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cronicas-->Credo quia absurdum -- 08/01/2004 - 17:27 (Valéria Tarelho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Credo quia absurdum

Supersticiosa ao extremo, tinha a vida regrada pela Lua, mapa astral, sinastria, números, cores, toda espécie de crendices.

A vida a tinha, escravizada. Crédula, não dava um passo sem consultar um oráculo. Orava para todos os santos, anjos, orixás. Carregava consigo patuás, bentinhos, até água benta para o caso de um vampiro cruzar seu caminho. Sinal da cruz, cruz-credo, pé de pato, mangaló três vezes, toc toc toc na madeira para afastar a má sorte. Patética, aos olhos ímpios. Para ela, sapientíssima. Conhecia rezas, decifrava as chamas das velas, um chocalho de cascavel sobre a testa era tiro e queda para por fim à dor de cabeça. Ao tropeçar na calçada, pisava três vezes no mesmo lugar, repetindo para si: "não dou, não dou, não dou; ele é meu, ele é meu, ele é meu!", para não perder o namorado, no caso dela, marido. Sim, casara-se com o moço cuja inicial do nome surgira, desenhada a pingos de vela, na água da bacia. Profecia concretizada.

Aproximava-se o final do ano. Tinha planos para a virada: como de hábito, vestiria branco, não comeria aves, pularia sete ondas, trocaria o primeiro beijo, exatamente à meia-noite, em meio aos fogos de artifício, queimando todo o infortúnio do ano velho. Queria mudar, libertar-se das amarras de sua crendeirice. Ultimamente, tornara-se torturante guiar-se por sinais. Desejava não pensar, não sentir, ou pressentir diferente. O último mês do ano trazia prenúncios de desgraça. Os tais sinais anunciavam a iminência de algo. Mau agouro nas pequenas ocorrências. Coincidências, queria crer: queimara a mão direita na água fervente do café; sofrera um acidente e machucou o braço direito, na altura do cotovelo; perdera parte da unha do dedão do pé direito, tropeçando na calçada. A dor foi tanta que sequer proferiu "não dou, não dou, não dou; ele é meu, ele é meu, ele é meu!". Passou batido.
Dezembro já chegava ao fim. Tentou esquecer os presságios e planejou os ritos para o réveillon. Os últimos, ela jurava (sem fazer figas). O primeiro de ano seria o primeiro dia de uma nova vida. Liberdade, enfim.

Meia-noite, estampidos: fogos, um tiro. Gritos histéricos, abafados pelo riso da multidão, alheia ao fato. Caído a seus pés, morto, o marido. Uma bala perdida levara o companheiro de uma vida, seu braço direito. O primeiro beijo, no primeiro minuto, na boca ainda quente, foi o derradeiro. Queimava por dentro. O branco das vestes, tingia-se de vermelho.

Doravante vestir-se-á de preto. Luto perpétuo, creio. Ainda que absurdo.

Do seu jeito, supersticioso, é supérstite. Ao extremo.

- Valéria Tarelho -
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