A LINGUAGEM ORAL E A LINGUAGEM ESCRITA
Alguns aparentes especialistas em português mostram-se indignados sempre que se deparam com alguma “heresia” da fala. Para eles, a linguagem falada, por estranho paradoxo, deve ser a representação da linguagem escrita, que a antecedeu historicamente. Muitos não admitem, tachando de “galicismo”, a tendência de topicalização na fala em nossos dias, ou seja, o costume bastante arraigado de colocar o objeto direto da oração no começo da frase, como para ressaltá-lo, ocasionando, com isso, a chamada figura de anacoluto (ex.: os sapatos, coloquei debaixo da cama. A Fulana, eu sempre vejo na escola.). Entende-se que o falante coloca em evidência o assunto que está enfocando, evitando que este seja afetado pelos “ruídos” que interferem num diálogo.
Na realidade, nem a escrita é a transposição da fala, nem essa é a transposição da escrita, como pretendem alguns beletristas. Trata-se de duas linguagens diferentes, como suas características próprias, a começar pelo material com que trabalham, sua substância. Enquanto a fala se utiliza de sons vocais, a escrita opera com sinais gráficos. A fala é um meio imediato de comunicação, influenciada pelas emoções do falante; a escrita é mais distante e racional, cedendo espaço ao raciocínio e ao planejamento. A fala conta com um inteiro arsenal de substitutos para auxiliar na construção do discurso: gestos, expressões, silêncios, bem como se beneficia do espaço e do contexto em que estão inseridas as pessoas.
A escrita, ao contrário, necessita valer-se de seus próprios recursos para suprir todos esses aspectos. E nesse fato reside uma das maiores dificuldades dos redatores inexperientes, que não conseguem transportar para o texto as situações que estão presentes no discurso oral.
Por esses aspectos, e pelo fato de não ser diluída logo após sua emissão, como acontece com a fala – que permanece por pouco tempo na memória do receptor – é natural que a escrita se torne mais policiada, mais controlada socialmente, e mesmo que a evolução de suas formas seja processada de modo muito lento, para garantir a interação entre o emissor e o receptor no espaço histórico. Daí que, enquanto uma se transforma dinamicamente, a outra permanece com formas “clássicas”, não podendo, portanto, tornarem-se as duas modelo uma da outra.
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