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Contos-->Amor-carvalho e amor-hortaliça -- 15/06/2005 - 22:45 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não era religioso tampouco mais sábio que nós. Tinha apenas o hábito de ler ao pé de um carvalho, algumas tardes por semana. “O Amor tudo desculpa, tudo crê, tudo suporta”. Refletia agora sobre as palavras de São Paulo, como havia debruçado sobre Rui Barbosa noutro dia, ou Platão semanas atrás. O Apóstolo, no entanto, mexera com algo dentro do homem. “O Amor não tem inveja, não é orgulhoso, não é arrogante e não busca seus próprios interesses”. Existia mesmo o Amor? De que Amor falava a Bíblia? Mais ainda: seria o Amor suficiente para manter um relacionamento? Tantas histórias de desamor em sua vida, parecia não haver, para o homem, filosofia que justificasse a presença do amor entre dois seres e, menos, entre membros de um grupo; ou preceito que mostrasse a capacidade de resistência desse sentimento insondável, em si um mistério. Leitura sem pretensão transformava-se em sério questionamento.
Comprometido com o tema, olhou o homem para o topo do carvalho. Árvore grande, forte, resistente; era dona do bosque há mais de século, tocando as nuvens baixas com seus galhos altos e tortos. Torta era toda a arquitetura do arvoredo, braços que ora se trançavam, ora desviavam uns dos outros; sempre cobertos por um limo esverdeado, vestidos em vários tons de folhas do tamanho da mão do homem. O que sustentava o carvalho? Mesmo sem grandes conhecimentos sobre botânica ou outra ciência, pôde ele concluir que era a água da chuva que sustentava a imensidão da árvore. Havia períodos de muitas águas naquela região e outras épocas mais áridas. De alguma forma, as raízes de um ser tão magnífico haviam aprendido a aproveitar bem cada gota d’água; sabiam, também, negociar com a terra úmida o abastecimento em épocas de seca.
Ainda intrigado, lembrou-se o homem da horta em se quintal. Viu-se, em manhãs de sábado, adubando os pés-de-couve. Havia muitas pragas que ameaçavam as coitadas, e os pesticidas também se faziam indispensáveis para uma boa colheita. Em meio ao bosque distante, como faria o carvalho sem um enfermeiro a cuidar da qualidade da terra? Como, sem esses mimos, vivia a árvore feito um Hércules? Nem terminava o questionamento e viu o homem uma nuvem de chuva formando-se bem perto. Relâmpagos indicavam um grande temporal. Não sentiu medo. Estava protegido ao pé de seu companheiro de leituras. Mesmo que um raio os atingisse, seria o tormento absorvido pela imensidão daquela copa. “Deve esse meu amigo ficar mais forte a cada tempestade”. Vislumbrou a tarefa que as pernas de raiz teriam: aprofundar-se mais e mais a cada vento forte; criar âncoras seguras na terra vermelha; gerar condições para que o tronco ganhasse robustez. Entendeu o homem que as tempestades eram necessárias para a permanência dos carvalhos no mundo. Eram apenas intempéries que desapareciam, deixando todo o conjunto mais forte: raízes, tronco, galhos, folhas e nozes. O mau tempo passava. O carvalho continuava. Certo era que a vilania dos tufões e dos granizos derrubava ramos ao solo em redor. Ironia, pois em contato com a terra molhada, cada pedaço de si que morria, apodrecendo, virava alimento para a árvore. Cada folha arrancada com dor redimia-se oferecendo energia para uma vida triunfante.
“Impressionante esse carvalho!”, murmurou o homem, tocando a casca-couraça- craquelê que revestia a árvore. As couves, tranqüilas na horta, retribuíam o trabalho do agricultor matando-lhe a fome. O carvalho pagava o açoite da natureza com o exemplo da própria existência. Uma vida pragmática, a da couve; e a outra, a do carvalho, não sabia o homem como classificar. Achou que talvez existissem dois tipos de amor: o amor-hortaliça e o Amor-arvoredo. O primeiro, era amor apenas para momentos felizes, rodeado de possibilidades, objetivando a mesa farta, as festas alegres. Esse amor consideraria o chamado das necessidades materiais como o mais importante, tendo sempre a preocupação de manter a horta bonita, mesmo que com o artifício de fórmulas e pesticidas. O outro amor, estaria rodeado de raios, trovões, pedras de gelo do tamanho da mão fechada do homem. Mesmo assim, seguiria os conselhos do Evangelista e resistiria, não esperando uma recompensa do jardineiro que inexistia, mas ciente de que a sua permanência mudaria um pouco o mundo. Ainda que essa existência servisse apenas para abrigar um pobre leitor de meia-idade em fins de tarde de outono. Se a Providência, por erro ou pilhéria, fizesse nascer um carvalho na horta e um pé-de-couve na mata, teríamos um desequilíbrio curioso. A árvore, se sobrevivesse ao jeito pouco orgânico de uma hortaliça, ainda não seria a sombra de seus iguais no bosque. Viveria em frustração, impedida de cumprir seu potencial, mergulhada em esquizofrenia e mediocridade. Já a couve, sucumbiria ao primeiro temporal. Seria somente fertilizante estranho para baobás resistentes.
Sentindo a primeira gota de chuva, conseguiu o homem responder a cada pergunta feita no primeiro parágrafo: sim, existia o amor. Era ele de dois tipos: Amor-arvoredo e amor-hortaliça. São Paulo falou aos Coríntios sobre o Amor-arvoredo, esse que nada teme. E, por último, entendia que o amor era como a água que mantém vivos tanto o carvalho quanto a couve; a rega da couve, porém, é artificial e espera um retorno em forma de alimento, enquanto as gotas que sustentam as árvores na mata são dádivas da natureza. O amor precisa, sim, do adubo para se manter, tanto em horta quanto em bosques. O amor-couve recebe fertilizante como a hortaliça, e precisa retribuir materialmente para poder viver em paz comprada. Já o Amor-carvalho aproveita o mau tempo para se tornar forte e produzir seu próprio húmus com as folhas que caem após uma ventania. Conclusões que pareciam ter a aprovação líquida e certa de toda a natureza: cada nuvem derramava sobre as árvores grandes gotas de contentamento.
A chuva já era tempestade quando o homem se aninhou numa fenda do tronco do carvalho, aquecido com a certeza-baobá: alguns amores eram tão concretos que suportavam tempestade maior que aquela. Amores-carvalhos. Não suficientes, mas auto-suficientes.

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Jefferson Cassiano é Publicitário e professor de redação.
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