Para reflexão: GRITOS CALADOS
Como escritores, nos achamos sensíveis. Mas será que realmente estamos atentos aos gritos que ouvimos? Será que não tapamos nossos ouvidos delicados enquanto eles soam? E, se ouvimos, o que fazemos? Se alguém está ferido, doente fisicamente, corremos para socorrê-lo ou para buscar socorro nos locais competentes. Mas há "ferimentos" que não vemos, há cânceres de alma que não aparecem nos ultra-sons da medicina. E não corremos nunca para socorrê-los. E há muito mais: milhares de gritos calados, que se calaram depois de muito terem ecoado em vão. Sabemos nós perscrutar esses gritos engasgados na garganta de homens e animais torturados e massacrados? Se sabemos, tentamos ao menos fazer algo, tentamos ao menos dar o que temos: um sorriso, uma palavra amiga, um pouco de nosso tempo em forma de companhia, o calor de nossa mão em forma de carinho? Ou só pensamos em dar dinheiro, como se ele comprasse tudo? Ou nos encolhemos e rezamos pensando nada mais poder fazer?
Estejamos atentos a qualquer palavra, qualquer gesto, qualquer lágrima furtiva. O grito calado pode estar dentro de nossa casa, na casa vizinha, no miserável que bate à porta pedindo apenas pão, na criança que cheira cola para esquecer o abandono, no animal sarnento que passa na rua, no pássaro caçado e privado da liberdade que é seu direito, até mesmo no coração de quem julgamos amar. Se cada um de nós fizer o que está ao alcance da própria mão, tudo será melhor e será bem menor o ruído surdo dos gritos calados no invisível mundo da angústia. E talvez possamos nos orgulhar de nossa condição. Por enquanto, eu, confesso aos gritos: tenho vergonha de pertencer à espécie humana.
20/10/2001
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