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Contos-->A vila da(s) fonte(s) milagrosa(s) -- 28/05/2005 - 14:10 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


A fonte cuspia água para o céu na tentativa de tocar uma asa de anjo. Naquela época, era comum que seres angelicais plumassem pelas bandas de Mata do Xapiá. Perto da igrejinha, milagres eram rotina. Mais crentes faziam-se os negros; os brancos, por medo ou cautela, não acreditavam, mas estavam longe de desdenhar esses assuntos místicos que o Padre Januário não explicava. Curas, visões, profecias. Depois que uma escrava fora convertida pelo povo em santa milagrosa, melhor era aceitar a sabedoria do seo Paulino da Botica:
- Só Deus para esclarecer esses mistérios!
- Então nem carece, que quando vóis mecê cruzar com o divino, já num vai precisar de resposta nenhuma. – retrucava Zezinho Pantomima, o sacristão improvisado de guia turístico e repentista xapiaense.
Antes de dar espaço às toadas do Zezinho, é necessário oferecer contexto ao leitor interessado em detalhes históricos. Ainda que estes dados não afetem as rimas que virão, cumprir um certo protocolo mantém o tal bom-gosto e não fere em nada o bom senso da narrativa. Assim: sabe-se pouco sobre a negrinha; pouco mais que o nome Iorubá da sua tribo de origem, aquela que lhe emprestou a alcunha pela qual ficou conhecida: Axanti. Era fraca de corpo e de cabeça; considerada um troco, um brinde oferecido pelo traficante que vendeu o lote de mais de trinta africanos para o Coronel Felinto. Nem por isso teve vida tranqüila na lavoura de algodão. Açoitada desde os oito anos pelos capatazes, bastou roubar um frango da casa-grande para encontrar a morte aos pés do antigo cruzeiro que deu lugar à fonte. Não nos adiantemos, que antes da fonte, tenho certeza que muitos querem a sordidez do acontecido. Aos espíritos curiosos e impuros, segue o boletim: o Coronel berrava que a menina nunca mais iria roubar uma penugem sequer depois da lição ao pé da cruz; de fato, as palavras de Felinto fizeram-se reais, pois, primeiro violentada e, após, chicoteada, Axanti vomitou a própria alma e morreu ali mesmo. Zezinho canta que, se apurarmos o “escutador”, ainda é possível ouvir as gargalhadas do fazendeiro ecoando no pátio. Mas isso é com o Pantomima, que aproveitou nossa digressão para ficar já postado na mureta da fonte, prontinho para terminar a história e apresentar seu número, o mesmo repetido em troca de uma pratinha a cada boiadeiro que cruza Mata do Xapiá:
- À vossa mercê que pela Mata passa
Conto a história triste de uma desgraça.
Aqui colocada esta fonte sagrada
Outrora era cruz de sangue manchada
Felinto, coronel cruel e poderoso,
Longe do bem do Misericordioso,
Matou na chibata Axanti, a negrinha
Que - pureza!- doze curtos anos tinha.
Inda comemorava o macabro feito,
A triste notícia arrebata-lhe o peito:
O neto mais moço do mau fazendeiro
Tísico, caminhava ao fim derradeiro.
Ocorre, porém, um milagre de santa,
Ação da Axanti que a todos espanta!
O guri magrelo d´inhô Coronel
Tocava o sangue e olhava pro céu.
Sentindo as gotas do sangue no chão,
Que elas curavam e davam unção,
Mandou construir Felinto uma igreja
E uma fonte onde água viceja.
O que hoje cura do povo o sofrer
Tem outra função e já vou eu dizer:
Jorrando pro céu água santa e benta,
Lava os pecados que aos maus atormenta.

Bilac não teria explicado melhor. Talvez não usasse tantas rimas pobres como o nosso anfitrião xapiaense, mas quem há de reparar nisso em assunto tão devoto. O povo tem fé e, mesmo com os muitos anos que nos separam da trágica história, continua preferindo o todo da liturgia às afetações do rito. Agora, conhecendo em detalhes a história de Axanti, a negra milagrosa que curou o neto do fazendeiro, pode você pensar que Felinto ficou muito arrependido do malfeito. Até houve um mea culpa público e uma certa comoção na inauguração da igreja, além de um incentivo velado – comissão de apenas trinta por cento do bruto - a um rentável comércio de medalhinhas. No entanto, bastou o neto ganhar corpo e saúde para o Coronel matar barbaramente outro negrinho, um que descuidou duma novilha fujona; não se sabe se assassinou por ira ou por vontade de ampliar os negócios votivos. A verdade é que, meses depois da morte de Axanti, outra fonte foi construída junto à porteira velha da Fazenda do Rosário, local do infanticídio; dizem que é ainda mais milagrosa que aquela que cuspia água para os anjos no início da história. Graças aos santos, Felinto já foi ter com o Altíssimo, caso contrário – salve, Rainha! –, Mata do Xapiá seria a vila das doze - ou vinte! - fontes milagrosas.

Jefferson Cassiano, Publicitário e professor de redação, desconfia que Felinto ainda vive em muitos brasileiros.

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