A chuva caía capitosa
Ricocheteando no solo
Enquanto ventava forte
Mas algo de consolo
Me dava passaporte
Para ultrapassar
A tempestuosa fronteira
A meus meus pés
De todo em todo ensopados
O luzeiro dos néons
Reflectia-se como estrelas
Aspergindo intensas miríades
À roda da minha sombra
Como se eu caminhasse
Sobre um estranho mar colorido
Os carros passavam por mim
Esparrinhando-me até à cinta
E já não restava por molhar
Qualquer ínfima parte
Do meu corpo sempre avante
Decididamente em frente
Inadiavelmente morto por chegar...
Quando abri a porta
Entrando de sopetão para o átrio
Meu cão ganiu de imediato
E num segundo absorveu a situação...
Escada acima
Aguardou-me no patamar
Encaminhando-se lampeiro
Para o quarto de banho...
Diacho!...
Como é que o cachorro soube
Que eu ia tomar um duche
Se nunca dantes
Me ocorrera tal precalço?...
Nos latidos moderados que emitia
Ouvi-lhe então surpreendentemente
As primeiras palavras:
- Tás a ver... Tás?...
Então logo hoje
Foi que ela te fechou a porta...
Lá fora os ecos
Do vento abraçando
Em rompante abrupto os beirais
Uivavam longos:
- Tás a ver... Tás?...
Então logo hoje
Foi que ela te fechou a porta...