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Contos-->O Tapa -- 23/02/2005 - 23:50 (Luca Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O TAPA
por Luca Xavier

Durante muito tempo, sempre às tardes quando o sol já se punha, Maximiliano Silveira dos Angicos, tinha como prazer e obrigatória habitualidade, postar-se diante de sua varanda fria, marcada por desenhos pintados a mão e por verdíssimas samambaias; e, regado a chá de erva sidreira, ou quando não de camomila, contemplar o movimento de pessoas afortunadas, tristes, sem rumo, felizes, indiferentes ou preocupadas que compunham sem qualquer constrangimento perceptível, o quadro diário daquela paisagem.
Para qualquer outro observador, a rotina daquelas imagens, que em essência desenvolviam-se morosamente ditando um ritmo indolente, despertaria, na melhor das hipóteses, um bocejar tedioso, inerente ao fato de se estar postado numa varanda fresca quando o sol já se põe e quase natural, visto que o dia termina e o descanso é consequente às jornadas de labor. No entanto, Maximiliano, incorporara esta rotina a sua vida, extraindo desse ato diariamente um prazer incomensurável que de certa forma funcionava como um nutriente para seu espírito.
Quando a noite finalmente estampava uma escuridão nunca menos melancólica que a do dia anterior, Maximiliano saia do seu torpor de entardecer para começar a fazer algo que igualmente lhe concebia ondas de prazer: andar solto nas ruas, o pensamento livre, ignorando qualquer tipo de preocupação e eventualmente disposto a transgredir regras. Embora conservasse dentro de sí essa centelha de anomia, tinha como preceito, manter sempre uma atitude ponderada acerca dos seus atos, de forma que a expectativa da transgressão não fosse jamais de natureza inconseqüente, mas sim uma opção a mais para extrapolar parâmetros de liberdade pré-concebidos e dos quais ele se declarara inimigo.
Vestia uma calça jeans com uma fidelíssima camiseta branca e aparentando não ter plano algum tomava um rumo incerto em cumplicidade com o aspecto ilusório que porventura a noite pudesse apontar.
Do outro lado da cidade, Catarina Cuerbas Dias, do alto de seus 22 anos, orgulhosa de possuir um nome totalmente herdado de sua mãe, - e justiça se faça, só desta forma podia ser, pois jamais conhecera o pai e segundo sua mãe era ele um canalha de marca maior - esperava ansiosamente que o ponteiro menor do seu relógio encostasse logo no número 7, e assim, como se isso fosse parte do movimento natural dos dias, ela pudesse de sua janela, no segundo andar do pequeno sobrado onde morava, avistar com olhos brilhantes, o balconista do armazém "24 horas", de nome Oscar, que começava seu turno de trabalho às 19: 00 horas.
- O que faz você aí nessa janela tanto tempo Catarina? Gritou a amiga de quarto, perguntando enquanto passava com o controle remoto os canais da tv. Catarina nem se deu conta da pergunta. Mexendo os cabelos, os olhos vidrados no rapaz franzino que instantes atrás chegara numa bicicleta azul, olhava fascinada os movimentos que ele todos os dias repetia e que de uma certa forma já se integrara à rotina daquele lugar àquela hora da tarde: desmontava rapidamente, como se fosse um intrépido cavaleiro atendendo um chamado do seu rei, corria para vestir um jaleco cor de laranja, e logo estava do outro lado do balcão pronto a atender com extrema solicitude os fregueses que fossem àquela hora comprar.
Tereza Paes Mourão era o nome da amiga de quarto que subitamente se viu perguntando sobre um fato ou quem sabe uma imagem, que também, definitivamente, já devia estar incorporada à rotina daquele pequeno apartamento: Catarina debruçada sobre a janela todos os dias por volta das 19:00 horas. É claro que para alguém que compartilhava grande parte dos segredos íntimos como há de ser quando se estabelece um vínculo de amizade entre duas pessoas, Tereza estava cansada de saber que o franzino e branquelo atendente do armazém 24 horas era a causa de tão pontual devotamento a uma janela; mas, indiferentemente e sem maldade alguma, pelo menos até onde tinha consciência disso, fizera a pergunta dentro daquela atmosfera descompromissada e ao mesmo tempo sedenta de intrigas sentimentais tão próprias da curiosidade humana. Tal não foi sua surpresa ao ouvir quase que imediatamente a resposta:
-Gosto de olhar o movimento das ruas quando o sol começa a se pôr, traz-me tranqüilidade, embora à custa de alguma tristeza. - Num suspiro relutante, Catarina respondeu e quem saberá dizer com certeza se essa resposta resposta estará verdadeiramente imbuída de sinceridade ou trará em sua gênese a perfidia da ironia como forma de demonstrar sua inabalável atitude de quem não quer intrometidos esperando algum motivo para zombar de sua paixão. Por outro lado, o que se pode pensar de uma afirmação assim, feita quase que imediatamente, sem perder tempo algum com meditações buscando melhores palavras. A jovem Tereza com a convicção dos seus vinte e dois anos teve a princípio o impacto de estar contemplando um perfeito exercício de cinismo demonstrado pela amiga, mas, passados alguns segundos deixou-se levar pela idéia de que a resposta poderia não ser de todo falsa, visto que quando estamos marcados pelo vício da paixão é mesmo possível enxergarmos poesia nas coisas mais improváveis.
A tristeza da qual falo,- continuou Catarina- vem não sei porquê, do entardecer. Já notou como é triste o entardecer? Em se tratando de tonalidade, não vejo muita diferença entre o nascer e o pôr do sol. Poderia jurar que na aparência ambos são iguais, se não fosse a tristeza que sinto tão presente no pôr do sol. Acho que existe algo -de mórbido, embora de muita beleza no pôr do sol.
- O pôr do sol não tem nada a ver com a morte, Catarina. - Cortou Tereza, não imaginando que a conversa pudesse descambar para uma discussão desse tipo.- O velho e bom sol apenas está se recolhendo para um descanso merecido. Tanto que estará desperto, forte e reluzente no dia seguinte.
- Tem razão, esqueçamos tudo isso. Acho que nem mesmo a possibilidade de uma ligação com algo mórbido poderia modificar a alegria e o prazer que estou sentindo, ainda mais se posso ver meu querido Oscar!
- Ah, sim claro! Até quando durará isso, esse sofrimento disfarçado de alegria e prazer? Não irá se fazer notar nunca?- Tereza se acomodou sobre o sofá enquanto jogava a cabeça para trás demonstrando um simulado desdém, enquanto Catarina esboçava um sorriso leve. É provável que intimamente considerara bastante a observação feita pela amiga, mas por outro lado só ela mesma era capaz de lidar com o sentimento típico, próprio de algumas mulheres de se sentirem temerosas quanto ao ato de abordar um homem e isto parecer um tanto quanto vulgar. Enquanto preservasse tais receios, provavelmente ela continuaria sistematicamente a manter-se sob vigília na sua janela, todos os dias, naqueles minutos próximos as 19: 00 horas, ansiosa, sempre á espera de Oscar, o atendente do 24 horas.
Naquele dia particularmente., o armazém estava tendo um movimento considerável. Não que isso nunca tivesse ocorrido antes, mas para Oscar, esta era a primeira vez em que ele notava uma fila tão grande de clientes ávidos para serem atendidos do outro lado do balcão. Não muito acostumado a fazer as coisas com rapidez, viu-se de uma hora para outra imprimindo velocidade nas contas que fazia, nos trocos que passava, nos produtos que entregava, nos embrulhos, enfim em todas as atividades próprias de um atendente de armazém. Os rostos a sua frente se sucediam com rapidez e os pedidos soavam ainda mais rápido nos seus ouvidos. Alguém solicitava leite, outro queria cigarros, um garoto perguntava o preço da barra de chocolate e ainda tinha aqueles com o braço esticado aguardando seu providencial atendimento. Para sua sorte, até às 20 horas poderia contar com a ajuda do dono, o Sr. Fagundes, que naquele momento se postava entre as três prateleiras de produtos, servindo os fregueses e ao mesmo tempo cuidando para que nenhum cliente mais espertinho pudesse aproveitar o movimento e levasse coisas sem pagar. Mas, sentia um calafrio só de pensar que poderia enfrentar um movimento assim sozinho, tendo que atender e ao mesmo tempo cuidar para que não houvesse prejuízos vindos de um furto .
"Deus permita que isso nunca aconteça" pensou Oscar com a seriedade de quem faz uma oração enquanto embrulhava um pacote de biscoitos recheados.
Aos poucos, finalmente, o movimento voltou à normalidade. Restava apenas um homem de camiseta branca e jeans surrado que estava parado de frente à última prateleira, calmamente, passando os olhos pelas revistas e jornais. O Sr. Fagundes estava em frente à registradora arrumando o dinheiro, preparando-se para ir embora. Oscar estava encostado com os cotovelos apoiados sobre o balcão e, olhando para o homem agora pôde se lembrar que este estava ali desde o momento em que começara o seu turno de trabalho. Ou .seja, ele havia permanecido, aparentemente na mesma posição, em meio a todo o movimento de minutos atrás, que fôra relativamente longo e ainda parecia não ter decidido o que comprar. A princípio, nos primeiros segundos de sua constatação, nada lhe ocorreu. Porém, na medida em que se dava conta da incomum situação, uma espécie de turbilhão de possibilidades medonhas exaustivamente calcadas em longos anos de devoção a filmes hitchcockianos, quadrinhos de suspense e similares, inundava sua mente de forma tão implacável que lhe causou mesmo dificuldade de respirar. E se o cara fosse um ladrão, um bandido premeditado que aguardava uma oportunidade, o momento exato de agir, talvez sacando de uma arma, quando mais ninguém pudesse testemunhar ou interferir e roubar o dinheiro do armazém. Afinal, todo aquele movimento não deixaria de ser jamais um excelente atrativo para malfeitores.
Subitamente, Oscar sentiu o coração acelerar, empalideceu, experimentou uma agonia no estômago e um pânico imediato. Virou-se para o Sr. Fagundes e aproximando-se procurou falar baixo e disfarçadamente, com uma certeza quase que absoluta do perigo que corria -Sr. Fagundes!, Sr. Fagundes!- O pequeno homenzinho de aspecto roliço e com acentuada calvície virou o rosto fitando-o - Sr. Fagundes, aquele homem já está ali há bastante tempo e não tira o olhos das revistas. Não acha estranho isso? - Ao longo de tantos anos de experiência à frente do armazém, tais preocupações não poderiam de forma alguma serem motivo de espanto para o Sr. Fagundes, afinal já presenciara coisas assustadoras, malandros de todos os tipos e golpes dos mais variados. Franzindo o cenho, com extrema acuidade, virou a cabeça para observar o rapaz folheando as revistas. A princípio, ocorreu-lhe ser mais um folgado aproveitando-se do movimento para ler revistas de graça. Quando pensou em dirigir-se a ele, se deu conta que este se encontrava vindo em direção ao balcão. O rapaz aproximou-se sem olhar no rosto dos dois, jogou uma revista de quadrinhos sobre o balcão e em seguida pediu uma cerveja.
Ainda sem se refazer do susto e intimamente preservando o medo anterior, Oscar pegou a cerveja e serviu o intrigante freguês.
Enquanto Maximiliano Silveira dos Angicos saboreava sua cerveja sob os olhares disfarçados e na mesma intensidade temerosos do atendente Oscar, no prédio em frente Tereza acabava seu banho. Se aprontou vestindo uma saia curta de cor preta e uma camiseta estampada com flores coloridas. Quando adentrou a sala imaginando encontrar Catarina ainda debruçada na janela, experimentou um leve espanto por não mais ver a amiga. Aproximou-se da janela e enquanto olhava para o armazém em frente, procurava imaginar para onde teria ido Catarina.
É razoável que todos nós tenhamos por vezes, manifestações de inusitado otimismo em conseqüência óbvia de nossa natureza racional. Precisar com certeza a origem destas manifestações foge à capacidade da maioria leiga.
Longe de todas estas lucubrações, o raciocínio de Catarina se restringiu eficazmente à perspectiva de a partir de um diálogo simples, conseguir estabelecer um vínculo capaz de rapidamente evoluir para uma relação amorosa com o amado atendente do armazém "24 horas". Motivada por esta possibilidade, ainda que não inédita, desta vez não hesitou em descer as escadas do sobrado para seguir rumo ao Armazém.
Com um sorriso de leve ironia, Tereza observou a amiga cruzando a rua, e quase imperceptivelmente lançou um suspiro, como se para ilustrar um fulgurante "finalmente" que se estampava em sua mente e, ao mesmo tempo para conter um pouco o leve sentimento de inveja que ameaçava dominá-la naquele momento.
No instante em que Catarina adentrou o armazém, a tensa expectativa vivida pelo senhor Fagundes e o atendente Oscar se desanuviara um pouco. O rapaz de camiseta branca acabava de tomar sua cerveja e virava-se sem maior interesse ao notar a aproximação da garota. Dentro de si uma motivação de estranha matiz ameaçava explodir. Não podia ter deixado de notar o nervosismo que sua presença causara e quase simultâneo a essa constatação passou a refletir sobre pessoas que de uma forma inconsciente acabava por provocar as mais diversas e inesperadas sensações noutras pessoas em situações rotineiras e banais.
Catarina aproximou-se procurando dar a impressão de estar interessada em algo nas prateleiras. Enquanto passeava os olhos sobre alguns cosméticos, procurou precisar com mais intensidade a estranha sensação de desconforto que, surpreendentemente, não parecia nascer de si mesma, mas sim, do próprio ambiente. Isto resultava evidente quando se observava as feições de Oscar, que por mais que se esforçasse pelo contrário, mostravam-se intranqüilas. Então, como se sempre estivesse ali, em um canto qualquer de sua cabeça, antes obscura, agora reluzente e cristalina, surgiu efusiva a idéia de que, na verdade, o atendente Oscar, nutria-lhe a mais cândida paixão, em grau maior ou igual a sua, resultado talvez, dele ter notado sua devoção apaixonada, de, todos os dias, pontualmente, observá-lo do alto da janela do 2° andar; e, motivado por aquela sua abrupta aparição no armazém, viu-se inundado pelo nervosismo típico dos candidatos a amantes e pela intranqüilidade intrínseca a estes momentos. Isso, no entender de Catarina, explicava objetivamente a atmosfera nervosa que pairava no semblante do atendente.
De posse de um produto para os cabelos, Catarina se aproximou do balcão. No mesmo instante, Maximiliano, que se encontrava cerca de um metro de distancia, virou-se para ela e como se aquilo fosse de uma naturalidade cotidiana, desferiu um golpe com a mão aberta, diretamente contra o rosto atônito do atendente Oscar.
O que pensar de um ato assim, aparentemente tão fora de propósito? O que pode motivar uma conduta que em sua própria essência estampa a face de uma absurda idiossincrasia. Tais pensamentos, por mais que beirem a erudição, o refinamento em busca de uma explicação, de forma alguma poderiam ocorrer a quaisquer um dos presentes no armazém, salvo o autor do golpe, que , após observar o rosto do atendente ser levado com rispidez para o lado direito e quase simultaneamente esboçar uma mancha rubra em formato de mãos e dedos, continuou com uma postura passiva, impossível de ser relacionada com o fato que acabara de desencadear.
Quando a mão aberta estalou contra seu rosto, Oscar, foi a princípio, tomado por um susto imediato, compreensível, diante das circunstancias. Em seguida, como reação natural, ensaiou retaliar a agressão e se preparava para isso quando, sem que não pudesse explicar, viu-se incapaz de fazê-lo, mantendo-se lívido, não se sabe se de raiva, espanto ou medo.
O senhor Fagundes, da mesma forma surpreendido, embora, como é fácil depreender, não teve como companhia a seu espanto, um desagradável ardor na face esquerda como tivera o seu atendente. Ainda assim, limitou-se a olhar com sobrancelhas arqueadas ao passo que exclamava um sem número de "mas quê que é isso? quê que é isso? "
Catarina por sua vez, experimentou um misto de espanto, indignação e desapontamento. A princípio, foi tomada por uma angústia diretamente relacionada a um sentimento de justiça, inconcebivelmente violado com aquele repentino ato de agressão. Em seguida, viu maculada, de forma quase irreversível, sua até então, indubitável paixão. Com um horror interior, amargou a frustração de enxergar uma imensa fragilidade que invariavelmente lhe comunicava um aspecto pouco viril através dos traços, olhos e boca do atendente Oscar. Como num passe de mágica, em que o ilusionista era o rapaz de camiseta branca, caía por terra todo o encanto cultivado ao longo de incontáveis tardes.
- Mas quê que é isso?- Insistia o senhor Fagundes, agora dirigindo-se diretamente a Maximiliano dos Angicos. - O que pensa que está fazendo?
- Nada... - Respondeu enquanto pegava o troco da revista um Maximiliano cada vez mais indiferente.
- Porquê fez isso? Espera aí, onde já se viu uma coisa dessas! - Continuou o senhor Fagundes com uma exaltação agora beirando o entusiasmo. Maximiliano sem responder começou a se dirigir para a saída quando uma mão lhe agarrou o braço. Virou-se e deparou com o rosto assustado, mas com ares de determinação do atendente Oscar. Sentiu uma vontade imensa de desferir novamente um tapa contra aquele rosto ainda convulsionado por uma mancha avermelhada. No entanto, a previsibilidade desse ato desmotivou-o. Calmamente, fez um movimento que foi suficiente para desvencilhar-se da mão de Oscar enquanto lançava-lhe um olhar de desafio. Diante disso, Oscar quase que balbuciou alguma coisa, mas, novamente viu-se impossibilitado de esboçar qualquer reação. Era como se qualquer coisa que fosse feita naquele momento estivesse fadada a uma triste e resignada ineficácia.
O senhor Fagundes, aparentemente conformado, restringiu-se a encostar numa máquina de refrigerantes atrás do balcão, ao passo que, assumindo para sí uma incapacidade em tratar com o que acontecia, balançava a cabeça negativamente, como último sintoma de sua declarada indignação. Quando Maximiliano desvencilhou-se de Oscar como quem faz um desafio em silêncio, o Sr. Fagundes colocou as duas mãos cruzadas sobre a cabeça como quem não entende nada, deixou cair o queixo levemente e pensou consigo que o mundo, definitivamente, estava repleto de malucos.
Catarina, agora refeita do impacto inicial, com uma simplicidade que espantou a si mesma, flagrou-se apertando com força o produto que segurava, e face a isso, pensou o quão ridículo seria ela naquelas alturas estourar um creme para os cabelos nas mãos.
Maximiliano, cada vez mais saboreando aquele momento, teve consigo que já esgotara as possibilidades de extrair qualquer emoção a mais daquela situação. Sentia que se fosse adiante, corria o risco de incorrer em alguma atitude típica de qualquer conflito. Ele havia desencadeado uma seqüência de eventos em que a raiva, o espanto e a inexplicabilidade eram os norteadores, numa combinação que se exauria quase que simultaneamente ao golpe que desferira no rosto do atendente. Se insistisse naquilo, poderia inadvertidamente dar algum sentido para o que fizera ou diminuir a raiva e o espanto que provocara; e, dessa forma, a situação perderia o requinte, a beleza e a espontaneidade que para ele havia alcançado.
Então, com sua percepção plenamente aguçada para os olhares que recaíam sobre si, partiu calmamente rumo a saída. Por um instante, esteve tentado a provocar novamente o atendente, mas acreditou que se este revidasse a agressão, poderia saciar seu sentimento humano de vingança e isso mudaria aquele estado emocional, tão brilhantemente invocado pelo tapa no rosto.
Ao cruzar a porta rumo as ruas, virou-se uma última vez e foi com plena satisfação que contemplou os rostos ainda inalterados dentro do armazém. Com um sorriso pulsando dentro do peito adentrou a tênue escuridão que fazia fundo às luzes fracas, vindas dos postes de concreto.
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