Da cruz à redenção
Adentro o recinto, e, mesmo ressentido, quero ocupar este lugar, me ocupar com seus desafios... Culpado tanto quanto você, piso nesse velho tabuleiro de xadrez, agora, mais xadrez do que nunca: sem cavalo, mas com cela (que não se cancela), com torre e calabouço (mas os bolsos é que ditam tudo...), com bispos que não se movimentam e peões confusos e distantes um do outro. Nesse jogo, fica a impressão de que estamos em um caro e constante cheque-mate ($), enquanto o rei continua soberano no centro das atenções, com o mundo girando ao seu redor...
Tiro os olhos da cruz, e tento me concentrar no que está pregado a minha frente. No fim da subida (como sempre, subindo...), eu mesmo me vejo pregado. Acorrentado (as correntes sempre me incomodam), arrastando uma esfera de chumbo de 749,98kg (é real, com certeza), e meu macacão listrado, que parece uniformizar minha multiplicidade de formas, fica umedecido pelo suor que insiste em golfar do meu corpo, sem permissão formal, sem carta de recomendações, porém, com boa conduta. Metamorfosea como que deformando a conformidade e transformando-a em inconformação formalizada, grudando na minha pele. Questões na minha mente pedem a verdade: Será que irei me formar? Como? Informado, reformado, reformulado, inconformado? Apenas mais um preenchimento de formulário? Aqui, de qualquer forma, endividado...
Divido a atenção em quatro cantos, e a melodia não me agrada. Degrada-me sentir-me como mais um bode expiatório escatologicamente focado pelas lentes do voyerismo repressivo, compulsivo e depreciativo. Drasticamente "astigmatizado", expresso, impresso, preçado ($), apressado e sem apreço, sob olhos computadorizadamente míopes e remelentos, vejo que o tersol em seus olhares mecànicos ofusca todas as visões de mundo, e, num flash, claramente iluminado, foco meu holofote em palavras brilhantes e cintilantes que ganham eco depois de emitidas como relàmpagos:
- Hipermetropio este tipo de cruzada oftalmológica!!!
Depois do clarão, minhas palavras parecem se transformar em estrelas, para sempre acesas, e parece-me inimaginável avistar cataratas eletrónicas aqui, agora virtualmente e esclarecidamente desvirtuosas, nessa universal-cidade...
De volta ao meu andar, dirijo-me a outro espaço da Academia (será que Platão veria as lentes com bons olhos? George Orwell certamente não...). Não disperso, e, passo a passo, o espaço já não está mais sobre o tempo, e consigo passe-livre entre o passado, o presente e o futuro. Transpasso a fronteira entre o estudo e o tudo, e até o nada pode ser refletido. Então rio, mergulho em pensamentos de fontes diversas e deságuo minhas idéias com goles de humor em oceanos filosóficos, em mares científicos e em lagos poéticos, molhando-me e a todos em gozos de saber, debatendo grupalmente em orgias reflexivas. Desafogo minhas mágoas em lágrimas de teor teórico, e ponho em prática minha redenção com graça, num lugar onde não há graça nenhuma em quase tudo... Num lugar quase sem graça, onde, desgraçadamente, nada é de graça.
Thonni Brandão
2003
* Texto que refere-se à implementação de càmeras de vigilància, em Janeiro de 2003, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP).
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