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Contos-->A CAMA -- 30/04/2005 - 18:46 (Jane Soares de Almeida) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A cama

Todas as manhãs o menino despertava e dizia à mãe, minha cama se moveu de novo esta noite. A mãe estava sempre ocupada, havia outros quatro filhos para cuidar, alimentar, educar, ensinar boas maneiras de enfrentar a vida, para isso são feitas as mães, num sistema atávico de doar-se que nunca termina. Homens, maridos pais, nunca ficam muito tempo, fazem um filho, menino ou menina e se vão, nem sempre esperam para conhecer o fruto de seu prazer, pois é isso, apenas um momento de prazer. Raros são os pais que ficam para cuidar, alimentar, educar, ensinar os fatos da vida e os fatos da vida nem sempre são coisas que se ensina com prazer, os fatos da vida são duros, como dura e difícil é a vida, a vida dos homens e mulheres que nascem e vivem para morrer, mas isso é fato banal, pensa a mãe, que não se preocupa com a metafísica nem com a filosofia, pois gestar, parir, amamentar, cuidar, alimentar, educar, ensinar são coisas que fazem mulheres e mulheres fazem coisas demais, coisas difíceis de fazer e não há tempo, nunca, nunca há tempo para pensar nas razões que as levam a isso. Se a cama do menino se move durante a noite deve haver razões para isso, sono profundo, sonhos demais, meninos sonham demais, se movem demais, pateiam as paredes sem pintura das casas pobres sem papel ou tinta nas paredes, esmurram venezianas quebradas e se retorcem em sonhos nem sempre possíveis. Suas noites são inconsúteis como as mortalhas, seus desejos não existem, afinal quem são meninos sem pais? Pobres e tristes bastardos fugidios, refugos de solitárias camas que não alcançaram a plenitude? Mas, voltando ao menino, ele dizia, minha cama saiu do lugar, foi até a parede e voltou, vá ver, vá.... A mãe, com olhar cansado, como são os olhares de todas a mães, abandona os pratos sujos na pia, ou as sujas roupas no tanque e vai ver o quarto do menino onde a cama se move. Esse menino é o mais velho e tem uma cama só para isso, mal chegou à puberdade e já se diferencia no porte e na beleza, é um lindo menino moreno de olhos escuros como a noite e tem um semblante que a leva a pensar no homem distante de uma só noite que deixou esse precioso legado do momento fugaz do prazer noturno. Nunca mais voltou, nem sabe que deixou um menino, cuja cama se move durante as noites....
A cama encostada na parede é simples, guarda a marca de um corpo jovem que se revolve entre os lençóis e geme os gemidos crus da força vital da juventude. Realmente, está alguns centímetros afastada do seu lugar, ela voltou ali sozinha, diz o menino e seu rosto de rara beleza reflete o desapontamento por se saber não crido.
E assim se passaram as noites, muitas noites, noites de insônia para o menino, noites de sono pesado para a mãe, para quem muito pesam tantos meninos, frutos de vários pais passageiros que mal tiveram tempo de acalentar alguns de seus raros sonhos. Passaram-se as noites em luar prateado e escuras como a solidão. Foram muitas as noites até que uma manhã o menino não despertou para o costumeiro pão com café, ela, a mãe, o esperou um pouco mais, tinha tanto o que fazer. Entrou no quarto, avançada a hora, entre o tanque, o fogão e a pia as horas passaram como passos rápidos em ruas sombrias. Na cama, que se pregava no teto como uma cruz invertida, enrolado nos lençóis dormidos e suados de muitas noites, o menino estava morto. Os braços em cruz, os olhos abertos, o corpo esguio e moreno se mantinha suspenso como um Cristo muito jovem. A mãe olhou longamente, por muito, muito tempo, e só então chorou.
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