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Contos-->A missa das sete -- 02/12/1999 - 22:54 (Andrey do Amaral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Padre Francisco pontualmente rezava a missa sempre no horário marcado. Às vezes, no máximo, com uns cinco minutos de atraso. Na primeira missa do dia, logo pela manhã, Maria da Cruz esperava no último banco da igreja para se confessar com o Pe. Francisco. Seu pecado maior: matar o marido. Mas ela negava o crime a todos, exceto a Pe. Francisco.
No confessionário, Maria sussurra ao padre alguns de seus pecados, ou melhor, seus “pecadinhos”. Ela apenas queria dizer ao padre que não agüentava mais toda aquela acusação das pessoas da paróquia. Depois do assassinato, os fiéis evitavam Maria. Ela era a excluída da comunidade religiosa. As beatas a cruxificavam tal qual fizeram com o Cristo. Porém o perdão pregado por Este não era praticado por aquelas. E Pe. Francisco nada podia fazer, pois sua paróquia vivia basicamente da ajuda e do trabalho dos irmãos. Para ele, perder uma ovelha, não fazia diferença.
“Paciência, Maria. Paciência, Maria da Cruz! Todos precisamos das dificuldades da vida.”
“Precisamos?” – retrucava Maria.
Ela jurava vingança. Decidira que faria justiça com as próprias mãos. Pe. Francisco lhe prometera toda a ajuda possível (não a impossível). O desespero só não tomara conta de Maria porque os sábios conselhos do padre faziam com que a esperança da fiel permanecesse inabalada.
As beatas evitavam a igreja no início da manhã, pois era certo de Maria estar presente por lá. Todas as manhãs, a partir das seis, Maria da Cruz rezava nos bancos da igreja. Havia certo desamor matinal. Pe. Francisco não mais ouvia confissões e, sim, insultos à pobre Maria, a Maria da Cruz.
“Essa Mariazinha... essa fulaninha... essa pecadora... essa...”
Pe. Francisco prometera à fiel ignorada uma conversa com toda a igreja, num dia próximo, na primeira missa da noite, a mais cheia. Porém essa promessa sacerdotal, a cada dia, era adiada. Dia após dia. “Espera a poeira abaixar!”
No mesmo dia, no início da noite, Pe. Francisco lia sua enorme bíblia no púlpito da igreja. Todas as noites esse ritual do padre era repetido com muito gosto e devoção. O que era de se estranhar, pois o padre – era o que diziam os mais radicais da igreja – não gostava de ler, e mais, usava um óculos com cinco graus de miopia. Quando qualquer religioso entrava na igreja, o padre imediatamente fechava sua bíblia. Bíblia grande, enorme, pesada..
“Sua benção, padre.”
E junto da resposta do líder míope, o barulho do livro divino se fechando ecoava por toda a igreja.
“Deus o abençoe, meu filho! Deus a abençoe, minha filha!”
O padre, de certa forma, se irritava a cada entrada de um membro da paróquia depois da última missa, depois da missa das oito, fora do horário de atendimento espiritual. E a cada entrada, após o som raivoso da bíblia se fechando, o padre recebia as desculpas:
“Desculpe-me, padre, por interromper sua leitura,”
“ Me desculpe, padre.”
“Desculpe, padre Francisco.”
“Não queria atrapalhar sua leitura, padre.”
“Desculpe.”
E o padre, com a mais cínica expressão, perdoava os irmãos:
“Tudo bem, tudo bem, queridos.”
Mas, na saída dos fiéis, o padre abria novamente a bíblia gigantesca exatamente no meio. Nos Salmos. Sozinho na igreja, ele lê em voz alta o Salmo de números 82, versículos 03, 04 e 05:
“Fazei justiça ao fraco e ao órfão, procedei retamente para com o aflito e o desamparado.
Socorrei o fraco e o necessitado; tirai-os das mãos dos ímpios.
Eles nada sabem, nem entendem; vagueiam em trevas; vacilam todos os fundamentos da terra.”
E, após a sua leitura, gargalha, gargalha e gargalha.
Seu riso sarcástico vaga pela imensa igreja. O riso se finda. Pe. Francisco vira as próximas páginas da bíblia. Lá pelo capítulo 100, há um profundo vão com a forma, quase exata, de um revólver. Calibre 38, o xodó do padre. Seus companheiros inseparáveis: a bíblia e o revólver. Ele fecha a bíblia e a leva para o dormitório sagrado. Ela é guardada entre Aristóleles e Platão. De repente, um toc toc na porta. Era Maria. Pe Francisco se irritara com a presença da mulher.
“Não vês que já me recolhi.”
E Maria indignada dissera que toda verdade seira revelada.
“Ninguém acreditará em ti, Maria. Agora, vá e deixe-me só.”
Ela se vai, porém a preocupação invade os pensamentos do padre.
No outro dia pela manhã, lá estava Maria, como sempre, bem cedo na igreja. Ela esperava o padre a fim de que começasse a primeira missa do dia. E embora não fosse muito devota nem tão religiosa, ela, a partir da morte do marido, se prendia cada vez mais ao cristianismo. Mas em quem ela teria de acreditar? No Pe. Francisco, o mensageiro de Deus daquele pequeno vilarejo. Era a dúvida a qual Maria não queria ter. Sua saída era, pela primeira vez – com o coração – rezar, rezar e rezar.
No entanto, cansada de esperar justiça e a compreensão dos demais fiéis, Maria resolvera revelar a verdade a toda a igreja.
Exatamente às sete horas, no início da missa mais cheia da paróquia, Maria e todos os outros esperam o adorado Pe. Francisco.
Lá pelos 15 minutos decorridos da missa, Maria levanta-se e segue em direção ao púlpito. Ansiosa, ela sobe pelas escadas da esquerda e grita ao público cego:
– Eu vou contar, eu vou contar. Vocês não conhecem o outro Pe. Francisco!
E antes que qualquer coisa de anormal acontecesse, o padre abre a bíblia e tira das folhas o seu revólver. Mira a arma para a testa de Maria e atira. Um tiro seco é disparado. Um pequeno buraco surge em sua testa. Gotas de sangue escorrem. Maria cai. Está morta, assim como o marido. Pe. Francisco não percebeu, em princípio, a burrice que cometera. Porém no maior cinismo possível, disse a toda igreja boquiaberta:
– Queridos, foi preciso. Era necessário limparmos nossa igreja de todo pecado existente. Continuemos nossa missa.
Enquanto alguns membros retiravam o corpo do púlpito, o padre continuava a missa das sete lendo o Salmo 12:
“Socorro, Senhor! Porque já não há mais homens piedosos; desaparecem os fiéis entre os filhos dos homens...”

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