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Contos-->Conto de Deandra - Parte II -- 29/04/2005 - 11:30 (O Poeta das Sombras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Deandra acordou ainda zonza, sem entender prontamente o que havia ocorrido. Lembrava-se da queda no abismo e de ser arrebatada por uma criatura que não conseguia definir. Somente lembrava dos olhos. Os grandes olhos azuis que a fitaram brevemente, antes que desfalecesse por completo.

Agora estava acordada, mas era como se não estivesse. Seus olhos contemplavam apenas a escuridão absoluta do que lhe parecia ser uma caverna. Piscou várias vezes, tentando acostumar seus olhos à escuridão. Ouvia aqui e ali o som de gotas que caíam do teto. Sentiu debaixo de si o solo úmido e arenoso. O ar era denso, pesado, como que estagnado há vários séculos. Lhe pareceu como o cheiro da morte.

Aos poucos, conseguia divisar na escuridão alguns contornos, que a Deandra mais pareciam pequenas ilusões. Resolveu que não deveria ficar parada e tentou ficar em pé. Sentiu então uma vertigem que a obrigou a sentar-se novamente. Estava fraca, suas pernas não conseguiam sustentar seu corpo. Só então se deu conta de que estava faminta. Não conseguiu, naquele momento, imaginar por quanto tempo ficara desacordada. Com muito custo, começou a rastejar. Sentia que seus braços, pernas e ventre cortavam-se nas pequeninas rochas pontiagudas.

"Não há para onde fugir" - A voz ecoou na escuridão como trovão. Deandra, assustada, encolheu-se como se quisesse desaparecer. Sozinha e amendrontada, começou a chorar. Pensou em seu pai e na cena que, em sua mente, acabara de viver: o coche tombado, os raios de luz na escuridão da floresta. Sentiu que seus sentidos a abandonavam novamente. Lutou contra a torpez, mas não resistiu e desmaiou novamente.

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Deandra corria livremente no pátio do castelo de seu pai. O reino era modesto, mas majestoso em sua construção. Contava com apenas 12 anos e aprendeu com seu pai a valorizar todo o povo. Andava livremente e a todos conhecia e com todos conversava. Mas seu passatempo predileto era ouvir Raviquel, a velha senhora que todos os dias, perto do pôr-do-sol, sentava-se à sombra de um grande carvalho na praça central para contar suas histórias, cheias de aventuras e repletas de sabedoria. Os mais supersticiosos acreditavam que Raviquel era uma bruxa, mas Deandra via aquela senhora apenas como uma bondosa velha com muita imaginação.

Naquele dia, como em todos os outros, Deandra sentou-se na praça para ouvir as histórias de Raviquel. Seus ouvintes eram, sobretudo, crianças. Poucos adultos paravam para ouví-la.

"Essa é a história de uma linda princesa, cujo destino estava traçado para ser dos mais cruéis que se possa imaginar". - Assim começou a história de Raviquel.

"Há muitos séculos" - prosseguiu Raviquel - "houve uma época onde apenas o mal dominava o mundo. Os homens lutavam para sobreviver em meio aos demônios que habitavam estas terras. Os demônios eram criaturas cruéis e sedentas de sangue. Os homens escondiam-se em cavernas, tentando sobreviver e proteger seus filhos a muito custo. Os demônios adoravam a carne macia e tenra das crianças. Raptavam as crianças dos braços de seus pais e refestelavam-se em banquetes, devorando as crianças ainda vivas". - Os ouvintes quedavam-se atentos, com olhos de espanto ao ouvir a história, e o pulsar temeroso dos corações podia ser sentido.

Raviquel continuou: "Então surgiu, das distantes terras geladas do Norte, um grande homem, sábio feiticeiro e magnífico guerreiro, para ajudar o povo atormentado pelos demônios. Vinha montado em um grande cavalo alado, de pelagem negra como a noite, mas com asas com o brilho do mais puro diamante. Diziam que seu cavalo era imortal, assim como ele próprio. O cavalo chamava-se Thiarat. Era uma criatura magnífica, capaz de vôos distantes e com a velocidade do pensamento. Os mais antigos diziam que tal criatura originou-se do cruzamento de um cavalo roubado do reino infernal de Güt, com uma águia mágica vinda de Mohrdan. O grande herói que o montava, Ardon, tinha quase dois metros e meio de altura, e ostentava uma armadura de ouro puro, forjada por ferreiros mágicos das terras geladas. Era impenetrável. A espada de Ardon, segundo dizem as lendas, era forjada com a luz do próprio Sol, e jamais poderia ser quebrada. Cortava com facilidade carne, osso e rocha."

Raviquel fez uma pausa, gozando da respiração quase suspensa de sua platéia. Acendeu um longo cachimbo, e parecia que a fumaça servia para aumentar o clima de suspense, já que a noite já ia caindo e a penumbra se formava ao redor deles.

"Ardon enfrentou corajosamente todos os demônios que cruzaram seu caminho. Nenhum deles foi capaz sequer de arranhar a armadura de Ardon. A notícia de um grande salvador espalhou-se nas cavernas e encheu o coração dos homens de esperança. Mas não foram apenas os homens que ouviram falar do guerreiro mágico. A notícia ultrapassou os abismos profundos e penetrou nas entranhas de Güt, onde o grande senhor dos demônios, Azirath, ouvia atentamente a um de seus servos, que escapara da espada de Ardon, ainda que mortalmente mutilado. Azirath soube então que seus servos não seriam capazes de deter o guerreiro, pois eram criaturas que, embora malignas, eram vivas, por isso alimentavam-se da carne viva de crianças. Com a presença de Ardon, muitos de seus demônios lentamente sucumbiam, pois não mais conseguiam alimentar-se. E aqueles que arriscavam-se a buscar o necessário alimento, pereciam no fio da espada mágica. Azirath resolveu então que ele mesmo enfrentaria Ardon, já que ultrapassara a condição de imortal. Não tinha vida em seu corpo. Ele próprio era a encarnação do mal".

"Azirath ergueu-se de seu trono e abriu suas asas gigantescas. Suas asas eram como de um grande morcego. Nas pontas, como que garras cortantes surgiam, com brilho de metal polido. Num único impulso, alçou vôo pelas passagens da caverna, riscando a escuridão com um raio de luz. Em poucos minutos, chegou ao local onde repousava Ardon e Thiarat, sob um grande carvalho. Nesse momento, do alto do céu surgiu um raio de luz riscando a noite, parando apenas ao tocar o solo diante de Ardon. Ardon sequer moveu-se, apenas encarou os olhos profundamente azuis que o encaravam. Por um segundo, imaginou que aqueles olhos não combinavam com aquele corpo. Os olhos de Azirath eram deslumbrantes, cativantes, maravilhosos, mas dotados da frieza das geleiras. Não havia emoção alguma naquele olhar. Azirath, com uma voz parecendo a de um trovão, disse para Ardon: Hoje, morrerás . Ardon então ergueu-se e refutou: Hoje, morreremos. Sei que não te posso matar, mas deixarás de existir, assim como eu ".

A noite já havia dominado a praça e algumas tochas e archotes iam acendendo-se para iluminar a noite. Deandra, no meio da platéia, quase nem piscava. Essa era a história mais emocionante que Raviquel já havia contado. Raviquel prosseguiu com a história:

"Naquele instante, foi como se a maior das tempestades tivesse encontrado o maior dos terremotos. Terra e Céu tremiam diante da fúria dos combatentes. Os que puderam assistir, em meio à noite, à grande batalha, viam apenas grandes riscos luminosos cortarem a noite, como se fossem breves relâmpagos. E assim foi a noite toda. Pela manhã, alguns curiosos saíram da caverna em que se encontravam para descobrir como terminara a batalha. Estranhamente, o sol parecia mais radiante naquele dia. Sob o grande carvalho, apenas vestígis do que foi uma grande batalha. Logo adiante, jazia o corpo mutilado de Ardon. Quase sem vida, repousava em suas mãos o cabo de sua espada, cuja lâmina atravessava o corpo inerte de um gigantesco monstro, Azirath. Este parecia feito de pedra. O corpo estava rígido, como se tivesse sido esculpido em mármore. Apenas os olhos azuis ainda cintilavam. A espada mágica de Ardon havia petrificado o grande Azirath. Em seu último fôlego, Ardon disse: Esta lâmina jamais deverá ser retirada de onde está. Apenas a espada forjada dos raios do Sol pode deter essa criatura. Ele não poderá ser morto, pois nele não há vida. Guardem este segredo na mais secreta das tumbas, longe das vistas de todos. Se, um dia, esta espada for removida, um grande mal sobrevirá aos homens, pois não haverá nada que poderá deter este monstro, uma vez que a espada a ele mesmo agora pertence . E assim, sucumbiu Ardon, o grande guerreiro e salvador dos homens. Os poucos homens que ali estava juraram então segredo eterno, e esconderam em uma profunda tumba nas cavernas o corpo de Azirath, com a espada atravessada em seu peito, e também o corpo de Ardon e sua armadura forjada em ouro. Selaram a tumba com uma grande pedra e decidiram que o segredo de sua localização jamais seria revelado".

Deandra olhava fixamente os olhos de Raviquel e lhe pareceu, naquele instante, que ela contava não apenas uma lenda, mas sim uma história verdadeira.

"E essa é a história da grande libertação. Há muitos séculos, o grande senhor dos demônios repousa em uma tumba, petrificado pela espada forjada com os raios do Sol. Azirath tem alimentado durante muitos séculos um furor imensurável, um ódio mortal pelos seres humanos. Se for libertado, irá reconstruir seu reinado de medo e destruição. E, para que isso aconteça, irá buscar entre os homens aquela que será sua esposa. Uma virgem donzela, e ele a alimentará de carne e sangue, para torná-la tão má quanto ele próprio. E, juntos, mesmo contra a vontade da donzela, darão origem a uma raça de demônios que nenhum homem será capaz de enfrentar".

Assim, concluindo a história, Raviquel levantou-se para ir embora. Já em pé, lançou um último olhar para Deandra, que sentiu gelar até seus ossos. O olhar de Raviquel lhe pareceu um olhar de extrema piedade.

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Aos poucos, Deandra recobrava novamente os sentidos. Naquele momento, ela parecia entender o seu destino.
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