo, show, teatro, rádio, corre-corre, ajuntamento, bate-papo, sopapo, futricas, conchavos, boatos, bobagens de todo tipo e tamanho. Tenho faro para a coisa, pode-se dizer. Mas paradoxalmente - e compreensivelmente também, pelo que acabo de expor acima - tenho grande paixão pelos dias úteis, quando a vida clama, o tempo urge, a cidade se move, "o pulso ainda pulsa", para citar um meu xará de sobrenome. Outrossim (essa palavra é ótima!), como todos os demais, necessito que se dê continuidade, também, custe o que custar, à produção de "utensílios" - ao menos isso, brava gente! -, de cujo uso nem eu nem ninguém vai poder mesmo se ver privado, e isso independentemente da posição que porventura viesse a assumir perante esta minha tese, pode-se dizer, absurda.

Absurda?

Pode parecer gozação, mas a verdade é que, ao dizê-lo, mais não faço que glosar conhecida formulação oswaldiana: Sem ócio, me nego ao negócio.

Hoje entendo, com insuportável lucidez, o duro significado dos versos, para mim outrora tão enigmáticos, que incluí, no alto, à guisa de epígrafe. O sobressalto, o agito, os toques dos tambores, está tudo ali, para que os meninos cresçam com essa idéia de uma pátria em tons pastel, de opereta, com todas as implicações que sobeja e garbosamente vimos amargando. Ah! essa nossa tão decantada capacidade de suportar o assim chamado "esgarçamento do tecido social"! E essa idéia de contar tudo à mamãezinha, essa eterna promessa de aconchego com que nos embalam, essa redenção embutida nos interstícios dessa construção ideológica sinistra?

E nós, tanto os que ainda nos damos conta de tudo isso, como os que estão pouco se lixando (em todas as suas modalidades e variantes), tão sujeitos à inevitabilidade da vida como da morte, tão expostos às intempéries - megaproduzidas com esmero pelos profissionais da catástrofe - como às calmarias - com todo o mal estar, com todo o desprazer que a nossa paixão pelos feriados insiste em fazer desabar sobre o meu, o teu, o nosso sagrado direito ao ócio.

Mas...
Até quando?

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