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Contos-->A Ilha de Emílio -- 28/05/2005 - 14:07 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Deus é o Mercado e o Mercado é o Sistema. Foi essa iluminação em forma de slogan que mudou a vida de Emílio. Sua existência passou a ser, então, uma busca sem pausas por um exílio que o protegesse da ira divino-mercadológica. “Se não se pode mais confrontar o sistema, deve existir um jeito de viver fora dele!”, pensava. De tudo tentou Emílio para se ver livre do papel de escravo do Deus-Sistema-Mercado. Plantou uma horta, parou de assistir televisão, abandonou o emprego e deixou de passear com o cachorro nas tardes de sol e nas manhãs de chuva. Não atendia mais aos chamados do telefone ou aos gritos da campainha. Entanto, por mais que abrisse mão de confortos e mordomias, sentia a todo momento a força da mão invisível do marketing. O simples fato de respirar os gases tóxicos jogados ao ar por corporações multinacionais tornava seus pulmões cúmplices de crimes contra todos os códigos e protocolos.
Revoltado com a situação e infeliz com o surto de consciência, Emílio raspou os cabelos e andou em direção ao mar. Na praia, livrou-se das roupas, atirou-se contra as águas e começou a nadar. Rumo ao nada, livre de marcas e etiquetas. Primeiro nadou como homem: cheio de medos e dúvidas; depois, nadou como golfinho: repleto de amor e intuições; quase no fim da longa jornada, nadou como água viva: inundado de mar e transparências. Chegou à única ilha deserta que ainda existia no mundo, escondida por uma neblina estranha. Fez-se homem novamente e, exausto, dormiu nu nas areias da praia.
Dias depois, acordou e viu que tudo em sua volta era belo e natural. Sem chaminés, sem barulho, sem out doors. Um paraíso nunca sonhado. Mas não era a natureza que deixava Emílio feliz. A façanha de sua incrível fuga era a grande motivação do herói incomum. Explorou a selva por dias, comeu frutas frescas e bebeu água pura de cinco cachoeiras. Quando sentiu frio; aprendeu a fazer fogo e assou carnes de aves e roedores. Arrependeu-se depois e jurou nunca mais criar uma faísca. O fogo era, para ele, o símbolo do começo da maldição do Deus-Sistema-Mercado; a praga que levara seu antigo mundo à escravidão eterna. Ficou satisfeito com a força de sua vontade e suportou como pedra as noites de inverno úmido. Teve, é vero, dias de provação. Ao caminhar na praia, certa manhã, viu algo estranho a boiar no mar. Esperou que a maré conduzisse a mancha laranja até as areias. Era um pacote hermeticamente fechado que protegia centenas de caixas de fósforos. Talvez sobras dalgum naufrágio. Talvez teste do Deus-Sistema- Mercado. Com fúria, Emílio destruiu a encomenda e brigou com o tal deus, mais uma vez.
A vida do rebelde seguia assim. Seu sucesso no plano de fuga era incontestável. Não havia mais nenhum sinal da presença do Mercado em volta dele. Tudo estava em paz. Tudo tranqüilo, até o dia do passeio ao norte, refúgio de pássaros coloridos e de pássaros pretos. Distraído, fitando asas e vôos, ao pisar na terra molhada pela chuva, Emílio ouviu um barulho oco, como de chapas de metal. Cavou um pouco e descobriu uma porta de aço enterrada no chão. Bateu forte com os punhos e recebeu de volta um eco. “Não pode ser!”, pensou o homem já barbado e de cabelos espetando. Era. Um túnel acessado pela porta. A solidão de eremita parecia ameaçada. Simples como era, a idéia de que alguém já havia desvirginado aquele santuário provocava complexos calafrios em Emílio. O terror foi mais agudo quando ele percorreu uns cinqüenta metros de túnel e desceu uns vinte e poucos até uma sala repleta de gambiarras elétricas e hidráulicas, como o laboratório de Mary Shelley. Monitores, teclas, displays, luzes, muitos fios e um grande tubo de vidro transbordando um líquido preto borbulhante. Tudo iluminado por canos de gás neon com a mesma cor fluorescente da estranha neblina que circundava a ilha. Emílio caminhou entre cabos e chaves e postou-se diante do grande tubo. Risadas histéricas ecoaram buraco afora, espantando araras e sabiás. Aquela gosma preta fervilhante parecia familiar. Limpou com baba o tabuleiro que etiquetava o equipamento. Estranha fórmula revelava-se a cada nova cuspida. Uma espécie de remédio? Um antigo ungüento? A última linha não só respondia àquelas perguntas como colocava nas mãos do homem ilhado um dos segredos mais bem guardados do mundo capitalista. Ao final da receita, em letras grandes: “Beba Coca-Cola!”


Jefferson Cassiano, Publicitário e Professor de Redação, pergunta: se a Coca-Cola é isso aí, por que o Kuat matou o Taí?
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