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Contos-->O som nosso de cada dia -- 27/12/2004 - 13:45 (Ferdinando Genduso) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Som nosso de cada dia


Hoje, pela manhã, acordei com o som de um alarme intermitente e chato que não parava de soar, fazendo um verdadeiro alvoroço dentro da minha cabeça e que jamais cessava. Durante mais de trinta minutos aquele inferno sonoro parecia anunciar o fim do mundo, ou o inicio da terceira guerra mundial; se é que já não havia começado.
Perguntei ao frentista do posto se ele sabia o que estava acontecendo, mas a informação foi evasiva e desencontrada. Inicialmente, ele sugeriu que o alarme soava todas as manhãs por estar desajustado; posteriormente, acreditava que talvez o restaurante, onde o alarme estava instalado tivesse sido assaltado. Mas a tomar por base o tempo em que ele se esgoelava era improvável, pois nem o proprietário nem a polícia chegaram ao local. Caso tivesse havido algum assalto, o larapio já teria se evadido e estaria morrendo de rir pela incompetência e serventia do tal alarme. Não me dando por satisfeito fui até o local para averiguar o real motivo daquele alarme e se possível interrompe-lo. Como minha especialidade não era exatamente entender de alarmes chamei meu amigo Geraldo para me acompanhar na empreitada. O Geraldo também não é especialista em nada, mas se mete a fuçar em tudo e às vezes acaba obtendo algum sucesso outras acaba criando um tumulto ainda maior do que aquele que ele se dispôs a resolver, mas fomos nós tentar desvendar o barulhento mistério. Forcei a porta do restaurante para ver se ela estava aberta, porém nenhum sinal de arrombamento. Tentei verificar pela janela se havia alguém dentro do estabelecimento, porém sem conseguir ver nada. Mas o bendito alarme soava cada vez mais alto dentro da minha cabeça e ecoava além dos limites do meu cérebro e, estava me deixando louco. Acho até que vou ter um pesadelo com sinos, cornetas e sei lá mais o que, bem isto não importa.
Geraldo com seu corpanzil desengonçado alcançou o parapeito da janela, que embora estreito pode mantê-lo ereto por algum tempo e permitir-lhe que visse uma mulher deitada no chão entre duas cadeiras, seminua e com algumas marcas vermelhas na camiseta. Isso nos apavorou. O que poderia ter acontecido com aquela mulher? Não era da nossa conta, mas já que vimos a tal cena tínhamos a obrigação de chamar a polícia e elucidar o caso do alarme.
Fomos até o posto de gasolina e informamos ao frentista o ocorrido e pedimos para que ele fizesse uma ligação telefônica para o distrito policial. Para nossa surpresa, o frentista disse que aquela mulher não estava morta, e que ela era a proprietária do restaurante, mas que em razão do excesso de álcool que ela ingeria todas as noites ela acabada por cair de tanto beber. E o último funcionário ao sair fechava normalmente a porta pelo lado de dentro através do sistema automático de travamento que havia sido instalado para essas ocasiões. Eu e o Geraldo ficamos olhando um para cara do outro um com ponto de interrogação estampado, mas sem engolir aquela estória.
- Você tem certeza disso, perguntei ao frentista.
- Claro que tenho! Essa pobre coitada esta assim desde que a filha saiu de casa e não deu nenhuma notícia para ela.
- Filha! Qual a idade da filha?
- Quinze anos. A menina saiu para ir a escola e nunca mais voltou.
Pensei comigo mesmo, como é que alguém some da escola e ninguém sabe dizer o que aconteceu? Ou foi raptada e levada para fora do país ou saiu por conta própria.
- Você sabe se a mãe teve alguma desavença com a filha?
- Pelo que sei não! Elas se davam muito bem.
- Nenhuma briga, nenhum desentendimento?
- Nada! Davam-se muito bem.
- E o pai?
- Ninguém sabe! Sumiu há cinco anos. A mulher nunca falou a esse respeito.
Por um instante, o frentista teve que atender um cliente e nos deixou de lado para fazer o seu trabalho, porém Geraldo e eu queríamos entender o porquê do alarme intermitente, a mulher caída no chão do restaurante e o sumiço da filha. A bem da verdade nós estávamos especulando apenas, pois não tínhamos nenhuma afinidade em desvendar mistérios, mas nossa curiosidade estava aflorada.
- O que acha que aconteceu com a filha, perguntei ao Geraldo?
- Sei lá! Acho que a gente devia sair daqui e tocar a nossa vida. O que aconteceu ou deixou de acontecer não é da nossa conta.
- Eu sei que não é da nossa conta – só estou curioso.
- Você sabe que por causa da curiosidade muita gente acaba sabendo o que não devia, e depois tem que pagar o preço da descoberta. Às vezes você pode até perder a vida?
- Que exagero! Eu só quero saber quem é essa mulher e o paradeiro da filha, afirmei irritado.
- Vamos embora que é melhor, insistiu Geraldo.
- Se quiser pode ir. Deixa que eu me viro com o alarme.
- Se cuida meu amigo. Se precisar de alguma coisa estou no boteco.
Inicialmente, fiquei chateado com o meu amigo, depois relevei e me concentrei no que disse o frentista. O alarme, depois de trinta minutos intercalava um minuto de paralisação e cinco de gritaria sem fim. Voltei a conversar com o frentista:
- Há quanto tempo a menina sumiu?
- É coisa de cinco meses. Dá pena conversar com a mulher.
- Quando é que ela está em condição de conversar?
- Bem, condições de conversar nunca! Mas quando ela está menos bêbada dá para trocar algumas palavras.
- E o alarme? Quando vai parar?
- Daqui a uns vinte minutos. Às oito horas ela se levanta pontualmente.
- Pontualmente!
- Eu não sei como, mas parece um relógio. Todos os dias às oito horas o alarme pára, ela abre as janelas do restaurante e o movimento segue naturalmente. Atestou o frentista.
Meio incrédulo me despedi e fui cuidar da vida, pois percebi que aquela estória não tinha fim, bem como devia ser algo muito mais complicado do que estava parecendo. Fui para o escritório e me preocupei com as tarefas diárias esquecendo aquele bendito alarme e a tal mulher caída no chão do restaurante. O dia passou rapidamente e nem me permitiu relembrar aquela situação matinal. Por volta das 19h encerrei o expediente e voltei para casa. A noite estava quente e convidativa para uma cerveja gelada, as estrelas caminhavam por toda a extensão do céu iluminando os mais obscuros cantos da cidade e movimentando os bares. Tomei uma ducha gelada e sai para bebericar. Antes liguei para o Geraldo, mas não o encontrei e sai sozinho. Caminhei não mais que vinte passos e alguma coisa me empurrou em direção ao restaurante daquela mulher. Não sei porque, mas me deixei levar por aquele impulso ou pela curiosidade.
O local era simples, mas aconchegante. Pouco mais de vinte pessoas em volta do balcão e apenas dois casais situados em duas mesas simetricamente distantes. Procurei identificar a mulher mas eu não consegui ver o seu rosto pela manhã, pois ela estava deitada de lado e não me deu condições de guardar algum detalhe da sua fisionomia. Sentei-me em volta do balcão e pedi uma “loira gelada” . Continuei sondando o local para tentar identificar a tal mulher, mas não havia o que procurar. Bebi a cerveja e fui embora voltando para casa desconsolado. Fiquei assistindo TV até às 2 da manhã – muito embora eu pouco assisti, pois devo ter cochilado o tempo todo, pois eu não sabia o que tinha passado na televisão.
Olhei pela janela do meu apartamento e a luz do restaurante continuava acessa. Não sei se havia alguém naquele horário, mas fechei a cortina e cai de quatro na cama. Por volta das 3 da manhã acordei meio confuso com um ruído dentro da minha cabeça. Era o maldito alarme de novo. Chacoalhei a cabeça achando que aquele ruído era fruto da minha imaginação, mas ele não desaparecia. Levantei meio sonolento e fui olhar para o restaurante. Era aquela porcaria berrando de novo. Passei a mão no telefone e disquei para a polícia e reclamei do barulho, e informei que deviam estar assaltando o restaurante. Talvez eles dariam um jeito naquele ruído infernal. Meia hora depois, sirenes e dois carros da polícia chegaram ao local. Minha curiosidade está transbordando pelos poros e não consegui me conter. Sai para rua e fui ver o que estava acontecendo. Os policiais isolaram a entrada do restaurante não permitindo a passagem de curiosos ou intrusos como eu, mas fui conversando com um aqui outro ali e apurei que a mulher estava morta. Não satisfeito com a informação tentei entrar no restaurante e ver de perto o ocorrido, mas o policial não permitiu:
- O senhor não pode entrar aqui? Ordenou-me.
Pensei o que ia fazer e num momento de insensatez inventei uma estória:
- Eu sou o marido da defunta.
O policial esmoreceu e me autorizou a entrar. Respirei fundo, inicialmente, de alivio depois em busca de forças para continuar com aquela mentira.
O restaurante estava de pernas para o ar com as cadeiras e mesas tombadas, o que me fez imaginar que poderia ter havido luta corporal. O corpo estava ladeado por uma poça de sangue. A nuca tinha sido afundada em razão de uma pancada efetuada em diagonal, a qual lhe causou um corte no ombro direito. Mas o que me chamou a atenção foi o fato dela ter nas mãos um lenço de cetim entre os dedos. Tentei puxa-lo mas a rigidez da mão não me possibilitou retira-lo. Era provável que a mulher tivesse sido assassinada por algum dos freqüentadores do restaurante ou fruto da ação de assaltantes. Segui em direção ao balcão para averiguar se havia outro utensílio que pudesse ter sido utilizado para assassinar a mulher, porém nada encontrei. De repente, me deparei com um policial me observando e vindo em minha direção. Fiquei branco como uma vela pois minha farsa tinha sido descoberta, entretanto tentei me manter calmo e aguardar a atitude do policial:
- Quem é o senhor? O que está procurando?
- Sou o marido da vitima; ex-marido.
- Como o senhor soube da morte da sua mulher tão rápido?
Passei a mão pela cabeça, cocei o cavanhaque e justifiquei:
- Ela tinha me ligado às 11 horas e marcou um encontro aqui no restaurante.
- O senhor tinha algum assunto para tratar com ela?
- Nossa filha sumiu há meses. Nós nunca tivemos nenhuma notícia sobre o seu paradeiro. Minha ex-mulher estava em estado de choque.
O policial se pôs de cócoras e examinou o corpo da mulher, porém sem tocar em nada apenas a observou. Depois se levantou e me perguntou:
- Ela tinha algum namorado?
- Pelo que sei não tinha nenhum compromisso e morava sozinha. Aqui mesmo no restaurante.
- O senhor desconfia de alguém? Qual sua opinião sobre a morte dela?
- Eu sei tanto quanto vocês da polícia. Eu vim aqui para vê-la e conversar sobre a nossa filha. Nada mais que isso.
Não sei o que o policial queria saber, mas suas perguntas estavam me incomodando e eu precisava sair o quanto antes daquele lugar. Antes que minha situação se complicasse. Aproveitei que o policial se deslocou para o fundo do restaurante e subi para o quarto da mulher e fui em busca de alguma pista. Mesmo sabendo que cada passo novo que eu dava podia complicar a minha vida e me colocar em grandes apuros.
No andar superior havia um quarto, com cama de casal, uma cômoda antiga, um espelho redondo, penteadeira e um guarda-roupa de solteiro, além de um banheiro anexo. Nas paredes amareladas e sujas apenas retratos de uma menina, que presumo ser a filha desaparecida. As fotografias registram várias fases da menina, desde o nascimento até a idade da adolescência. Nesta fase, ela está sempre ao lado de um homem calvo, magro e alto, que presumo ser o pai. É inegável a semelhança entre ambos, os olhos castanhos e o cabelo encaracolado são marcantes. Por um instante, fiquei assustado ao ouvir os passos de alguém subindo os degraus da escada. Prendi a respiração e me escondi debaixo da cama.Os passos estancaram antes que a porta se abrisse, mas meu medo era que o policial estivesse me procurando. E que desculpa eu daria desta vez? Amoitei-me como um animalzinho temeroso e sarmento, e me enrosquei com um objeto pontiagudo e cortante que me beliscou a coxa esquerda. Ofegante e curioso fui tateando para encontrar o tal objeto; estiquei o braço e lá estava uma machadinha, normalmente, utilizada em açougues. Fui me esgueirando como uma lagartixa até conseguir sair debaixo da cama carregando aquele objeto. Mas como ia fazer para sair do quarto e descer em direção ao restaurante? Como ia passar pelos policiais sem ser notado e principalmente, indagado? Onde fui me meter? Bem que o Geraldo me avisou que curiosidade demais dava problemas. E agora o que vou fazer? Abri a porta e sai na ponta dos pés, desci suavemente os degraus da escada e alcancei o salão do restaurante. Aproveitei que havia uma coluna no pé da escada e me escondi antes de sair em alucinada carreira porta afora. Felizmente não fui notado por ninguém e consegui chegar até o posto de gasolina que ficava a menos de vinte metros do local. Esbaforido e tremulo sentei na calçada e tomei fôlego sempre observando a movimentação dentro do restaurante. O alarme já não soava mais. Porém, a minha curiosidade crescia de forma desordenada e parecia ser insuflada como um balão. O que havia acontecido com aquela pobre mulher e como tinha sido morta? Eram minhas únicas perguntas, portanto eu precisava saber as respostas.
Lá pelas tantas, chegou uma viatura do IML e levou a morta. As pessoas que se aglomeraram como eu ao redor do restaurante se dispersaram e a noite terminou mais calma e menos sonora.
No dia seguinte, fui ao escritório e com minha vida atribulada não tive tempo de ficar pensando na situação da noite anterior, porém já próximo ao final do expediente minhas idéias vagaram para o local da morte daquela mulher e, resolvi ligar para o Geraldo pois eu tinha quase certeza que o seu irmão era da policia ou coisa parecida.
- Alo! Geraldo. Onde você se meteu ontem à noite?
- Sai com uma mulheraça que você nem vai acreditar. Quais são as novidades?
- A mulher do restaurante foi morta ontem à noite. Você não ficou sabendo?
- Desde ontem nem voltei para casa? A mulher era demais.
- Cara! Seu irmão não é da policia?
- Era! Agora está aposentado e nem quer passar perto de delegacia. Por que?
- Porque eu preciso conseguir alguma informação sobre a mulher.
- Pára de se meter onde você não é chamado. A mulher não era nada sua. Sai dessa!
- Ontem eu estive dentro da casa e procurei algumas pistas. Mas não encontrei nada. Eu preciso voltar lá e saber mais sobre como ela morreu.
- Eu estou te avisando. Essa estória ainda vai acabar mal.
- Você podia pedir para seu irmão me ajudar.
- Você enlouqueceu. Ele não vai te ajudar nem adianta insistir.
- Ta bom! Eu me viro sozinho.
Desliguei e me convenci que eu ia ter que fazer a investigação sozinho. Não ia ser difícil chegar até o IML e me apresentar como marido da vitima para identificar o corpo, e assim obter as informações desejadas. Fui com a cara e a coragem, apenas uma parte dela, pois eu nunca estive num lugar como este e muito menos acho que tenho estomago para tanto. Na recepção me identifique e logo fui levado para um salão enorme com várias gavetas parecendo um arquivo numerado. No centro uma mesa de aproximadamente cinco metros de comprimento e três de largura estava envolta com um lençol branco cheio de sangue e com a silhueta de um corpo. Troquei algumas palavras com o médico legista e sai desapontado, pois a morte da mulher havia sido causada em razão das pancadas na nuca e no crânio, o que eu já havia visto. Porém estava na estaca zero. Quem teria feito tal assassinato? Nenhuma pista nenhum nome. A melhor probabilidade é que ela podia ter sido assaltada e tivesse reconhecido alguém, o que seria bastante aceitável.
Na varanda do meu apartamento eu podia observar parte da entrada do restaurante e vê-lo às escuras. Mas eu tinha a esperança de que alguém podia ter deixado algo que o incriminasse e voltasse ao local do crime. Passados cinco dias nada tinha mudado. Nem mesmo a polícia retornara ao local e provavelmente como não havia parente para reclamar solução do crime, o caso poderia ser encerrado. Por volta das 23h minha curiosidade me cutucou e me fez ir até o restaurante em busca de pistas. Olhei ao redor, mas não havia nada de anormal e resolvi entrar. A porta permanecia entreaberta sem travas ou chaveada, o que facilitou minha entrada. Entretanto, eu não podia chamar a atenção da vizinhança, principalmente, dos funcionários do posto de gasolina, o que me obrigou a vasculhar a casa no escuro. Desta vez procurei me manter no salão do restaurante, local do crime. O cheiro de coisa velha e mofada se confundia com as manchas de sangue que haviam secado, porém aquele local tinha algo de estranho e exalava um aroma fétido no ar. Talvez em razão da escuridão que se confundia com a noite, ou com as vibrações negativas que habitavam aquele sobrado e, especialmente o salão, eu tinha sempre a impressão de que alguém me observava. Segui em direção ao balcão refrigerado para examinar se havia alguma coisa dentro e quase cai de costas. Dentro do freezer está o corpo de uma menina que pela aparência devia ser a filha desaparecida. Ela estava congelada, seminua e, com uma expressão no olhar de medo e suplica que seu executor não teve. Mas como a menina podia estar naquele local sem que a mãe a percebesse? O freezer mantinha algumas garrafas de cerveja, queijo e presunto que era manipulado constantemente, ou diariamente. Era inexplicável estar o corpo da menina dentro do freezer sem que fosse vista pela mãe. Algo não se encaixava. Quem teria assassinado a menina e a colocado lá? Subitamente, um pensamento me fez estremecer de pavor e raiva. Talvez a própria mãe teria executada a filha e a guardado no freezer. Mas por quê? Nada fazia sentido. Eu havia voltado para aquele local para descobrir alguma coisa sobre a morte da mulher e acabei descobrindo o corpo da filha. E quem teria assassinado as duas? Seria a mesma pessoa ou eram assassinos diferentes? Mais dúvidas e nenhuma resposta. Sentei no chão e imaginei o impossível: talvez o executor tenha sido o marido daquela mulher. Mas por quê? Era melhor sair e deixar aquele local. Voltei para o apartamento e pus-me a pensar. Por volta das 2 horas da manhã eu ainda me revirava na cama com o pensamento fixo no corpo da menina dentro do freezer. Na minha memória tinha ficado a expressão de medo e pavor que o seu olhar revelava, e que me deixara incomodado e com a idéia fixa de desvendar aquele mistério, que agora era um mistério duplo: mãe e filha.
Às 7 em ponto acordei e me preparei para ir ao escritório.Enquanto tomava o café eu ia revendo todos os acontecimentos e minha convicção me fazia crer que a chave para aquele mistério era o homem da fotografia. Mas onde encontra-lo? Não havia nomes, locais, nenhuma pista nada que pudesse me levar até ele. O que me obrigava a voltar novamente ao restaurante e continuar fuçando a procura de alguma pista. Algo que pudesse me levar até aquele homem e, quem sabe a solucionar aqueles horríveis assassinatos. No andar superior do restaurante, o quarto se mantinha aparentemente intacto. Direcionei minha procura na penteadeira. Apenas duas gavetas contendo objetos de maquiagem e uma pequena tesoura. Voltei-me então para o guarda-roupa. Duas calças jeans, três camisas brancas, um vestido de festa surrado e um sobretudo. E foi exatamente nele que encontrei um bilhete: “Marisa, esqueça tudo que passamos, pois eu não quero ter mais nada com você. Minha mulher descobriu tudo e está me chantageando. O que passamos foi bom e como resultado temos uma bela filha, porém eu não posso assumi-la. Tudo o que você precisar eu farei para te amparar, mas não poderemos nos ver mais nem viver juntos. Segue um cheque no valor de R$ 10 mil reais. Ele vai te dar segurança por algum tempo. Adeus. Rodrigo Marques, 10/12/2000.” Era pouco, porém agora eu sabia o nome da mulher e do marido, porém minha urgência era encontra-lo.
Abri a lista telefônica e procurei por Rodrigo Marques. Havia dois ou três nomes não mais que isso. Restava apenas encontrar o homem certo. Anotei os telefones e iniciei os contatos. Porém era preciso ter um bom motivo antes de ligar para alguém sem que ele desligasse o telefone. Fazer-me passar por funcionário da empresa de telefonia ou talvez, oferecer alguma assinatura de uma revista masculina. Não custava nada tentar. Tentei o primeiro Rodrigo, mas ele não atendeu ao telefone. Disquei o número seguinte e não houve boa recepção por parte dele, inclusive me ameaçando, pois disso que tinha me identificado e sabia o número do meu telefone. Argumentei, me expliquei mas ele não me deu ouvidos. Desligou e tirou o telefone do gancho. Restava apenas o terceiro. O telefone soou por mais de cinco vezes antes que ele atendesse.
- Alo! Quem é?
- Bom dia senhor! Estou ligando para lhe oferecer a assinatura da revista XXX por um ano sem custo algum.
- Olha meu filho! Eu não estou interessado.
- Mas é uma grande oportunidade para os apreciadores de belas mulheres ter um ano de assinatura grátis.
- Pode ser boa oportunidade para você. Eu não gosto de mulheres, prefiro homens e jovens. Entendeu?
Para meu espanto o último dos três Rodrigo era gay ou similar. Restava apenas o primeiro que não atendeu ao telefone. Liguei uma, duas, cinco vezes e nada. Pelo horário, meio-dia, era provável que ele estivesse no trabalho, mas eu precisava continuar tentando. Pelo prefixo do número do telefone era certeza que ele devia morar na região do Ipiranga ou Saúde, porém era impossível procurar alguém nestes bairros, sem nenhuma indicação exata, pois eram muito grandes e seria como procurar uma agulha no palheiro. Por fim às 4 horas consegui falar-lhe:
- Boa tarde, senhor!
- Quem está falando?
- Aqui é da revista XXXX e quero lhe oferecer um ano de assinatura grátis.
- Não estou interessado.
- É uma ótima promoção que o senhor não pode perder.
- Como já lhe disse – eu não estou interessado.
- Senhor, deixe-me enviar alguns exemplares e se depois disso não houver interesse eu não insistirei mais.
- Se for para ficar livre de você pode mandar.
- Ok! Pode dizer o endereço.
Depois de muita insistência ele cedeu e me deu o endereço. Agora ia começar a investigação com um ponto de partida e tentar resolver o mistério.
Durante uma semana fiquei acompanhando os passos do sr. Rodrigo Marques. Ele morava num sobrado suntuoso protegido com cerca elétrica, circuito de televisão e portão automático e com um enorme jardim frontal. Pela movimentação de entrada e saída presumo que havia 3 carros: o dele, da mulher e da filha. Eventualmente, algumas pessoas vinham ao sobrado, eram alguns adolescentes que presumo serem amigos da filha, mas não se demoravam muito. Seu horário de chegada e partida era rigorosamente pontual: às sete horas da manhã saia e retornava às 19. Na segunda e terça-feira saiu com um esbelto doberman preto para caminhar ao redor de uma praça próxima, mas não demorava mais que vinte minutos. Na quinta-feira, me aproximei e tentei conversar com o jardineiro. Aproveitei que o funcionário era muito expansivo e falador e fui perguntado coisas. Algumas inutilidades outras interessantes. Fiquei sabendo que a filha não conversava com o pai há mais de um ano depois que ele proibiu o namoro com um rapazinho do colégio. O casal não dormia mais na mesma cama, pois a mulher descobriu uma traição do marido, e isso me interessou:
- O que você está me dizendo? O homem teve um caso?
- A coisa foi seria. A mulher ameaçou mandar o homem embora. Era ficar com ela ou largar a outra.
- Não me diga ! E a amante veio aqui?
- Uma única vez, e foi um deus nos acuda, foi uma gritaria sem fim. As duas quase se pegaram a tapa.
- E agora como ficou essa estória?
- Ninguém nunca mais falou sobre o assunto. Parece que não aconteceu nada.
As informações não se ajudaram em nada. Eu precisava falar com a esposa do sr. Rodrigo ou o próprio, mas qual seria meu disfarce? Bem eu precisava retornar ao assunto das revistas com ele, e me preparei para uma investida final. Coloquei uma peruca loira, costeletas e bigode e com várias revistas dentro de uma maleta. O dia estava nublado e cinzento. Estacionei alguns metros longe do sobrado e segui caminhando. A empregada me questionou sobre o que eu desejava, depois que lhe expliquei ela entrou e por cinco minutos fiquei agitado e aguardando seu retorno. Ela me mandou entrar e sentar na varanda. O sr. Rodrigo aparentava ter cinqüenta anos, forma física de atleta e estatura em torno de 1,80 m. Sentou-se a minha frente e me disse:
- O quer comigo?
- O sr. Recebeu as revistas? Gostou de alguma?
- Recebi. Mas por que você está me vigiando? O que quer? Vai me assaltar?
- Não! Claro que não. Eu não sei o que dizer, ou como dizer, mas é sobre sua filha.
- O que foi que ela fez? Voltou a namorar, com aquele sujeito?
- Não é desta filha que estou falando! É da outra.
- Que outra? Eu não tenho outra filha.
- Eu sei de tudo. Eu li o seu bilhete para Marisa. Vai dizer que não sabe de outra filha?
Por um instante ele se levantou. Depois se sentou novamente e disse:
- Foi um erro o caso com Marisa. Espero que ela esteja bem.
- O que quer dizer com estar bem? Ela está morta. O senhor não sabia?
Ele se levantou novamente. Parecia surpreso e chocado com a notícia e, isso me surpreendeu. Ele passou as mãos pelo rosto e confessou:
- Eu soube pelos jornais. Mas não me interessa saber nada sobre ela. E a garota como está?
- Morta também. O sr. Não sabia?
- Não! Por favor, vá embora, não temos mais nada a falar.
- O sr. Não tem remorsos do que fez?
- O que está insinuando?
- Como foi que o sr. Matou as duas?
- Eu não matei ninguém. Saia.
- Ainda vou descobrir como as matou e coloca-lo atrás das grades.
- Saía daqui.
Era visível seu desapontamento com as minhas afirmações, mas restava-me agora conseguir provar que ele era o assassino; um assassino frio e calculista sem piedade e escrúpulos capaz de dizimar sua filha e amante e, continuar a viver como se nada tivesse acontecido.

Dois dias após, já pelas tantas da madrugada, percebi uma movimentação estranha próxima ao restaurante, e que me instigou a ir até lá. Troquei de roupa e segui com uma sensação de que estava perto de descobrir algo. Por precaução me armei de uma faca de cozinha, pois no caso de me deparar com alguma situação de perigo eu teria como me defender. A porta está encostada. Dentro do salão eu podia perceber um claro de luz que devia ser de uma lanterna. Forcei a maçaneta e abri cuidadosamente a porta. A luz se apagou e me fez acreditar que alguém tivesse percebido minha entrada. Ao invés de ficar no salão subi a escada e fui ao andar superior já empunhando a faca e com a respiração ofegante. Apesar de ficar brincando de ser um investigar eu não passava de um bisbilhoteiro e, que a qualquer momento podia ser morto ou preso como executor dos assassinatos. Fiquei escondido debaixo da cama. Subitamente, um passo forte e firme estremeceu os degraus da escada e me fez crer que era a hora de acabar com aquele mistério. Os passos circundaram a cama e pude imaginar pelo pé o tamanho do assassino. Ele abriu as gavetas da cômoda e atirou todos os objetos para fora. Abriu o guarda-roupa e vasculhou as roupas e as atirou ao chão. Eu podia sentir sua respiração e seu desagrado por não encontrar o que procurava. Por um instante meu desejo foi sair debaixo da cama e atacar aquele intruso, mas eu tive que me conter pois isso podia estragar tudo e por a perder a oportunidade de descobrir a verdade sobre os assassinatos. O intruso circundou a cama e desceu para o salão. Era minha oportunidade de apanha-lo. Desci o primeiro degrau da escada, mas estanquei ao ouvir um barulho no salão. Tomei fôlego e continuei a descer. O facho de luz da lanterna de repente se virou em minha direção e não pude me esconder. Era o sr. Rodrigo Marques.
- O que faz aqui, perguntei-lhe.
- É o que lhe pergunto. Você é da polícia?
- Por que quer saber?
- É da polícia ou não?
- Sou investigador particular.
- Por que está aqui? Quem o contratou?
- Interesse profissional. E o sr. O que faz aqui? Está tentando apagar alguma pista incriminadora?
- Por que está me acusando? Eu não matei ninguém.
- Se o que diz é verdade por que estava vasculhando os objetos de Marisa?
- Quero aquele maldito bilhete. É a única coisa que pode me comprometer.
- E sobre a menina? Não sente nada por ela?
- Não! Ela não representava nada para mim.
- Como pode ser tão insensível assim? Ela era sua filha.
- Foi um erro. Mas eu não quero saber nada sobre ela.
Ele não demonstrava nenhum sinal de sentimento ou remorso. Venha comigo que quero lhe mostrar uma coisa, lhe sugeri. Ele se mostrou temeroso, pois éramos dois estranhos e com propósitos diferentes. Porém insisti. Venha! Não tenha medo. Fui em direção ao freezer. Parei antes de abrir a porta, mas o Sr. Rodrigo recuou. Segui em frente e abri a porta do freezer. Quase cai duro de surpresa. Onde estava o corpo da menina? Como desaparecera?
- O que fez com o corpo?
- Eu não sei o que está falando. O que quer me mostrar?
- O corpo da menina estava aqui. O que fez com ela?
- Você deve estar louco. Eu não sei de corpo algum. Vim aqui atrás do bilhete apenas.
Senti um frio na espinha me fazendo crer que aquele mistério era maior do que as próprias mortes. Eu só não sabia o quanto nem como.
- O corpo da menina estava no freezer ontem à noite.
- E onde está agora?
- Como vou saber! Alguém mais deve estar por trás disto. Mas quem?
- É melhor eu partir. Caso encontre o bilhete me devolva que eu lhe darei uma boa recompensa.
- Antes me diga uma coisa. Quem poderia desejar a morte de Marisa e da menina?
- Eu não sei! Talvez um namorado ciumento ou ressentido.
- Não sei não. Algo está cheirando mal nesta estória. E eu vou descobrir. Custe o que custar.
O sr. Rodrigo saiu rapidamente e se perdeu no horizonte. Porém, eu continuei ali desconsolado e cheio de interrogações.

Na noite seguinte, fiquei a pouco mais que cinco metros do restaurante, escondido sob a proteção de uma grande paineira. Seu tronco avantajado me proporcionou um esconderijo perfeito e me deixou inume a qualquer descoberta. Eu queria apenas acabar com aquela situação misteriosa que tinha se apossado do meu cérebro e, agora parecia ter dominado meus pensamentos e me manipulava como uma máquina descontrolada. Dia após dia, noite após noite eu só conseguia pensar e respirar aquele mistério. O mistério daquelas mortes.
Por volta das 2h da manhã, um vulto de estatura mediana se aproximou da porta de entrada e forçou a fechadura, sem dificuldade para entrar. Esperei dois minutos e fui decidido a acabar com tudo. Entretanto, quando acabei de colocar o pé dentro do salão fui atacado pelas costas com um taco de basebol. A pancada me deixou parcialmente grogue, mas não o suficiente para me deixar inconsciente. Atraquei-me com o agressor e durante alguns minutos nos deparamos numa feroz luta corporal. Finalmente, consegui imobilizar o agressor e interpela-lo:
- Quem é você? O que faz aqui?
Não houve resposta. O agressor se manteve de cabeça baixa e com o rosto escondido sob a escuridão do restaurante, porém sua respiração lenta e suave me despertou uma suspeita. Tornei a perguntar-lhe:
- Quem é você? E o que quer aqui?
- Nada! Respondeu quase sussurrando.
Subitamente, ele tentou se desvencilhar do meu abraço, e me obrigou a utilizar a força. Ele ainda tentou escapar, mas sua reação emitiu um grito afinado e desconexo. Ainda imobilizado levei-o até a janela onde um facho de luz penetrava e pude ver o seu rosto. Meu coração ficou sobressaltado e quase saiu pela boca. Era um rosto de mulher; uma bela mulher que apesar da estatura mediana tinha um físico bem definido e esboçava uma força contundente.
- Quem é você? Perguntei pela terceira vez.
- Sou a mulher do Rodrigo.
- Por que está aqui? O que procura?
- Não tenho nada para lhe dizer.
- Então vai dizer para a polícia.
- Sob que acusação?
Fiquei sem resposta. Por que ia leva-la à polícia? Eu não tinha nenhum motivo, a não ser pelo fato dela estar no restaurante. O que não facilitava minha situação, pois eu ia ter que explicar também o que estava fazendo naquele local.
- O seu marido esteve ontem aqui e, agora você. O que procuram?
- Rodrigo esteve aqui?
- Sim, assim como você. O que procuram?
Ela quis se afastar da janela e caminhar rumo a porta. Porém eu intercedi o seu trajeto. Ela tentou abrir passagem a força, mas eu me mantive a sua frente.
- Se quiser sair vá, mas eu vou acabar descobrindo o que procura.
- Eu não procuro nada. Deixe-me ir.
- Vá!
Ela seguiu rumo ao balcão e estancou as passadas. Parecia preocupada e ansiosa em encontrar alguma coisa atrás do balcão. Eu me mantive próximo à janela sem dizer nada. Apenas a observei e pude constatar o quanto era bela e tentadora. Como o marido podia ter tido um caso com aquela mulher do restaurante tendo aquela encantadora mulher a seu lado?
- O que tem atrás do balcão? Perguntei-lhe.
- Não sei! Por que me pergunta?
- Por que não confessa o que fez? Eu descobri tudo? Como pôde assassinar mãe e filha?
Ela apenas suspirou. Depois disse:
- Minha família foi destruída por causa delas.
- O que quer dizer?
- Meu marido teve um caso com aquela mulher e tiveram uma filha. Uma filha que ele adorava mais do que a minha. Maldita mulher, ela teve o que castigo merecido.
- Por que as matou?
- Elas queriam tudo o que eu tinha. Marido, dinheiro, casa, tudo. Eu não podia deixar isso acontecer.
- Como as matou?
- A menina foi assim .... A mulher esmaguei o crânio. Ele se batia como um cachorro. Foram duas pancadas, mas ela resistiu então dei o golpe de misericórdia, entre a coluna cervical e pescoço.
- Não sentiu remorso com o que fez?
- Se fosse preciso faria de novo. O que é meu ninguém vai tomar.
- Por que voltou aqui?
- Preciso encontrar os brincos que perdi na noite do acontecido.
- Que diferença faz encontrar os brincos? Ninguém ia descobrir que eram seus.
- Em um deles estava gravado o meu nome.
- E daí? Quem ia descobrir?
- Por que faz tantas perguntas?
- Porque este caso me intrigou e agora quero ir até o fim.
- Mas você não é da polícia. Por que bancar o investigador?
- Coisa de amador.
- Agora que você sabe tudo o que vai fazer comigo?
- Não sei. Talvez chamar a polícia e entrega-la.
- Não pensa em fazer isso? Pensa?
- O que você faria no meu lugar?
- Deixaria você ir embora e ia cuidar da vida normalmente.
- É simples assim? O que fez com o corpo da menina?
- Está no freezer.
- Não está. Sumiu, evaporou.
- Não é possível. Você procurou direito?
- Louco eu não sou. Vá e constate você mesma.
Ela tinha uma calma impressionante e uma beleza embriagadora, a ponto de me deixar desatento e cego. E num momento de descuido ela saiu correndo pela porta e me deixou plantado dentro do restaurante como uma estatua. Não sei o porquê, mas não fiz questão nenhuma de persegui-la. Ela se perdeu na escuridão da noite. Por outro lado, eu me perguntava: onde estava o corpo da menina? quem a teria tirado do freezer e para onde? Eu não conseguia encontrar respostas. Apenas meu pensamento tinha ficado fixo naquela mulher, bela e sedutora, linda e escultural. Parecia ser um sonho ou mesmo uma miragem , que a qualquer momento eu ia despertar e esquecer de tudo.
O sono não vinha. Revirei-me na cama não conseguindo tirar aquela mulher do pensamento, eu estava hipnotizado. Cheguei a pensar em desistir da investigação e seguir minha vida naturalmente. Mas como isso podia acontecer? Eu já sabia quem havia assassinado as duas mulheres e não podia ser conivente com o criminoso, nem deixar passar em branco aquele assassinato. Por mais hipnotizado que eu estava era preciso leva-la para a cadeia e faze-la pagar pelo crime que cometera.
Sentei-me na cama e decidi ligar para a polícia e informar o que sabia sobre o crime, mas não me levaram a sério. Decidi então capturar aquela mulher e leva-la eu mesmo ao distrito. Fiquei por horas acordado pensando como atrairia aquela mulher para uma armadilha e que me propiciasse apanha-la. Na manhã seguinte escrevi um bilhete e o enviei através de um motoboy num envelope lacrado para a mulher do sr. Rodrigo. Às 23h da noite entrei no restaurante e a aguardei com enorme apreensão e uma dose de excitação.
Dentro do restaurante apenas um foco de luz iluminava a janela o restante era uma imensa e incontrolável penumbra. Às 22h50 ela chegou. À distância eu podia vê-la vestida de negro dos pés a cabeça: a camisa de cetim com primeiros botões abertos deixava a amostra o colo e insinuava os seios. O perfume se dissipava pelos cantos do restaurante anunciando que cada vez mais ela estava próxima. Eu me mantinha calado – ela se aproximou:
- Onde estão os brincos?
- Por que a pressa?
- Eu só quero os brincos. Aqui está o dinheiro que você pediu.
Ela esticou a mão e me deu um pacote contendo dinheiro.
- Preciso contar.
- Não confia em mim? Perguntou-me.
- Por que deveria confiar? Você é uma assassina perigosa.
- Tem medo de mim?
- Talvez!
- Se, tem medo por que me trouxe até aqui?
Ela se aproximou de mim quase me comprimindo contra a parede. Eu só pude sentir seu perfume e desfalecer em segundos. Depois se afastou e ficou rindo da minha ingenuidade. Quanto a mim apenas pude sentir um frio me envolvendo as entranhas. Passei a mão pela barriga percebi o sangue escorrendo pela camisa e calça. A estonteante mulher foi se perdendo ao longe. Minha visão estava cada vez mais turva e embaralhada, depois não me lembro de mais nada. Apenas um vulto que se aproximou de mim e me conduziu para uma passagem secreta através do freezer. Lá estava também a dona do restaurante, sua filha e eu numa dimensão perdida no tempo e no meu subconsciente. De repente, o alarme voltou a soar e assim permaneceu até às oito horas da manhã, depois o restaurante voltou a sua movimentação normal.


Fé – 23/12/2004
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