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Contos-->Viagem -- 02/08/2005 - 12:02 (Rodrigo Alves de Moraes Arruda) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Garry Petróvsky conduzia a nave com suavidade. A serenidade com que o novo planeta ia permitindo a intromissão era bem de seu agrado. Sentia-se satisfeito e ansioso: satisfeito, pois suas últimas missões iniciaram-se cansativas, adentrando atmosferas tempestuosas, ao que se percebia freqüentemente, após o primeiro obstáculo de se clarear a visibilidade entre nevascas e nuvens de íons incandescentes, algum tipo grotesco de superfície impossível a um pouso sem maiores danos à espaçonave. Ansioso, visto as condições serem não hostis a uma exploração mais demorada em um planeta além de seu sistema solar. Ademais, a Rússia confirmarva assim uma superiodade em viagens interplanetárias de alto risco há muito buscada.

Não fosse, entretanto, dados de origem terrestre passados instantaneamente via computador Central de longo alcance, ele arriscaria um comentário improvável acerca de seu destino. Faria-o a partir de uma impressão familiar de quem reconhece a própria terra. Terra de mares, de árvores; terra distante ainda, mas profundamente próxima.

À medida que ia se aproximando, vinha-lhe, junto a lembrança que guarda um exilado da pátria amada, a certeza de se estar confirmando um grande passo. Desde a lua, a humanidade andou o bastante para anunciar que não sabe aonde vai.

Apesar dos anos-luz extra-solares que a Base anunciava no painel reluzente de seu avançadíssimo modelo de transporte universal, diria a si que voltara a Terra. Não via cidades; porém, os traços civilizantes de uma metrópole (sê-lo era condição fundamental para a sobrevivência da atual urbanidade terráquea), que emprestam ao homem moderno certa humanidade, estavam presentes em alguma forma de organização. Sentia uma certa ordem espiritual, ainda não plenamente percebida (uma certa exitação continuava a fazer dele um estrangeiro).

— Base Mãe, aguardo permissão para pouso no planeta Novo.
— Confirmada a permissão para o Astronauta.

O que mais o surpreendeu foi o que espera todo viajante que retorna esperado. Incrível não era o que lhe pareceu pessoas: elas não só se ajuntavam ao redor de uma clareira, perpendicular a sua nave que deslizava céu abaixo, todas olhando para cima.

Elas o aguardavam.

Já na superfície, enquanto o controle Central de seu computador encerrava a operação de pouso, ao que se seguiu seu desligamento automático e liberação de abandono da cápsula de contenção, Petróvsky visualizou uma figura majestosa, trajada magnificamente de branco, andar em direção a sua espaçonave. As medidas de segurança em Planetas Desconhecidos soaram-lhe desnecessárias. Aberta a cápsula de contenção, o piloto sentiu-se aclamado, embora o silêncio fosse absoluto.

— Nós do planeta Novo o saudamos. Chame-me Uno, caso queira me nomear. Não precisamos de nomes, nem de qualquer outra palavra. Comunicamo-nos através dos sentidos, e vivemos em perfeita ordem.

Petróvsky mais uma vez teve uma sensação de profunda familiaridade. Sentiu que o suprimento de oxigênio não era necessário, dado logo confirmado pelo comunicador visual de seu capacete, após uma rápida análise das novas condições ambientais feita pelo seu traje.

Sem capacete, soube por que teria contestado os dados fornecidos pela distância viajada. O homem guarda uma intimidade profunda e eterna com a terra da qual fez sua nação. Esse elo contínuo se estabelece também nos vínculos planetários. Aquela terra era a sua Terra. Uma ainda não destruída pelo tempo, pelo apelo humano da exploração desmedida, que busca ambições muito além das necessidades. Não era sequer construída em termos conhecidos pelo astronauta.

Tratava-se de uma terra rústica, passada e distante.

— Todos de seu povo nos têm uma certeza desde sempre eterna – tornou a ouvir o forasteiro. – Do contrário, não nos buscariam tanto. Talvez logo tenha a impressão que já lhe disse muito, mas o que contei ou deixei de contar é só uma questão de tempo: todas as respostas estão consigo, assim como conosco. Basta querer conhecê-las, e já as conhecerá. Todo desejo traz implícito sua realização.

A voz daquele ser resplandecente era curiosamente confortante. Cada palavra soava tão íntima quanto os ecos de uma teoria restrita e particular, finalmente posta à prova.

— Os sentidos são nossa irmandade e nossa clareza. Não somos rústicos, nem avançados: passado e futuro não existem, a não ser no presente. Eis a diferença entre ambos. Através da constância, extingue-se essa distinção e, consigo, a temporalidade. O presente nega-se, perdido e passado, e afirma-se, provável e futuro.

Tudo tão novo e tão velho. Como haveria de ser isso? Se ao menos ousasse a pergunta... Mas tal absurdo certamente o envergonharia, desmistificaria a grandeza de seu povo: uma nave fantástica, uma descoberta compensadora... Se não estivesse tão perdido quanto suas indagações...

— Usando seu tempo, estamos mais a frente do que sua origem. Éramos, e sempre seremos, a descoberta, enquanto consigo vinha a dúvida. Você teria falhado não fosse nossa intromissão. Não viajamos; somos.

Não, guardaria suas questões para si. Para que confrontar aquela imagem perfeita com idéias destoantes do momento? Permita-se escutar e tudo será respondido, não era isso que tinha dito Uno?

— O que nos distingue é que seu Homem, na verdade, se busca. E buscando se perde, indefinidamente. Pois ele está em si mesmo, não se encontrará antes de sua morte, quando procura e destino se estabelecem findos. Ele se criou se pondo a buscar.

Seu tom solene o era abrangesse todos os cantos possíveis da História (isto pareceu ao astronauta, impossível seria ouvir e julgar tal magnitude de palavras). Não se tratava porém, só de sons, mas também de sensações. Eram mil vozes cobrindo as estrelas, ignorando a limitação cósmica de sons. Eram todas as constelações nascendo a um instante só. Era de ventos e de certezas, de glórias e de perdições.

E mais uma vez, o brado Único percorreu todos os instantes e inquietações, e se depositou, como uma furiosa onda marítima na areia, na mente daquele que viajava:

— Nos deixamos achar, era o que você queria. Não sei o que fará com isso. Eu o saberia caso a decisão fosse minha.

Mas é sua.


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