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Contos-->A loucura da liberdade -- 19/06/2005 - 17:40 (S!) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Naquela manhã, depois das 5:45, não consegui mais dormir. Acordei cedo. Estranho para uma pessoa como eu. Sentia-me forasteiro naquele lugar de ninguém. Lá fora, a cidade estava encoberta de gelo. Em meu pequeno quarto, que agora continha uma cama vazia para me acompanhar, levantei e me pus a olhar o mundo. Todos os dias, via as mesmas histórias.
Nenhuma data em especial, apenas o cotidiano, dias em que tentamos nos manter vivos. O tempo que tenho passado aqui é ótimo para dormir, mas a solidão é maior, pois parece que todos estão ocupados em seu mundo abstrato.
Nos dois meses em que olho todos os dias pela tímida janela ao meu lado, de vez em quando, não me sinto em lugar nenhum, não consigo situar as cores do mundo, fico distante, tentando colorir o branco que penetra meus olhos.
Assim que cheguei, tudo era estranho e, para ser sincero, ainda me incomoda ter de tomar cinco pílulas, duas vezes ao dia, com enfermeiras vigiando, para de qualquer forma engolirmos a nossa própria morte. As pessoas são simples, acho que pelo fato de a maioria ter vindo do interior. Os tons de pele, os cabelos, os olhos frios, todos possuem um estilo que não muda, são iguais. Se olhar os doidos, são todos iguais , se passar a visão para os médicos, tudo igual também. Magros, altos, olhos perdidos, deixando a vida passar, usando roupas parecidas, não há diversidade. É isso que estranhei bastante.
Levanto da cama e chego mais perto da janela, posso ver que, como sempre, o Sr. Joe Cranberrie, como gosta de ser chamado, está lá fora, no frio, com botas e seu grosso casaco xadrez, declamando poesias ao vento. Ele tem família, não sei se é de verdade, mas tem pai, mãe e irmão. Tem dinheiro, não sei se é muito, mas sei que seu pai o sustenta. Estudava em faculdade particular, fazia direito e estagiava em algum circo. Chegou a alugar um apartamento em que, por sinal, só cabia uma pessoa, pois vive dizendo que seu quarto era sua cozinha.
É bonito, muitas garotas ainda o visitam, e garotas de respeito, mulheres que sabem se portar, estudam, trabalham, procuram algo. É religioso, reza quase todos os dias. Acredita, acho eu, que só Deus poderá ajudá-lo.
Saio do meu recinto, sou convocado a tomar café com pílulas. É tão mecânico tudo isso que, mesmo incomodado, vou sem pestanejar. Penso em como falta algo na vida daquele meu amigo jovem que se diz senhor. Não o considero feliz, e para ser sincero, tenho pena. Angustio-me ao ver ou lembrar do Sr. Cranberrie, pois acredito ser triste ter tudo mas não ter nada , é muito difícil ser você por você. Nesses dias em que saímos pelo pátio, fez várias perguntas e afirmou palavras que entregaram seu coração. Posso ver que carrega a foto de seu pai e comenta muito sobre sua pessoa, mas este só manda dinheiro, pensando ser esta a salvação do filho. Em seu quarto há uma escrivaninha de madeira antiga, onde pousa um pequeno retrato de família, da que não participou. Veio parar aqui faltando um dia para completar 25 anos. Seu pai o deixou e foi embora. Trancaram-no sozinho em um quarto não muito claro, estava muito agressivo e deprimido. Parece querer alguém...Sempre é alguém, mas por que não nós mesmos? Sinto que seu amor se perde, pois não tem para quem direcionar, o que gera fraqueza e dor. O conheci e ainda não consegui absorver como consegue sobreviver.
Sento à mesa e tento encontrar explicações. Talvez a resposta de minha entrega tão rápida a amizade do Sr. Cranberrie seja o cansaço da luta contra a desconfiança nos outros. Em um campo interior, onde só existe você, a razão e o coração, a batalha é solitária. Não morrem pessoas, mas oportunidades, sentimentos, sonhos. E ficar calado em meio a todo esse fluxo emocional é como se obrigar a ignorar o real. Então nos vemos sós e caídos no conto do mundo de que "no-final-somos-apenas-mais-um-perdido-no-meio-do-oceano". E vem o frio, porque a solidão é gelada. Quando não estamos em nós mesmos, não nos aquecemos, pois nossos corpos estão vazios. E então pedimos ajuda...gritamos para que tragam alguém, que tragam paz. Talvez, eu esteja cansado dessa posição, minha e de todos....aquela que diz "paz-e-amor", mas que na hora de acabar com o inimigo, somos os primeiros a atirar, porque o certo é ganhar, o certo é ser o valente da história. E se saímos desse clichê, somos os perdedores frustrados. Acredito no amor, mas não o amor "incondicional" humano. Acredito naquele que ninguém vê, que ninguém fala, mas que é tão forte e tão abrangente, que nos leva a querer outros caminhos, como o caminho da vida, mesmo que, em um quarto que não seja seu e num mundo que lá fora seja completamente branco, vazio.
Gostaria de aprender a andar sozinho, em todos os sentidos, em todos os lugares e por todos os meios...Mas estou cansado de me esconder, de ter de ser o Sr.. X, enquanto na verdade, sou o Sr. Z. Cansei do final do dia, de não ter alguém com quem dividir meus aprendizados, minha vida, meu eu. Sonho? Pode ser, mas como diz a canção..."há sentido na ficção, na realidade não e pensando com a razão, eu prefiro a ilusão”. Sim, prefiro viver de alucinação do que ser consumido pelas aspirações deste mundo.
Logo penso: deve ser por isso que estamos internados, por sermos livres, meu caro Cranberrie. Peço meu café com leite e tudo continua como nunca deixou de ser.
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