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cronicas-->UM VIAJANTE DO TEMPO NUMA CIDADE SEM-MEMÓRIA E VIOLENTA -- 25/10/2003 - 10:59 (Carlos Jatobá) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

UM VIAJANTE DO TEMPO NUMA CIDADE SEM-MEMÓRIA E VIOLENTA*


por Carlos Jatobá


  
   
Ao caminhar pela Rua da Aurora deparo-me com o chamado "sobrado dos azulejos", hoje uma edificação soçobrante que em seus escombros paira sombria lembrança de seus habitantes nos fins do século XIX e início do século XX: "Os Chateaubriand!". Diante de tal, sinto-me estar, como um nauta, transcendendo o tempo e o espaço. Subvertendo, de certa forma, a cronologia.


    Pareço divisar, assomando à sacada frontal, a família que habita o lugar: o Exmo. Sr. Bel. Francisco José Chateaubriand Bandeira de Mello, sua esposa Sra. D. Maria Carmem e seus quatro filhos: Jorge, Francisco, Oswaldo e Ganot.


   Na frente da casa, o condutor de uma carroça puxada por uma parelha de mulas, fruto do dinàmico negócio de produção e distribuição de leite do meu amigo e confrade Francisco José (um ex-magistrado com tino para outras avenças), presta conta da féria do dia.


    Desço do tílburi de aluguel, dou de mão à algibeira consultando o relógio: Estamos em próprias horas! Vou ao encontro do dono da casa. Sou recebido com festas, pois, estamos a 4 de outubro de 1898: o Francisquinho está completando 6 anos! Um menino magrinho e tímido; porém, de visível caráter - dado-lhe pelos olhos! Veste-se com um "marinheiro" azul cosido especialmente, pela mãe, para a ocasião.


    Cumprimento toda a família. Uma aia - recebendo coco, casaco e bengala - aponta-me o limpador de sapatos no canto esquerdo. Sirvo-me!.. Estando mais à vontade, adentro à casa e vou ao encontro dos demais convivas.


    Na sala de música, o cravista da Cameratta Ars Recifensis (composta por viola-de-gamba, cravo e charamela) sola a primeira suíte de Pièces pour le clavecin de François Couperin, enquanto um singelo "libreto" artesanal é distribuído. Os pequerruchos se refestelam no quintal. Passo, então, para o pequeno parlatório destinado aos homens feitos, onde se conversa sobre política e diplomacia, passando pela decantada "paz armada" européia. Também, sobre o Presidente McKinley, o expansionismo norte-americano e sua intervenção na guerra cubano-espanhola de libertação, é assunto corrente. Deixamos os assuntos internos para um dia menos festeiro. Depois, abro outro viés para "ética e história", mais precisamente sobre o filósofo alemão Friedrich Nietzsche em seu livro "Além do Bem e do Mal" de 1886, quando este faz uma sábia colocação sobre a proliferação das muitas doutrinas éticas, dizendo que "...aquilo que numa época parece mau, é quase sempre um restolho daquilo que na precedente era considerado bom - o atavismo de um ideal já envelhecido!". Conseguintemente, discursamos e discutimos por horas a fio.


   Nisso, saio desse "transe" inominável ao ser interpelado por um alguém que me diz: - A prefeitura deveria demolir todas essas velharias! O senhor não concorda comigo? É por isso que a cidade não vai pra frente!... Deixo-o, então, falando sobre outras mazelas da urbi, que lhe vem à mente, e sigo meu caminho com destino à Assembléia Legislativa.


    Só aí chego à realidade. Estou em 2003.  O casario onde residiu o pioneiro da comunicação em massa no Brasil, Assis Chateaubriand, está em ruínas. A velha "Aurora" só existe na minha imaginação. Isso faz parte da História.


    Mais uma vez intuo que, em nossa cidade, ao alargarmos ruas podemos estar estreitando mentes. Somos pobres na preservação da memória histórica; mas, ricos na assimilação da dita virtual.


    Sigo meu caminho. Já em plena orla fluvial urbanizada e ante o "Tortura Nunca Mais", surge a tortura de sempre: sou peitado por um indivíduo pardo de figura longilínea e tísica, hálito peculiar de uma tal cannabis, de olhar difuso e melenas à rastafari. O mesmo me aponta, à altura dos olhos, um "tresoitão-canelinha" com a noz do cão recuada, que - de tão perto - posso lhe ver a alma raiada; e, ordena: -  Fera!.. Passa a carteira, ai! ligado?!...


 


*Crónica do autor publicado no DIÁRIO DE PERNAMBUCO,

Recife-PE., em 14/10/2003, Artigos, página A3.

 

 

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