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Contos-->Baile de Máscaras Mortas -- 08/03/2005 - 11:17 (José Ricardo da Hora Vidal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Salvador, 19 de janeiro de 2005 (à noite).

Este encontro poderia ter sido numa recepção de casamento ou num velório – mas aconteceu numa mesa de boteco meio vagabunda. E os nossos persona-gens poderiam ser os Três Mosqueteiros (ou os Três Patetas) – mas são somente três amigos de infância: Aquiles, Jonas ou Nero. Jonas era professor de geogra-fia, trazia uma pasta com livros, usava calça jeans e camisa pólo. Nero era um obscuro redator de telejornal e usava bermuda e camisa regata, pois estava no seu dia de folga. Aquiles era advogado e acabara de voltar do tribunal de peque-nas causas.

Era um final de tarde de uma sexta-feira estafante e a mesa de bar fora o porto inseguro para afogar as pequenas decepções diárias. Várias garrafas de cerveja no chão e pratos de petiscos refletiam rostos vermelhos e sorrisos alcoó-licos de nascimentos fugazes. Recordavam agora os tempos de escolas:

— Lembra-se do professor Carrasco da Cicatriz?

— Claro! E os seus bordões? “Enquanto os outros estão perdidos em conta um por um os ângulos, você aplica este macete de colocar menos um em evi-dência e pronto! Podem dizer que mataram a pau a questão e eliminou concor-rente”.

— Sim, e ele continuando dramaticamente: “Mas é claro que eu não preci-sava dizer este macete. Vocês já sabiam disso por você são alunos astutos! Alu-nos… inteligentes. São alunos…”.

—… do professor Wellington! — concluíram em uníssono e às gargalha-das.

Era bom relembrar estes tempos tão estranhamente prazerosos! Claro que se perguntassem aos três na época, eles diriam que esta era a pior fase de suas vidas. Mas agora que tinham carreiras sólidas e inúteis, levavam uma vida adulta tão vazia existencialmente, aqueles anos passados era vistos com falsa nostalgi-a… ou como ponto de partida para ironias.

— Aquiles, lembra-te do que você queria fazer na vida?

Aquiles se recordou amargamente dos seus ideais. Frívolo quando jovem e aluno mediano, seguiu a carreira jurídica por imitação ao padrinho, que era de-sembargador e professor de Direito Romano. Fez um curso regular, mas nada de diferente da maioria de seus colegas arrivistas e pedantes. Mesmo assim fora ar-rebatado pelo ideal da Justiça e gostaria de ser um grande juiz penal a serviço do bem da comunidade. Sonhava com a glória e a notoriedade de condenar um grande criminoso – mesmo que isso custasse a sua própria vida. Passou a ter a juíza Denise Frossard como musa de seus devaneios. Só que acabou prestando exame para OAB. E seus ideais de servir ao bem comum transformaram-se em modorrento trabalho de ora a defender um bêbado arruaceiro, ora a processar o cachorro de um vizinho. Ficava enfurnado no seu escritório. Os rendimentos são razoáveis que permitem uma vida sossegada. Contudo, há dias em ele se pergun-ta: de que vale este sossego? Seria melhor uma vida curta e gloriosa do que este longo ocaso da existência?

— Claro que eu me lembro? Ser vir a Justiça pela bem da comunidade! E é isso que estou fazendo, aceitando as pequenas causas. No mais, gosto de minha vida calma, mesmo longe dos holofotes — E Aquiles bebeu vorazmente seu co-po para afogar a mentira que dissera a pouco.

— E o seu livro, Dom Nero! Quando ele será lançado e ser aclamado como membro da Academia?

À medida que Nero alargava seu sorriso amarelo ele se recolhia constran-gido no fundo da cadeira. Nero gostava de ler e de escrever. Queria ser escritor – por isso optou em cursar Jornalismo. Mas se decepcionou com a faculdade. Longe de formar novos literatos do porte de um Lima Barreto ou de um Olavo Bilac, o curso formava repórteres e apresentadores de TV. Fez um curso regular e longo por odiar fazer reportagem e trabalhar com meios eletrônicos. Nesses anos penosos tivera algum alento quando publicou alguns contos promissores – O que o levou a prometer a escrever seu grande livro – algo que o projetasse no mundo literário. Assim que se formara, ainda pensou em trabalhar em no cader-no cultural de algum jornal impresso. Para sua frustração, ficou pulando de as-sessoria e assessoria de imprensa até ser contratado como redator de um telejor-nal sensacionalista. Felizmente não aparecia de frente das câmeras, mas não lhe agradava redigir noticiários policiais ou fofocas de artistas. Nem suportava as-sistir a programação vulgar e medíocre da empresa onde trabalhava. E o livro ia sendo procrastinado, procrastinado…

— Minha obra prima? Vai bem obrigado. Ontem redigir algumas páginas. Bem, uma obra prima não é feita assim, de uma hora para outra. Sabem quanto tempo levou Goethe para escrever seu monumental Fausto? Por hora, contente-se em ouvir meus textos sendo lidos na televisão… — Nero acendeu seu cigarro. Tragava-o como um dragão, como a sufocar sua melancolia de não poder se de-dicar unicamente à literatura.

— Jonas, cadê a gostosa da Rosinha?

Foi então a vez de Jonas sentir o seu desconforto. Sua ambição era viver um grande amor. Estudioso e tímido, passou a adolescência inteiramente vir-gem, sem um namorico sequer. Durante os anos na Faculdade de Geociências chegou a freqüentar uns bordéis com os colegas e uns teve uns dois casos rápi-dos. Em compensação o curso foi espetacular. Seu sonho de valsa só apareceu fugazmente na pessoa de Rosa Bianca. Durante um ano e oito meses ele viveu seu idílio, que terminou melancolicamente com uma briga. Três meses ela se ca-sara com um ex-namorado (o mesmo que anos antes havia traído Rosa com um amigo). Para o sentimental Jonas isso foi um desastre. Vogou dentre prostíbulos até conhecer a enfermeira Maria do Socorro. Ela se afeiçoara com o boêmio ro-mântico. Ele sentia atração e carinho por ela. Depois de namoro morno e de um noivado sem tempero, casaram-se por inércia. Em lugar de uma paixão avassa-ladora, viviam os dois um casamento sem graça, com filhos a pagar e contas por criar. Como alternativa ao sexo bissemanal e burocrático, Jonas continuava a freqüentar esporadicamente os bordeis. Ele nunca pediu divórcio, pois no final sabia de sua carência afetiva e Maria o socorria perfeitamente quando o vazio resplendia em sua alma.

— Sei lá! Só não cometem sobre ela para minha amada–idolatrada–salve–salve esposa — E ele correu para o banheiro a fim de enxugar u ma lágrima tei-mosa que insistia em descer e o envergonhar em frente aos amigos. Voltou com o rosto molhado e os olhos levemente inchados.

— Amigos, sabem de uma coisa? O único que estava certo era nosso amigo Pierre Truffaut.

Um silêncio de morte desceu sobre a mesa. Há exatos dez anos, o mais bri-lhante, o mais talentoso, o mais inteligente, o mais sincero e o mais sedutor dos amigos, não suportando a dor da doença, preferiu adiantar sua entrada no grande mistério da vida.

Pierre nunca pediram licença para ser feliz e levou sua alegria aos extre-mos, mesmo que isso chocasse seus amigos. Tinha uma cultura invejável e per-mitira fazer seus cursos superiores com distinção. Amou as mulheres como o romantismo dos franceses e o ardor dos italianos. Ousou compor uma ópera bem sucedida e deixara alguns volumes de poesia e ensaios. Era sempre solícito e so-lidário com os amigos e sempre respondia um ato mesquinho com um sorriso e uma palavra de confiança. Escondia suas tristezas e dificuldades para levar con-forto ao amigo. Tinha suas loucuras, seu opiniões extravagantes em relação à vi-da. E assim que recebeu o diagnóstico da doença fatal, resignou ao suicídio. Não queria sofrer nem fazer sofrer a quem amava. Antes, deixou um último pedido aos seus amigos queridos: Pedia que eles tivessem uma vida acima da mediocri-dade e digna de seus talentos e aspirações.

Com o fantasma da promessa não cumprida ao amigo morto, os três procu-ravam encher seus vazios existenciais com fumaça de cigarro, porres alcoólicos e altas taxas de colesterol. Não demoraram muito para os três se despedirem des-te baile de máscaras. Cada qual levava sua máscara morta de volta para sua mediocridade
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