Imagine a cena: você na fila de um caixa de supermercado e uma senhora de uns 80 anos bem à sua frente, assoviando Smells Like Teen Spirit, do Nirvana. Dentro de seu (dela) carrinho: duas caixas de Skol, uma calcinha rendada, comidas congeladas, uma garrafa de vinho e algumas camisinhas. Ela vai passando as mercadorias para cima da esteira, os assobios diminuem de volume até quase sumir, ela pára uns segundos e diz: - xiii, minha filha, esqueci de pegar o principal, você se incomodaria de me aguardar uns instantes? É bem rápido.
Não, claro que não, vá sem pressa, eu digo, mas meio encafifada por ela estar numa fila normal, e não das dos caixas especiais, reservados às gestantes, idosos, etc.
Em três ou quatro minutos chega a velhinha serelepe, me agradece rapidamente para não interromper muito a segunda música, que desta vez estava cantando: Give it Away, do Red Hot Chili Peppers. Traz com ela um KY (vocês sabem o que é, não sabem?) e um penico. Desta vez tive muita vontade de rir e uma curiosidade quase mórbida de saber qual uso afinal ela faria de tudo aquilo.
De repente seu celular toca. Um modelo moderníssimo, cheio de cores. Ela atende e a conversa que vem a seguir é quase tão surreal quanto todas estas cenas já descritas:
- Alô? Ãn? Sim, é a Maria Rita. Ah, oi, querida. Ah é, minha voz tá diferente?
- ...
- Não, tô aqui no Carrefour.
- ...
- Sério que ele morreu? Muita droga, né?
- ...
- Não, já comprei o que preciso.
- ...
- Penico também, claro. Breja me dá uma incontinência maluca!
- ...
- O quê? Ah, não. Comprei o Almadém. Tá mais barato...
- ...
- Ah, sim, comprei uns fettuccines, você acha que vou perder meu tempo cozinhando àquela horda? Deus que me livre!
- ...
- Olha, querida, preciso desligar, chegou a hora de fazer o cheque. Te ligo assim que chegar.
- ...
- Não, tudo bem, fala rapidinho.
- ...
- Ah, sim, as camisinhas tão aqui. Comprei de vários sabores, a gente não vai se apertar desta vez. Ninguém merece aquele gosto de látex na boca, né?
- ...
- Ãn? Como assim? Ah, sei, mas pode ficar tranqüila, hoje não vai doer. Comprei aquele tal gel que a Lurdinha indicou. Olha, agora vou desligar mesmo. Depois te ligo, beijos.
Ela desliga, olha de soslaio à sua volta, talvez pra checar se alguém estava prestando atenção à conversa, e se depara com o caixa quase tapando a boca com as mãos para não rir, e comigo desviando o olhar e fingindo folhear uma Caras, que estava bem junto ao caixa. Imagina...a vida de nenhum famoso ou ex-BBB nunca seria mais interessante do que aquela conversa que acabara de ouvir.
Ela preenche o cheque e termina de ensacar suas aquisições. O penico não cabe de jeito nenhum na sacola, e ela pergunta ao garoto do caixa se eles não têm um saquinho maior. Ao perceber que não, dá uma bufada e solta:
- Meu, sacanagem. Vou sair com este penico à vista de todos? O que vão pensar? Que sou velha! Ah, ninguém merece! Bem, dane-se...vou assim mesmo. Tchau, brigada.
E ela sai. Nunca vou (vamos, para você que ainda está me lendo) saber o que diabos aconteceu naquela noite.
Patrícia Köhler
Obs: esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência ou indícios claros de vidência da autora.
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