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Contos-->Por um triz -- 28/02/2005 - 12:18 (Gerusa Leal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Silhueta esguia, gestos sem afetação. Os cabelos, ou o que se podia ver deles de relance, desciam abaixo dos ombros em rabo de cavalo. Um misto de fragilidade e solidez no andar. Corpo todo coberto por um camisão masculino sobre calças compridas, na cabeça um sombrero enorme cujas abas segurava sob o queixo com uma das mãos, escondendo até o rosto. Não havia quem não se voltasse para olhar quando passava caminhando pela praia.
A expressão nas faces variava entre incrédula, curiosa e divertida De quando em quando, escutava-se um comentário:
- Você sabia? Ouvi dizer que tem um problema de pele; não pode sair no sol descoberta nem com protetor solar.
Eu não sabia. Pensava na possibilidade de albinismo.
- Ela só sai à noite. Dizem que é muito bonita.
Achava graça nas fantasias que a moça encoberta gerava no imaginário de todos. Alguém que de repente surgia no meio dos biquinis e sungas dentro do que fazia as vezes de uma burka, chamava a atenção. Um strip tease às avessas.
Costumava caminhar só mas, de raro em raro, uma companhia, sempre masculina e nunca a mesma, lhe conferia certa concretude, quebrando um pouco o efeito de aparição que o aspecto inusual para o contexto e a ausência de uma história consistente causavam nos circunstantes.
- Estranho se cobrir toda assim para andar na praia, não? – comentei um dia com um amigo que vi uma vez cumprimentá-la.
- Ah... aquela moça...
A frase pareceu-me ter sido solta no ar com estudada displicência, de modo a desmascarar minha mal disfarçada curiosidade. Mas apesar do interesse, receando passar a impressão de estar bisbilhotando, não dei prosseguimento ao assunto.
A despeito de todo estranhamento, o jeito era aceitar que existiam enigmas com os quais só nos restava a alternativa de conviver.
No entanto, certo dia, ao invés de passar caminhando ao longo da orla como era de praxe, a moça tomou a direção da rua à beira-mar. Nunca a vira caminhar no calçadão. Não era, absolutamente, da minha conta mas, diante da possibilidade de um fato novo, não pude evitar de diminuir o passo, para não perdê-la de vista. Atravessou a rua e entrou em um prédio de apartamentos.
Descobrir que era numa prosaica moradia que se refugiava arrefeceu o fascínio de imaginá-la vivendo em um local tão excêntrico e misterioso quanto o que sua figura inusitada para o contexto sugeria. Mas, ao retomar o ritmo da caminhada, não dava conta de voltar a entreter-me em meus assuntos. De que jeito, se a sensação era praticamente a de haver flagrado, por acidente, o Batmóvel entrando na Bat-Caverna, o Zorro se esgueirando por uma passagem secreta para seu esconderijo?
A idéia ridícula de, na volta do percurso, parar no prédio onde a vira entrar e procurar saber mais a seu respeito começou a tomar forma em meu espírito. Uma vozinha em tom de cumplicidade adolescente me sussurrava aos ouvidos que aproveitasse o impulso do momento. Já arquitetara um plano. Admitiria para o porteiro que era intrigante a moça se cobrir daquele jeito para caminhar na praia. Ensaiava mentalmente o início da conversa:
- Bom dia, amigo. Costumo ver sempre uma moça que se cobre toda para andar na praia. Hoje a vi entrar aqui. Acredito que saiba a quem me refiro. Imagino o calor que ela deve sentir enfrentando o sol tão vestida. Você sabe por quê?
Assim maquinando, via o prédio se aproximar. Já a poucos metros do local, debatia-me entre a curiosidade sobre a moça e o medo do vexame. Imaginava o porteiro respondendo que não tinha autorização para dar informações sobre os moradores e me olhando com desconfiança. Prestes a fazer papel de idiota, sentia que era agora ou nunca. Se hesitasse, um instante que fosse, perderia a coragem. .
Enquanto subia da areia para o calçadão, tentando inutilmente recobrar a sensatez, vi que o porteiro não estava sozinho. De pé diante da guarita, uma pessoa conversava com ele. Quem sabe outro morador. De repente, a idéia de interpelá-lo já não me pareceu tão boa. No último instante, desisti do intuito e segui meu caminho.
Os dois olharam em minha direção quando passei em frente à portaria, com a dignidade salva por um triz.


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