O caquético levantou-se naquela manhã sentindo-se um verdadeiro senhor do engenho. Estava saciado; a ataraxia atingira seu ponto ideal e tudo ia muito bem, até que o telefone soou. Do outro lado da linha Del Rico, um ex-sargento das milícias repressoras, solicitava uma decisão urgente relacionada ao zoológico municipal.
- Como é, a prefeitura vai comprar o elefante ou não? - A voz áspera indicava que o sujeito estava impaciente. Jarbas então sentou-se, com muito esforço, na beira da cama e perguntou:
- Quanto pedem por ele? - Do outro lado da linha um ruído estridulante dava a idéia de que Del Rico mencionava números. Jarbas então quis saber:
- Mas é africano? - A resposta veio rápida:
- Não, é asiático. Tem 3m de altura. Mas há um problema: é inteirinho branco; e parece já um tanto quanto cansado.
- Não tem doenças? - Jarbas mostrou-se preocupado. Então Del Rico respondeu:
- As patas traseiras vivem inchadas. Nas apresentações, do circo donde veio, dançava pouco e parava. Outro problema é a tromba. Colocaram um dispositivo metálico no bico e ele vive soprando aquilo. O veterinário não me explicou tudo ainda.
Jarbas, demorou pra dizer algo. Mostrando receio, na vacilada que deu, ponderava o enfrentamento que deveria desenvolver, contra o poder paralelo e invisível, existente no âmago da prefeitura. Seus adversários atingiriam esse exato ponto para atazanar-lhe os cornos. E se esse elefante, na hora H pifasse? Então ele perguntou:
- E a situação cardiorrespiratória, qual é? - Del Rico amainou o tom da voz e informou:
- Olha, está bastante fora de forma; sua mobilidade é limitada; as patas dianteiras estão praticamente travadas. Mexe bem os pés anteriores. Mas tem um sopro médio devido ao mecanismo que lhe implantaram na tromba.
- Ele está muito enrugado? - Perguntou o prefeito.
- Não tem muita parte lisa. Acho que até o bumbum tem dobras em excesso. - Então o Jarbas irritado vociferou:
- Pô, esse elefante, pelo jeito, causa mais despesa do que qualquer pretenso lucro esperado. - Afastando o fone do ouvido, tentando amenizar o mau efeito da voz aguda do Jarbas, Del Rico então considerou:
- Olha, a figura corre o risco de extinção. Talvez, esteja aí a beleza da compra. - Jarbas não tinha pensado nisso, e resolveu fechar o negócio. Reimplantaria o zoológico iniciando com o elefantídeo. Então ele ordenou:
- Pode comprar o bicho! - Desligou o telefone e foi direto pro banho.
À tarde, na prefeitura, teve de enfrentar outro assunto chato. Havia um grupo de vereadores pressionando no sentido da obtenção da revogação da lei das aposentadorias. Essa norma beneficiava muita gente que nunca fizera qualquer contribuição. Os edis exigiam rapidez. A municipalidade já elevara a carga tributária a patamares sufocantes e reduzira, ao extremo, os investimentos. Mesmo assim o pessoal que vivia sem trabalhar era maior do que o grupo contribuinte.
O grupo contrário afirmava: "Não se mexe nos direitos adquiridos." Faltou alguém dizer-lhe ser a propriedade de escravos, durante a Monarquia, também direito adquirido.
- Assim não dá! Assim não pode! - Exclamava o testudo. A reunião conduzida por ele tinha tensão em demasia. Os participantes mostravam-se inquietos. Entretanto, logo o transcurso do tempo levou os partícipes a consensos terminantes da cimeira
Ao sair, Jarbas foi abordado por um sujeito alto, espadaúdo, vestido formalmente com paletó e gravata que lhe disse ao pé do ouvido:
- Senhor prefeito: quero o máximo de atenção da sua parte! Existem indícios de que há um grupo de fiscais praticando extorsão na cidade. Por causa de irregularidades ínfimas algumas empresas sofrem visitas periódicas dos agentes. Dizem que há uma verdadeira chuva de dólares na horta dos funcionários. Temos de instalar uma CPI urgente!
Jarbas, coçou a cabeça; ele não imaginava (nem poderia), serem os prazeres e deleites do cargo, bem menores do que os dissabores que experimentava agora.
Fernando Zocca é escritor, advogado e jornalista.
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Breve: O CHUVEIRINHO.
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