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cronicas-->Passeata heróica -- 19/12/2003 - 11:40 (JOSEPH ESKENAZI PERNIDJI) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Em plena Segunda Guerra Mundial, enquanto o "Meio-Dia" de Madeira de Freitas comemorava, em manchetes garrafais, o avanço das tropas alemãs, na Faculdade de Direito preparávamos a resistência.

Estudantes democratas, esquerdas aglutinadas, organizamos o que então chamávamos de "bureau antinazista". Tínhamos um programa de uma hora por dia na velha Rádio Guanabara. Vivíamos denunciando a "quinta-coluna" e saíamos no pau com os integralistas encapuzados, saudosos de suas marchas triunfais, com as camisas verdes a brilhar, e as mãos estendidas na saudação fascista.

Estado Novo, estado autoritário, indisfarçável simpatia do governo Getúlio pela Alemanha e Itália.

O embaixador alemão, persona gratíssima, se pavoneava, arrogante, com as vitórias nazistas.

As coisas iam mal, uma terrível depressão nos abatia. Sentíamos que estávamos às vésperas de um nazismo à brasileira. A quinta-coluna se infiltrava. Getúlio, em cima do muro, generais e almirantes francamente pró-Eixo.

Pontificava o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Censura super rígida. Sob sua ótica, éramos todos comunistas comedores de criancinhas.

Aqui e ali, tentávamos pequenos comícios de esquina, sempre a correr dos homens de boné vermelho, a temível Polícia Especial. Pra nós eram os SS dos chefetes nazistas locais. Homens fortes, lutadores de jiu-jítsu, grupos treinados, quebravam os ossos dos "comunistas"...

Sem força, tendo como única arma nossos ideais de liberdade e o nosso horror ao nazifascimo, procurávamos apoio de onde viesse e criávamos nossos próprios heróis.

Do lado de lá, Getúlio, bamboleante, Filinto, Góes Monteiro. Do lado de cá, o chanceler Oswaldo Aranha, o velho gauchão General Flores, Otávio e João Mangabeira...

Do Dr. Oswaldo, sabíamos de sua influência constante junto a Getúlio, contendo-lhe os arroubos pró-Eixo, trabalhando pelos Aliados, enquanto o Filinto e o Góes puxavam a corda na direção da dupla Hitler-Mussolini.

Sentíamo-nos ansiosos, impotentes. Queríamos lutar, fazer algo. Foi então que nos ocorreu realizar uma grande passeata anti-Eixo, de repúdio ao nazifascimo. Idéias fervilhantes passavam por nossas jovens cabeças. "Como seria?" "Onde seria?" Teria que ser no Centro, no coração da cidade: na própria avenida Rio Branco.

Levamos a idéia aos nossos amigos. Formamos comitês e comissões. Era preciso que o inimigo fosse tomado de surpresa. O que era uma renomada besteira. Sem licença da polícia, nada de passeatas.

Filinto Muller não teve dúvida. Proibiu! E conforme contava a comissão que o enfrentara, ainda ameaçou: "Se tentarem, dissolvo à bala."

Essa notícia, trazida à Assembléia, acirrou os ànimos. Planos de guerra, enfrentamento, táticas a seguir, tudo, tudo foi minuciosamente estudado, analisado, madrugada após madrugada.

Até que alguém sugeriu: "Por que não vamos ao Dr. Oswaldo? Ele saberá nos aconselhar..."

Nunca se soube exatamente o que houve. O fato é que Getúlio despachou o Filinto para inaugurar uma exposição de gado de raça, em Mato Grosso.

Assumiu interinamente a chefia da Polícia o Baptista Teixeira, que, enquanto o Filinto premiava os touros, não teve dúvidas em autorizar a passeata! Que fosse realizada em quarenta e oito horas. Sem grande divulgação, sem muita propaganda.

Ao que tudo indica, Getúlio, sempre vacilante, foi convencido de que era conveniente fazer uma pequena abertura em prol dos Aliados.

Nosso compromisso: cordões de isolamento, segurança por nossa conta. A polícia vigiaria, de fora...

A passeata seria às quatorze horas. Sairíamos da praça Mauá, até o Obelisco.

Lá fomos, entre entusiasmados e temerosos, a olhar se os odiados quepes vermelhos nos seguiam. Não, mandaram que se recolhessem.

Brandíamos nossas faixas, nossos slogans: "Abaixo o Eixo!", "Morte ao nazifascimo!", "Viva a democracia!", "Forca para Hitler e Mussolini!". Os nossos "vivas" eram para Churchill e Roosevelt, a quem naquela época, romanticamente, chamávamos de Pai da Democracia.

E lá fomos desfilando, aos vivas e morras. Alguns populares aplaudiam, outros mostravam-se curiosos, mas evidentemente desinteressados.

Tínhamos, entretanto, o nosso herói especial, cujo nome, para não comprometê-lo, não podíamos gravar nas faixas. Era o então ministro interino da Justiça, o Dr. Vasco Leitão da Cunha. Sabíamos que era dos nossos. Em determinada ocasião, ao enfrentar uma explosão de violência de Filinto Muller, deu-lhe ordem de prisão.

O povão nem sabia de sua existência, pois a censura do DIP era firme e forte. Tínhamos o seu nome no coração, o grito preso na garganta.

Ao pararmos na altura das ruas do Rosário e do Ouvidor, onde ficava o famoso Café Simpatia, começaram os sussurros no meio da estudantada... Primeiro devagar, devagar, timidamente, mas à medida que nada de mais acontecia, emergia a coragem, e a onda de som se tornava cada vez mais forte, aé que os gritos ecoaram como um verdadeiro trovão.

"Vasco! Vasco! Vasco!" Estribilho repetido, compassadamente, ritmicamente. "Vasco! Vasco! Vasco!" Era o nosso grande grito de desafio. Era nossa vitória!

E, exaltados, a plenos pulmões: "Vasco! Vasco! Vasco!"

Foi quando das calçadas, de repente, sem aviso e em meio a sonoras vaias, soou um grito de guerra: "Flamengo! Flamengo! Flamengo!". "Viva o Flamengo!"

Entre atónito e apavorado, lembro-me apenas de um homem baixinho, aos pulos, na ponta dos pés, a correr: "Não é possível! Não é possível! No Brasil, até a guerra acaba em futebol e esculhambação!"




Esta crónica está publicada no livro "Girassóis de Van Gogh".
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