O ruído do sapato vermelho batendo na porta do guarda-roupa espantou a mosca. O chão cobriu-se com blusa de seda e saia rodada. Ela amoleceu o corpo e aliciada deixou-se embalar pela libido que adentrava sorrateira como cobra atraindo o passarinho. O sexo exposto. No desenrolar do ato, no vaivém do pêndulo, no entremeio dos estertores e suspiros, a mosca voava... Nas tentativas de pouso era sacudida por uma lufada. Os dois, no êxtase do amor crescente, debatiam-se contornando o próprio corpo. A cortina rendada requebrou exibindo a largueza do seu abraço. A mosca, aterrizando na última flor do barrado, mexia-se ansiosa. Ali ninguém poderia perturbá-la. Pensamento inútil. Excitada pelo quadro, a cortina estremeceu toda e como que sorrindo foi entrando e tentou acariciar os corpos nus. E a mosca voou para a beira do lustre. A visão era panorâmica. O que faziam aqueles seres agarrados? Deu um vôo rasante, quase encostando seu corpo minúsculo no emaranhado de braços e pernas. Um frasco de perfume “Heure Intime” parecia duplicar-se no espelho da penteadeira. A mosca, equilibrando-se, sentou na tampa. Um odor agradável e forte a deixou um pouco tonta. Andando pé ante pé, desceu. Agora era o espaço a conquistar. Um anel dourado no caminho a fez dar um pequeno salto. Já dentro da argola, rodopiou. Brilhava tanto que sua imagem refletida a fez parar. Aproxima e afasta o corpo. Para frente, para trás. Começou a achar-se bonita. Abriu as asinhas, empinou-se e gostou. Eram lindas! Rainha cercada de ouro por todos os lados. Depara-se com algo muito brilhante que poderia ser seu trono. Aquele reflexo a faz sentir-se num plano tridimensional. As facetas são pedaços de sua vida, prolongados por um brilho vaidoso e talvez inútil. Mas o momento é dela. A vida é feita de minutos, o resto é voar... voar... Aprumou-se lenta e majestosamente. Subiu com toda pompa, tal qual fazem as rainhas. Sentada em seu trono de brilhante, vê dois corpos rolando de prazer. Irrequieta parece perguntar:
- O que fazem?