Mini-conto de Welington Almeida Pinto
O DIA TODO foi assim: um céu carrancudo cobrindo a cidade, pardo, ameaçando chuvas; vez ou outra, uma ventania içando do chão as folhas secas e os pedaços de papel, que rodopiavam no ar. Pelo rádio, o instituto de meteorologia explicava: um ciclone extra tropical em alto mar está enviando ventos frios para a região sudeste, que contribuem para a nebulosidade. A previsão é de tempo instável, com mínima de 19 graus e máxima de 24 na capital mineira. A frente fria deixou a região anteontem, mas a chuva trazida com ela vai atingir Belo Horizonte. Pode chover forte no final da tarde.
Pouco antes das cinco, o vento piora. O céu escurece. Uma lufada, fria e estúpida, começa a rolar densos chumaços de nuvem negra no ar, raios riscam o infinito e trovões bufam sem parar, anunciando a tempestade. Medo e correria nas ruas. Um rio humano e cães correm para se abrigar debaixo das marquises ou dentro das lojas de portas abertas.
De repente, uma pancada nervosa de chuva desaba sobre a cidade por uns cinco minutos. Depois, perde a força. Bem mais leve, perpendicular, estabelece uma toada cadenciada por mais de trinta minutos - na rua a enxurrada barrenta transborda o meio-fio e arrasta tudo: a folharia, as garrafas de plásticos e os dejetos urbanos jogados no asfalto.
Minutos antes das seis, a estiagem. O céu de resto de primavera perde o cinza de alumínio e se transforma em um imenso azul, limpo de nuvens. O sol reaparece. Luxuriante, espalha luz e vida pela cidade.
Naquela contemplação curiosa, inerte e sem pensamentos, do alto do edifício Malleta, observo xaxins de orquídeas suspensos na estreita e poluída varanda de um apartamento em frente. Lindas flores! Revestidas de um novo verde, revigorado pela chuva, me enchem o olhar de clorofila e arte, que também se expandem pelo meu corpo num agradável jogo de sedução. Lembro Tagore: a Natureza, mesmo agredida, produz flores.
*Tarde do dia 14/12/2004, em Belo Horizonte.
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