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Contos-->Mar de Homem -- 15/06/2005 - 22:51 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Sensação nova aquela. O homem já vivia na casa havia muitos anos. Talvez tivesse nascido no mesmo quarto onde dormira todas as noites de sua vida. Com paredes sempre iguais a cercá-lo, homem acordou numa dessas noites achando que sua casa era pequena demais. Não sentia que os cômodos construídos com cuidado por antigos projetistas tivessem encolhido de chofre. A partir daquela manhã, sabia que a casa tornara-se pequena desde sempre. Movido por uma idéia de que vivera iludido com as dimensões de seu lar, começou o homem a derrubar algumas paredes, sem dar atenção às gravuras antigas e retratos de gente aparentada que já tinha morrido. Tudo ao chão e a casa teimava em permanecer pequena para o coração dele. Mesmo quando já não havia pilares em pé ou tijolos a derriçar; mesmo quando o ladrilho das salas confundiu-se com o barro do quintal; mesmo quando ninguém podia mais saber que ali estivera, por décadas, um chalé com telhado de quatro-águas; ainda assim, o homem se julgava tomado de um sufoco que não arejava.
Foi de uma noite para outra, na troca da lua, que o homem saiu de casa e foi morar nas ruas da cidade. Nem era assim uma Nova York. Estava mais para Piracicaba ou Pirassununga ou Piratininga, qualquer delas maior que a casa do homem; aquela que ele abandonara na noite anterior à noite em que seus olhos verdes descobriram que as cidades tinham fim. Entre a divisa de Piracicaba ou Pirassununga ou Piratininga com Mogi Guaçu ou Mogi Mirim ou Mogi das Cruzes, o homem achou que seria fato a desconfiança de que uma cidade era pequena demais para ele. Tão grande se fazia o seu querer. Tão altas as suas vontades. Tão longas as suas pretensões que ele, de um dia para o outro, ao nascer do sol, resolveu pular num rio. Era o Rio de Piracicaba ou Pirassununga ou Piratininga e esse era mesmo um rio bem grande.
O homem nadou, nadou, nadou. Passou por todas as fronteiras de Mogi Guaçu ou Mogi Mirim ou Mogi das Cruzes. Passou até por Nova Odessa ou Nova Lima ou Nova Europa e chegou ao mar. Como era grande aquele mar! Tão grande que, por mais que o homem olhasse em volta, nenhuma terra podia ver. Não tinha Pira ou Mogi ou Nova. Tudo estava lá atrás. O homem pensou que aquilo era bom. Nas águas sem fim do oceano, ele parecia tão grande. Na verdade, ele era muito pequeno se olhássemos de fora como uma câmera que flagra um pontinho anêmico num verde teimoso que segue até se perder sem foco. Quem estava lá para contar isso para o homem? Eu não estava. Você não estava. Estava só e somente o homem que, por não se saber tão pequeno, começou a crescer realmente. Cresceu. Cresceu. Cresceu e cresceu ainda mais um pouco. O homem já não era mais homem. Crescera tanto que não se podia então saber o que era mar e o que era homem. Agora, ele se fazia grande como o seu querer . Agora, ele se mostrava alto como as suas vontades. Agora, ele existia esticado como as suas maiores pretensões.
No entanto, o tempo distraído cumprindo algumas profecias demorou um pouco, mas fez o que todos em Piracicaba ou Pirassununga ou Piratininga ou Mogi Guaçu ou Mogi Mirim ou Mogi das Cruzes ou Nova Odessa ou Nova Lima ou Nova Europa temiam: avançou sobre os pastos, levando com ele as águas do mar. O sertão que já tinha sido um deserto virou mesmo o Mar do Conselheiro. O homem que havia crescido ainda mais, acompanhando a invasão tsunâmica do oceano, acomodou-se em dura realidade. Mesmo grande como se fizera, estava obrigado a rodopiar com as marés por terras muito familiares, lavando o barro dos ladrilhos e afogando telhados de uma antiga vizinhança. Até hoje, a cada lua cheia, dizem que seus olhos verdes são vistos cobrindo as antigas terras, hoje submersas, de Piracicaba. Pirassununga. Piratininga. Olhos cheios de lágrimas salgadas e infinitas.

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Jefferson Cassiano é Publicitário e professor de redação. Sempre se assusta com a imensidão do mar.
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