Céus
Enquanto começo a escrever este texto para o persona desta edição, Ã s três horas da manhã de uma madrugada fria e completamente desgostoso das relações amorosas, o sorriso da senhora Zilda Amorim Carneiro, parece me tranquilizar um pouco. Os céus marcam os exatos ponteiros do relógio da vida. A madrugada parece também não querer passar. O jeito é se embebedar pelas memórias de um passado que já não encanta como encantava. Preocupado com os rumos de um trabalho acadêmico, vejo no limiar dos novos tempos a imagem segura e firme de Barbosa Lima Sobrinho, lá do céu, onde também está a presença de Elzio Ribeiro Carneiro, esposo falecido de dona Zilda, a grande mulher que herdou de Carlos Lacerda, a oratória fulminante para chamar e emocionar o público. Oratória que me faz lembrar novamente a figura ímpar de Barbosa Lima Sobrinho, o centenário jornalista que emocionou o Brasil inteiro ao pedir o impedimento do ex-presidente Collor. O verbo emocionar também faz parte do dicionário de Zilda Amorim que ao discursar para um público estipulado em 5 mil pessoas em frente da Igreja Matriz a convite do saudoso ex-prefeito Paulo Frederico de Toledo que insistiu a ela para que nossa oradora maior fizesse a despedida da imagem de Nossa Senhora Aparecida que tinha vindo pela primeira vez na cidade de Bilac Pinto, também conhecido orador do Congresso Nacional dos anos 50. O desterro da paixão parece ser a única alternativa para aqueles que sonham em viver ao lado da pessoa amada, mas os oradores são os únicos capazes de sobreviver a essas nuances que o coração dá na gente. Dona Zilda com certeza é dessas oradoras forte o bastante para aguentar as pesadas cargas que a emoção soterra sobre nossas cabeças.
Os filhos
Esta senhora que nasceu em 9 de outubro de 1923, um ano que marcou para o Brasil a triste morte do grande orador Rui Barbosa, que sonhava como Barbosa Lima ver um país mais justo e menos desigual, foi mãe por cinco vezes. Porém, quis o destino que apenas dois de seus cinco filhos vivessem até hoje. Vània, Haroldo, José Roberto que viveu até os 19 anos, Sebastião Hamilton sobrevivente de apenas um mês e Suzana Maria que alegrou dona Zilda por três meses a mais. São os filhos os motores da vida dos pais e os escritos o arranque dos oradores. Esta mágica senhora participou da fundação de duas importantes instituições em Santa Rita do Sapucaí, que são elas: a Creche, a qual presidiu por três mandatos, e o Clube Feminino da Amizade, a qual esteve a frente como presidenta por dois anos e oradora até hoje. O seu trabalho voluntário no Clube de Mães também é motivo bravo de registro. Assim, como dona Teresinha, Zilda Amorim luta pela cidadania de nossa gente, não através da arte, mas sim através das palavras. Como ela mesma confessa: "A maioria das minhas fotos me posicionam sempre a frente de um microfone ou de uma tribuna. Tenho o dom da oratória". Esta senhora também é recordação da Festa de Santa Rita, a qual foi festeira juntamente com o marido e com um casal amigo. Na antiga Festa de Nossa senhora Aparecida, que hoje não é mais comemorada, ela lançou moda. Até então esses tipos de festividades não traziam cantores e ela foi a primeira festeira a trazer um artista para se apresentar na cidade e assim arrecadar mais fundos para o festejo religioso. O cantor em pauta trata do hoje desconhecido Newton César.
Um fato que não pode ficar de fora de um texto que se quer comentar sobre esta senhora, é a história do lançamento da Festa da Saudade, isso em 1962, quando os expedicionários da FEB (Força Expedicionária Brasileira) vieram em Santa Rita para serem homenageados e Zilda Carneiro, com um discurso lindo, comovedor e bravíssimo, palavras de um expedicionário que ao terminar de ouvir o belo discurso ofertou a esta senhora a boina de tantas histórias da 2ª guerra a que ela se exibiu durante toda a noite. Desfechando assim este meu texto, procuro entender a significação da oferta desta boina por parte de um pracinha a dona Zilda comparando a minha situação rodrigueana nos palacetes a que não pude ou não me deixaram entrar. Tem coisas que nem o sábio Barbosa Lima Sobrinho saberia explicar. É! Dona Zilda Amorim é um retrato de uma cidadã santa-ritense, em alusão a Dona Maria José, esposa de Barbosa, que é um retrato de uma cidadã brasileira.
Texto publicado no jornal Minas do Sul em 16 de setembro de 2000