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Poesias-->LEGADO -- 29/12/2005 - 12:55 (osvaldo onofre) |
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legado
Doou-se aos filhos
e quis doar
só o que amadureceu
a outra parte,
acaso imatura,
acaso cedida,
foi involuntária
era intransitiva
doou-se na condição
de que modelassem
com suas juventudes
o que tinha de certo:
a imperfeição da vida.
mas um olho no porvir,
e outro no pretérito.
doou-se com lembranças
no embornal
os santos e os heróis
tantos desconhecidos
doou-lhes as aventuras
através das quais
de certo modo
foram eles, donatários,
protagonistas
doou-se compartilhando
a única infância
e vários futuros
doou-se completamente
absolutamente
como se fim não houvesse
nada fosse relativo
e fossemos a um só tempo
provisório e definitivo
doou-lhes a macaxeira
a pitomba e os vim-vins
o regaço das aias
o ranger da cancela
o gemer da moenda
e a infância escorrendo
pelas feiras, sã
pelos sertões, a sabedoria
de rogaciano, as artes
de malazarte
dou-lhes as histórias
de sua gente
e sua fé inquebrantável
perpassadas no cordel
doou-se para lhes
precipitar lições sobre
a arte da vida
e a arte da guerra
ensinou-lhes como vencer
o tempo
e ludibriar a morte
nos ventos do presente
doou-lhes a alma
de seu povo
agreste e brasileiro
caboclo, mestiço,cafuso
povo morubixaba
nas aventuras de
tibicuera
e um sentimento
de mundo
que se incapaz de
lhe amolecer os assombros
da terra
lhe imprime certamente
claros sinais de brandura
doou-lhes sobretudo
a intransigência de viver
pois que prá ele
a vida é uma
hemorragia que
simplesmente
deixa sangrar
doou-lhes a coragem
e a verdade
que é enfim tudo
que é-lhe insubstituível
doou-se como matriz
pois nada é mais indelével
que as cicatrizes e tatuagens
de uma infância feliz!
Esse texto é dedicado a Elias Clemente da Silva, uma flor de mandacaru nessa selva de concreto!
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