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Poesias-->Ruas de Taubate e outros poemas -- 23/08/2006 - 14:36 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ruas de Taubaté e Poemas mais





Estes poemas foram escritos durante os anos de solidão que vivi nos quartos de hotel. Trazem em si a tristeza do chefe solitário, já que ninguém é mais solitário do que um chefe. Talvez seja porisso que meus poemas tendem mais para as coisas passadas, falam mais da morte do que da vida.



Agradecimento



Agradeço ao pipoqueiro da Catedral pelo primeiro saco de pipocas com queijo que me vendeu. Quando cheguei em Taubaté, nunca tinha comido antes uma pipoca tão gostosa. Foi o pipoqueiro o culpado. Foi ele quem me fez ficar aqui para sempre...









Taubaté





Colméia de casas pequenas

Juntinhas, escorando-se mutuamente

A orgulhar-se de suas minúsculas portas e janelas,

Desenhando ruas estreitas, mais de mil vielas

Por onde passa o povo a caminho do país das frutas

Na rota certa do Mercadão sem igual.

Seguem todos com carrinhos e sacolas na mesma direção

Pra buscar verduras, melancia verde-vermelhinha ou

Saborear abacaxis cor-de-rosa —doces arco-íris em rodelas...

Beber água de coco na dona Maria

Cuja polpa mole, gelatinosa, a gente pode levar pra casa.

Do coco, diz a menina, é a parte mais gostosa...

Ali perto tem a “Breganha” de coisas velhas

Onde gente simples troca sonhos —e vai vivendo a vida devagar.

Tem muito mais. Tem coisas de dar saudade:

Tem cheiro de pastel quentinho, de torresmo coradinho

Sempre no mesmo bar.

A conversa requentada, a mesma história

Mil vezes repetida e engraçada.

Tem o caldo de cana sagrado,

Que o diabético pode tomar

Tem erva, tem pau-tenente, mato pra tudo curar

Até bota “Sete Léguas” se encontra pra comprar...

Tem “secos e molhados” teimosos

“Vendas” que nunca se vê noutro lugar.

Na Casa do Philadelpho entro pra sentir o cheiro

Gosto da soma deles —de um mundo de temperos,

De ferragens e cereais, cheiro do cravo, da canela

De açúcar cristal —que ainda se vende a granel.

Tem aroma de rapadura, de melado,

De infinitos doces mais

Tem favos brilhantes, simétricos, perfeitos,

Obra-de-arte em vidro das abelhinhas,

Espelhos cheios de mel.

Há pirulitos nas entradas, ao longo das passarelas,

Chupetas-galinhos, vaquinhas açucaradas.

As crianças pedem, insistem e ganham as delas

Na praça da Catedral, porém,

É onde nasceu a grande invenção

A maior de todas elas: pipoca com queijo!

Alegria dos adultos —a beleza da criação.

Come-se antes do primeiro beijo

E depois da Santa Missa,

Obrigação solene, uma espécie de prece

Coisa que ninguém jamais esquece.

Essa é a Taubaté que eu não conhecia

Um mundo de coisas vivas onde aportei

E aprendi a amar um dia.

Descobri que a vida aqui se renova

E tudo pode acontecer de repente:

É um velho armazém de saudade

Que faz bater depressa o coração da gente!







Preferia ser boi



Mesmo que eu não tivesse casa nem vizinho

Eu quisera ser um boi no pasto sozinho...

Se vivesse apenas cinco anos e não oitenta,

Acho que seria mais feliz assim,

Livre da alma que atormenta.







Maldição dos frangos vivos





Tenho pena dos frangos vendidos vivos no mercadão.

Têm olhares perdidos e sem futuro.

O futuro deles não é bom: é curto, com prováveis horrores.

Serão saboreados bem ou mal passados

Quando assados, levantarão cheiros e sabores...



Ao vê-los assim engaiolados,

Comparo-os com a brevidade da minha vida:

Eu também vivo preso numa gaiola estreita

Aberta, mas muito bem feita

E, como a deles, sem saída.



Serei eu a próxima vítima escolhida?

Claro, tudo foi feito sob medida!



Frangos engaiolados, consolem-se comigo.

Viajamos juntos no mesmo vagão amontoados

Nossos editais de morte já foram publicados...

Somos meros prisioneiros olhando pela janela.



Ai daqueles que gostam de comer frango vivo!

O tempo se vingará deles —o tempo é o nosso guia

Terão seu momento de calor intenso e merecido

Gemerão no fundo de uma panela —o fogo bem aquecido

Depois da festa do último dia...















A velha pasta de amostras



A você, que por acaso encontrar

A minha velha pasta de amostras

Perdida, coberta de folhas e musgo

Neste canto da floresta

Imploro que a recolha e abra.

Encontrará algumas bulas rasgadas,

Velhas caixas molhadas,

Talvez uma ou outra amostra vencida.

Procure, procure bem devagar...

Certamente vai encontrar

Uma carta que deixei escrita.

Não faço conta, nem me importo

Pode ler meu segredo e pode contar.

Falo da mulher e dos filhos

Que amei —e do meu jeito eduquei.

Dos médicos que visitei

Dos chefes bons que tive

E dos muitos amigos que ganhei.

Encontrará nesta velha pasta

Um pouco do resto de mim.

Meu corpo não procure,

Nem vasculhe a floresta —desista!

Não tenho mais corpo, só uma coisa me resta:

Alma de propagandista...







A greve do ovo





Depois de muitos anos perdidos

E de muitas gerações goradas

Entraram em greve as galinhas do tio Jonas.

Qual foi o motivo, a causa dessa parada?

Certamente que foram os milhões de ovos

Que por culpa dos humanos gulosos não vingaram

E dos muitos pintos que não cresceram...

Os primeiros foram saboreados quentes ou cozidos

Os segundos, fritos ou assados...

Então, têm razão as galinhas do tio Jonas!

É mais do que justa a sua greve do ovo!

Pois ainda que botem tudo e amanhã botem de novo

Não haverá ovo nem pinto que sacie a vontade do povo...





Ela já era



Minha esposa

Já foi princesa e rainha

Hoje só reclama.

Geme se passa roupa

Xinga se faz a cama.

Cozinhar, nem pensar!

Do fogão ela pegou nojo

De dia me serve sopa

À noite é só miojo.



Blenorragia







Jamais me esquecerei dos quartos mofados

Daquela casa indiscreta de Barra do Piraí.

Era a minha segunda morada

—a ilha dos meus pecados!

Paraíso de gonorréias infinitas

Pátria de milhões de chatos

—miríades deles viviam em mim grudados.

Mas eu era teimoso e todo fim de mês telefonava

Combinava o preço e cruzava a ponte!

Chegava a pé —às vezes ia de bicicleta.

No salão, cheio de luzes, as mulheres pareciam lindas

A Rodriguinha, a Gaúcha, a Amélia e a Soninha

Sorriam, dançavam e faziam a festa!

Era um amor pago —ó doce hipocrisia!

Mas tudo ali se conseguia...

Altas horas, satisfeito e aliviado

Rapidamente dormia.

Mas eu sentia muito medo e meus nervos tremiam:

Ganhara talvez uma nova gonorréia como brinde

E dentro de mim, isso era quase certo,

Milhões de novas bactérias e treponemas cresciam...









Fui mas não fui





Sempre quis conhecer o mundo.

Vivi sonhando com os mares de Cuba

Mas nunca passei além da fronteira.

Viajei nos livros de Neruda,

Imaginei como seria Temuco.

Com Cora —aquela que foi doceira.

Estive nos sertões de Goiás

Virei farricoco e chorei ante vendo a fogueira

Com Guimarães Rosa virei bicho

Fui aos sertões das Gerais

Fiz um grande sacrifício

Livrei-me da pele de macuco

E fui até Pernambuco

Mas lá não volto mais









Felicidade



Felicidade é a passageira

De um trem que nunca vem.

Vivo a esperá-la na estação da vida.

Se um dia ela chegasse

E o seu trem me atropelasse

Não contaria pra ninguém.

Talvez até gostasse...













Abelhas amiguinhas





As abelhinhas da Apis, coitadinhas,

Trabalham noite e dia sem parar.

Pelo mel e própolis que vão buscar

Não têm registro na carteira nem recebem bom salário,

Apenas têm uma casinha no apiário...

Elas vão pro campo e logo voltam

Trazendo um produto de que muito gostam.

Curioso é que ninguém lhes manda ou pede...

E as bobinhas nada têm, nem mesmo

Uma carteirinha da Unimed...





Serra da Mantiqueira



Se eu vivesse mais cem anos

Gostaria de passá-los namorando-a

Mirando-a pelo vão da minha janela.

Morto, quero viver nela

Na Serra da Mantiqueira

Minha estadia, prometo, será passageira!





Programando



Quando eu morrer

Aceito morar no Municipal

Não é bem o que eu queria

É um cemitério de pobre,

Tem barulho e fumaça de caminhão

Mas não faz mal: finjo que não escuto

Prendo a respiração...



Temores do Velho Elefante



Esses são os meus temores,

Confesso aqui os meus maiores segredos:

Morto, temo que me vejam feio,

Que vasculhem minhas narinas

E que reparem na engrenagem enrugada

Dos meus dedos...

É porisso que irei embora

Andarei à procura de um lugar discreto

Um lugar pra morrer que me seja perfeito,

Um lugar que seja deserto.

Quero morrer no anonimato.

Quero morrer num lugar

Onde ninguém me reconheça

Que seja mais longe do que perto...

Uma ilha no mar, um oásis no deserto.

Serve também uma caverna em Petra, na Jordânia

Ou quem sabe um bar, em Sevilha, na Espanha...





Tia Noêmia



Depois que a tia Noêmia morreu

Esqueceu o caminho de casa.

Até parece que criou asa.

Não adianta chamar por ela.

Está no céu, certamente,

Brincando de roda com os anjos

E de “vaca-amarela” com a gente...



Olguinha



Quando a Olguinha anda na calçada.

Ninguém se desvia dela.

Seu sobretudo é um “sobrenada”

É tão magrinha que parece que não existe.

Num dia almoça, noutro come alpiste.





O vovô que virou ovo



Cansado da solidão das netas,

O vovô se acomodou sob as cobertas:

Ele não precisa mais de amor —só de calor.

Sua mulher —agora apenas uma usina-reator

Já sabe que o galo de antigamente

Não existe mais —nem vagamente!

Juntinho dela, entanto, ele faz de conta:

Finge-se de jovem e volta no tempo

Quando vivia crescendo —era réptil novo!

E saía lépido de dentro do ovo...









Engenheiro



Deus é um engenheiro fraco

Formou-se em Vassouras...

Vive brincando na praia,

Erguendo castelos na areia

Sujeitos à vontade do mar...

Construiu a vida —essa grande bobagem

Um “faz e desfaz” que não acaba mais.





O dia de Domingo



Para a minha mulher

O domingo é um dia sagrado

Ela vai à missa, passeia e come pipoca

Com muito queijo torrado

Para mim, como o meu tempo não passa,

Espero, ando, disfarço

Fico peidando na praça.











Estação da Luz



A vida é um sonho,

Um pesadelo, talvez.

É como esperar um trem

Pra Aparecida

Que só passa uma vez

Com bilhete só de ida...







Boi bobão





O boi é mesmo um bicho bobão,

É feliz no pasto e não tem medo de nada

Encara o fim da vida como se tocasse viola

Altivo, viaja num caminhão-gaiola.

Na longa estrada, a caminho de Barretos,

Vai como se fosse rico

Artista de rodeio e carne de frigorífico...















E por quê não eu?



Ficaria muito grato a Deus

Se não precisasse morrer!

Mas se a Cora Coralina morreu,

Por quê não morreria eu?

Se Pablo Neruda morreu,

Por quê não morreria eu?

Se a minha mãe também morreu,

Por quê sobraria apenas eu?











Chocadeira



Era uma vez, um casal de velhinhos

Moradores de uma terra gelada

Que voltaram a sentir muito frio de novo...

Mas, pra aumentar o calor do ninho,

Tudo muito respeitosamente

Ficaram novamente juntinhos...

Ela se tornou uma santa-galinha

E ele virou um santo-ovo...

















Olívia



A Olívia é pequenina

Mas muito forte. Dei sorte

Ela é uma dama:

A minha Maria Kodama.











Musa passageira



Ela ficava paradinha na porta da igreja

Às vezes ela passava sozinha.

Era tão bela que fiz um poema pra ela.

Agora ela ainda passa.

Mas é uma montanha de roupas que passa...

E eu nem ligo pra ela.

Percebo o seu olhar triste,

Perdido no horizonte, vazando

Através do vão da nossa janela...





O vizinho do andar de cima



Eu morava no andar de baixo

Ele no andar de cima.

Todas as manhãs, bem cedinho,

E no mesmo horário de sempre

Ele percorria o mesmo caminho:

Vinha da sala pro quarto

Fazendo a festa contente

Dava bom dia pros donos

Agitava o rabo inexistente

(um resto de rabo de antigamente)

O cachorrinho Branco era feliz

Anunciava o novo dia, tamborilava e fazia festa...

Quando veio o horário de verão, pensei:

“Agora ele perde a hora!”

Que nada! Acertou os seus “ponteiros”

E continuou fazendo o mesmo caminho,

Datilografando, escrevendo as manhãs,

Festejando a vida, como sempre, no meu teto...







Maria Fumaça



Viajante sem destino, a caminho de lugar nenhum,

Cheguei numa velha estrada de ferro abandonada.

Havia trilhos vermelhos, marcados pela ferrugem

O mato crescia entre os dormentes seculares

Eram apenas paus recheados de cupim.

Já fazia cem anos que o último trem passara por ali.

Eu, viajante solitário, cansado

Deitei-me entre os trilhos para vencer a noite

Todavia, só porque era eu quem ali estava,

Qualquer coisa, mesmo a improvável, poderia acontecer

A revogação da lógica acontece comigo!

Será que naquela noite o trem não passava?

Será que o trem não vinha?

Precavido, sempre alerta, não consegui dormir.

Ouvia um apito imaginário, de um trem que não havia

Era a maria-fumaça dos meus pessimismos

Alimentando a minha insônia eterna,

Furando a noite —rolando na minha direção...





Vó Judite



Minha Vó ficava sempre só.

Sua casa sempre vazia.

Era pra enganar a gente

Tinha fila de anjos na porta

Tava "assim" de anjos lá dentro!

Ninguém acreditava ou ouvia

Mas ela teimava, insistia

Que falava com Maria.





Meu grande medo



O meu grande medo

e meu último segredo

É dormir e não dormir

—morrer e não morrer,

Manter os olhos fechados,

Mas ficar vendo o tempo passar

A longa caravana dos séculos:

Esses camelos lerdos

Que andam devagar...





Reizinho







Quando me casei, mudei pra longe.

Nas férias de fim de ano

Eu voltava pra Taubaté.

Ficava um mês na casa da sogra

(na casa velha da rua São José).

Ali eu dormia em colchões macios,

Cheios de baratas da cor de nescafé...

Antigas almas penadas,

De pessoas queridas mortas

Me espreitavam atrás das portas.

Mas isso não importava —eu queria ser rei.

Reizinho me proclamei!

Nos hotéis eu pedia, mas na casa velha eu mandava.

Minha mulher —feliz na casa da mãe,

Num docinho se transformava.

A sogra, feliz com a visita da filha,

Virava minha dócil escrava.

Ah, como eu gostava!...













Eu gostaria



Eu daria tudo pra assistir à cena

Da minha própria morte.

Porém, se tiver força e alguma sorte,

Fugirei de perto.

Sonolento, medroso, depois de sorver

O último frasco de soro

Talvez um misto de analgésicos e morfinas,

Voltarei voando pras montanhas de Minas...







Eu e ela





Apenas uma coisa nos separa: tudo!

As circunstâncias, o tempo, o medo.

Sou velho, e ela é nova!

Eu já parei e ela ainda sonha.

Ambos somos medrosos,

E, mesmo assim, sinto que é possível amá-la,

Ó doce Amélia dos meus olhares,

De quem não sei sequer o nome verdadeiro!

Sei apenas dos seus passares e andares,

Dos meus desejos, do seu tímido sorriso

Quando finge que não me vê...

Sei do meu quase gozo quando a vejo

Esperando por alguém, que talvez seja eu mesmo,

Parada na porta da igreja...

















Voltei pra Serra



Agora sou apenas cinza,

Sou um monte de poeira

Espero que ela ainda me queira...

Estou de volta pra minha terra querida

Pra minha Serra da Mantiqueira!









O guarda-noturno



O guarda-noturno ainda vive.

Eu sei que ele ainda vive.

É o mesmo que passava no meu tempo de menino.

Ainda ontem o assaltaram defronte à minha casa.

Ou será que ele é filho daquele guarda antigo?

Os seus apitos irritantes, a bicicleta barulhenta, são os mesmos.

Acho que ele ainda não conseguiu comprar uma bicicleta nova.

Também ele nunca passou pra receber!...

Quem será que paga o trabalho do guarda-noturno?

Antigamente, nas noites de chuva, o guarda-noturno nunca vinha.

O toque-toque das goteiras caindo dos telhados

Impunha mais respeito do que o seu apito.

E tudo continua igual.

O guarda-noturno sabe que os ladrões são preguiçosos,

E não exercem a função nas noites de chuva.

O guarda-noturno é malvado, gosta de saber

Que os meninos insones e bobos têm medo dele.

Bem feito! O guarda-noturno também tem medo de lobisomem.

Medo dos ladrões de verdade, do chupa-cabras,

Dos homens de capa preta,

Dos cachorros grandes —quase bezerros!— hidrófobos.

Medo de lobisomem, que, dizem ser quase-homem,

Dizem que eles surgem das vielas em segredo,

E cruzam a rua com olhares atrevidos.

Ah, esse guarda-noturno não me engana:

Eu sei que ele é o mesmo guarda de antigamente.

É ele que tirava meu sono e me dava medo.

Nas noites de chuva nunca apitava

E ficava bem quentinho na cama, juntinho da mulher

Ele vive de quê?

Mas eu dou um aviso: tem gente pensando em assaltá-lo novamente.

Desse jeito, o guarda-noturno nunca vai comprar uma bicicleta nova.

O pobre vai continuar apitando pela noite afora

E nunca mais vai me deixar dormir.





Felicidade



A felicidade é passageira

Virá num trem que nunca vem.

Vivo a esperá-lo na estação da vida.

Se um dia ele, de surpresa, me atropelar

Não contarei pra ninguém.

Acho que até vou gostar...









Platônicos amores



Amei a todas elas:

Amei a menina do circo

A filha da dona Isaura

A espanhola que usava trança

A que ficava na porta da igreja.

A que não gostava de dança

A que trabalhava na sapataria...

Tive muitos amores.

Vários e tantos, que perdi a conta.

Eu sentia o perfume delas

Decorei a cor das suas casas,

O desenho das suas janelas

Tomei mil banhos junto com elas

Gozei sem nunca lhes ter tocado

Ou conhecido os sabores...











Sonhos



Meus sonhos são galácticos

A maioria deles sonhos impossíveis.

São barcos feitos de vento,

Movidos a velas multicores

De papel celofane.

Se não forem realizados em vida

Façam deles minha mortalha colorida.











Vacina



Riqueza, fama e poder

São antídotos inócuos contra a morte.

Antes a tornam mais dramática.

Morrer no anonimato é talvez

Melhor sorte

















“A troca”



Na “Breganha” tudo se pode trocar

Uma coisa, porém, não se troca lá:

Trocar um homem vivido

Por uma coisa velha e usada

Essa permuta ninguém faz.

A coisa tem o seu valor

Mas o velho já não serve mais

Não serve pra ser trocado

Menos ainda pra ser vendido.

Acontece que o velho tem marcas no corpo

Que denunciam o seu tempo passado

Virou uma “doença que pega”

Esse seu tempo vivido...







Eugenópolis, 1942



Era o ano de 1942.

Eu só nasceria três anos depois.

Lá, onde eu estava,

Vivia tranqüilo, dormindo descuidado.

Nasci, mas se tivessem me perguntado

Escolheria permanecer do outro lado...







Pensão das Meninas



Eu almoçava e jantava

Na melhor pensão de Taubaté

As donas eram duas irmãs solteironas

A Noêmia e a Marieta.

Elas faziam uma deliciosa comida

O fogão era de lenha, barreado de branco

Ninguém cozinhava melhor do que elas

Um dia a Marieta resolveu se casar.

Pra quê casar, Marieta?

A Noêmia ficou muito triste e morreu

Acho que foi de vergonha que ela morreu!

Aqueles fregueses solteirões

Que só iam vê-las por serem comilões

Nunca mais passaram por lá

—nem foram ao enterro da Noêmia!

Durante muito tempo ficamos perdidos

Com saudade do seu tempero

Vagamos pelas ruas de Taubaté

Achando que a Marieta não precisava ter se casado.

Nem jamais a Noêmia ter morrido

Ao passar pela rua XV de Novembro

A gente sentia o cheiro do velho fogão de lenha...

E um clamor silencioso subia do nosso peito:

Marieta, você nunca devia ter se casado!...

Você, Noêmia, jamais devia ter morrido!...

E agora, quem vai cozinhar gostoso pra nós?









O segredo das chaves



Zaré e Maria

Eram duas velhinhas

Elas já não trabalhavam, nem podiam.

Mas o tempo delas voava!

Aquele era um segredo que ninguém descobria

Tudo era muito simples: durante o dia

Procuravam as chaves

Que à noite perdiam...





Rugas de tempo





Eu era esperto

E descobri um estranho movimento

Que havia no Mercadão de Taubaté:

Os feirantes distribuíam rugas gratuitas

A quem comprasse frutas e legumes...

Elas eram colocadas escondidas nas sacolas

Astuto, fugi pra bem longe. e só voltei trinta anos depois

Mas foi tudo inútil —eu não precisava ter fugido:

Descobri que em todos os lugares

As rugas são oferecidas como brindes de Deus

Belos brindes, camuflados nas nossas sacolas...







Barranco do rio



No fim da estrada, no barranco do rio.

Serei um barco de recurso parco

Serei o navio e o capitão.

Outros barcos, feitos de papelão.

Também estarão descendo junto...

Centauros fantásticos

Com cabeça de homem e corpo de cortiça

Feito galho seco, pleno de corvos em busca de carniça.

Flutuarão, mortos de medo, descendo o rio...

Não, ninguém terá mais pressa.

O ritimo será ditado pela corrente

Sem motor nem vela, guiados apenas pela sorte...

Desceremos todos o grande rio...

O rio desconhecido da Morte.





Casa dos caminhos



Lembra-se das duas meninas?

Hoje elas já são velhinhas,

Que apagam e acendem velas!

Os moços de quem fugiam, hoje fogem delas...

Viveram na mesma casa por tanto tempo

Fecharam portas e tantas janelas

Que viraram presas voluntárias

E a casa virou dona delas...





Claudinha



É a minha sobrinha mais caladinha

Diferente das demais

Quando a beijo, abraço e aperto,

Ela fica brava e sai de perto...

Mas nos dias de festa

Quando chego de repente

(sou o seu tio maluco)

Ela me traz de presente

A primeira fatia de bolo

E o primeiro copo de suco...









Insônia



Os galos de antigamente

Anunciavam as manhãs

Pelo relógio da natureza.

Agora é mais fácil para eles:

Hoje, pra saberem se a noite já virou madrugada

Basta que vejam minha sombra recortada

Nas luzes da minha janela:

É onde estou eu digitando a minha tristeza

A única que ainda continua acesa!...











Tio Pedro





O meu tio Pedro Pedrinho

Foi um pedreiro de sonhos

Um dia ele foi o meu Príncipe Valente

Foi o meu barqueiro e único parente!

O comandante corajoso e amotinado

Que me levou através de um mar sem fim

Fui seu passageiro na hora mais triste

Digo a você, Pedrinho, muito obrigado,

Agradeço por tudo e nunca esqueço!

Sem você o que seria de mim?







Carona orgulhoso



O cachorrinho que vi desfilando

Passeando de carona,

Ao lado da sua dona

Desafiava as pessoas e as ruas da cidade.

Ele era feliz de verdade!

Só queria saber do vento.

Nem ligava para o povo

Não se importava se o carro era velho,

Nem mesmo se o carro era novo...



Trinta anos depois...



Bateu a saudade e voltei a Guará

Parei na mesma vaga,

Aquela usada pelo Luiz Gonzaga

Na sombra, ao lado da Matriz.

Mas não encontrei os velhos amigos

Que sempre almoçavam no Hotel Kafé

Eles não vão mais lá, ficaram distantes.

Eles nunca ouviram o “Ganso” conversar

Propagandistas agora são representantes.

Frustrado, voltei sozinho pra Taubaté.

Na Dutra, quase chorei, me lembrei do Osmaldo,

Um carona que andava sempre junto.

Do Carlos Diniz, contando a mesma história

Da Portuguesa derrotada —sempre o mesmo assunto

Então, e só então percebi

Que o meu plano de amostras tinha acabado.

Que não havia mais nenhum médico pra ser visitado...





Menina de Rua



Se quiser vê-la sorrir

Convide-a pra sair.

Dentro de casa ela fica triste

Fica na janela olhando a lua

Ela tem um belo teto

Mas sente-se uma “sem-rua...”









Haicai



Depois de vinte anos passados

Abriram o túmulo do japonês Ossada

Nenhuma surpresa:

Ele continuava o mesmo...



Dentista



A morte vem tão de repente

Que o sujeito mal sente.

É como quebrar um dente...





Na janela do trem



Quero viver os próximos anos

Talvez os meus últimos cem

Encantado e olhando pela janela do trem

Prestarei mais atenção aos sons da vida

Sem falar com ninguém

Filmarei com os olhos cada curva

E todas as retas do horizonte.

Anotarei na agenda da alma

Cada vale, cada monte...

Juro que nada mais escapará à passagem

Do meu último trem:

Registrarei na retina da alma cada toco queimado

Restos de antigas cercas rompidas

Por boiadas bravas, falsas manadas sonolentas...

Na janela do trem, açoitado pelo vento, parado ou correndo.

Quero tocar os campos verdes, cheirar a flor amarela

A fruta madura.

Abraçar a árvore, contornar o morro.

Descer ao fundo da caverna escura...

E quando estacionar no fim do mundo

Já sem corpo, apenas alma pura.

Porém pleno de lucidez (quase louco)

Eu pedirei a Deus pra voltar

E viver mais um pouco...



A fogueira de São João



Quando eu tinha nove anos

Isso há muitas luas passadas

As noites de Junho eram bem mais geladas...

Homens faziam fogueiras,

À meia-noite, haveria futuras e loucas caminhadas

Ao som do sino, sobre brasas vermelhas.

Diziam que São João deitava sobre elas

E ninguém se queimava

Eu era um tolo —ou um menino de muita fé?

Meia-noite em ponto, sem nada no pé

Avancei corajoso sobre o braseiro temido

Caminhei descalço sobre um manto de fogo vivo

Saí do outro lado, creiam-me, sem me queimar!

Olhei para trás apavorado:

No tapete rubro, meu trajeto ficara marcado

São João de fato me protegera

—ele realmente estivera no fogo deitado...





Edna



Quando eu tinha nove anos

(Era só eu quem sabia disso)

A Edna era minha namorada.

Mandei uma carta de amor pra ela

Acho que ela não gostava de mim

Sonhava talvez com algum rei mais bonito

Bem mais rico, do Oriente

Ela mandou que eu pulasse

Num mar de água quente!

Ainda bem que lá em Minas

Não tinha mar, felizmente...









Barranco do rio



No fim da estrada, no barranco do rio.

Serei um barco de recurso parco

Serei o navio e o capitão.

Outros barcos, feitos de papelão

Também estarão descendo junto...

Centauros fantásticos

Com cabeça de homem e corpo de cortiça

Feito galho pleno de corvos em busca de carniça

Flutuarão, mortos de medo, descendo o rio.

Não, ninguém terá mais pressa.

O ritimo será ditado pela corrente

Sem motor nem vela, guiados apenas pela sorte.

Desceremos todos o grande rio...

O rio desconhecido, afluente da Morte.











Ribeiro, o beijoqueiro



O Ribeiro tinha tanto medo

De perder o emprego

Que jamais contrariava seu patrão.

Nunca, nem jamais perdeu sequer um dia

Saiu de férias e morreu.

Chegou apenas um pouquinho atrasado:

Ainda assim, morto de vergonha,

Escondido num caixão, veio disfarçado...







A galinha cega



Um punhado de milho foi jogado no quintal

Há uma galinha cega bicando ali perto

A galinha que bica a esmo é a morte.

A faminta não escolhe tamanho ou cor

Nós somos o milho certo, macuco no embornal!

Pra evitar o bico certeiro, só tendo muita sorte

E é preciso fugir rápido do terreiro...





A lenda do amolador de facas





Diz uma lenda antiga

Aqui de Taubaté,

Que o amolador de facas

Amola também a faca da morte.

Dizem que quando ele passa na rua

Alguém morre naquela via.

A morte pode acontecer na mesma noite.

Ou na tarde do outro dia.

Mas as mulheres de Taubaté

Ainda saem das suas casas destemidas.

Agitando tesouras e facas cegas

Procurando os serviços do amolador...

A cidade continua crescendo, cheia de vida

Curioso é que o amolador de facas sumiu!

Talvez tenha sido vítima da própria lenda.

Mas o alegre vendedor de bijus,

Sobre quem não pesa nenhuma lenda triste,

Passa todos os dias na boca da noite,

Passa tocando um sininho de festa.

Vendendo mil cones de sorvete imaginário

—cones leves e marrons, feitos em massa de hóstia,

Com açúcar mascavo, canela e baunilha—.

São torradinhos e gostosos!

O mensageiro da morte, há muito, desapareceu.

Não veio nunca mais.

Os meninos de Taubaté pelo que vejo.

Não apreciam o amolador de facas

Parece que gostam mesmo é de lenda doce

Da doce lenda da vida...





Obrigado doutor!



O jovem entrou e sorriu quando viu o doutor.

É sempre assim: iniciada a entrevista,

A longa espera é esquecida —nada mais importa!

O médico difícil, o mesmo que custou abrir a porta.

É também o amigo das receitas certas...

Visitar o médico é uma alegria que o propagandista sente.

O médico (aquele que muitas vezes parece distante),

Esforça-se a cada momento para agradar a todo representante

E se lembrar do último lançamento...

Abracei a pasta durante muitos anos —foram quase quarenta.

Que eu me lembre, de uma tão longa lista,

Nunca soube de um médico que desgostasse do propagandista.

Vi (isto sim, eu vi) médicos apressados, ocupadíssimos,

Abrirem mão de preciosos minutos para ouvir histórias já ouvidas,

Reverem educada e pacientemente as mesmas literaturas,

(velhas como as sagradas escrituras),

Levando-as, com respeito, em cheias sacolas...

Nos corredores de hospital, nos consultórios ou na sala ao lado.

Encontrei-os sempre gentis.

E soube compreender aquele que me atendeu apressado,

Na saída ou na chegada, antes ou depois de uma cirurgia urgente.

(em que quase perdera o paciente), mas encontrava tempo para ouvir,

Com respeito e alegremente,

os meus velhos e repetidos apelos...

A secretária do médico já sabe —isto é sagrado:

Os representantes passam na frente!

Por causa disso vi muita briga com paciente.

Aos médicos, estes autores do nosso orgulho,

o meu sincero agradecimento.

Volto para lhes dizer obrigado!

Obrigado pela porta que me foi aberta.;

Pela mão estendida, pelo sorriso e pelo tempo poupado.

Esse momento, eu lhe asseguro, o doutor não perdeu:

Está guardado na pasta da vida —no cofre do coração!

Confesso que foi aquele um bom tempo vivido.

Em salas silentes (sempre com calma, aguardei).

Atrás daquela porta fechada —esperto sabia eu,

Havia um médico ocupado, receitando quem sabe um produto meu...





Rosário de bolhas



Primeiro a vida, depois a morte.

Depois da morte, novamente vem a vida!

Esse rosário infinito é a obra de Deus

Um Sêr poderoso e brincalhão.

É como se fosse um menino no quintal

A soprar um canudinho colorido

Fazendo as nossas vidas frágeis e breves

Breves como bolinhas de sabão...





Os amigos



Os amigos são como raros selos:

É bom tê-los

Mas nunca se deve lambê-los...



O outro lado



Tenho muito medo do outro lado

Vivo pensando nisso, apavorado

Mas, se um dia eu visse algo,

Uma pequena janela que se abrisse

Um sinal, uma sombra diáfana

Um ente querido que voltasse

Que saíse da parede e me assombrasse

Mostrando-me como se vive por lá

Eu nunca mais ficaria assustado...





Uma parada no posto da estrada



Um dia parei num posto

Num desses de beira de estrada.

Minha mulher voltou sorrindo pro carro

Ria de um lance que tinha presenciado:

Uma mulher, no box ao lado

Gemia de prazer e dizia: “ah, que delicia de mijada...”

Então pensei: “ao morrer não quero dar tal vexame”

Mesmo sentindo dores mil, e apavorado,

Direi como aquela mulher mijona

Da beira da estrada:

“Ah, que delícia que é a morte...

Que bela aventura é enfrentar essa atrevida!...”

Depois, mais tarde, perguntarão por mim

E dirão: “Foi ali, mas volta já

Apenas foi dar uma rápida morrida...”



A pombinha e o milho

Na frente da minha casa há um terreno baldio,

É um terreno escondido por tapume feio.

Uma pombinha doente veio

E se escondeuatrás dele, eu me lembro

—foi num dia de chuva de setembro

E se preparou para morrer.

Ficou ali durante três dias sem comer.

Deus, sem pena dela, continuou chovendo.

Por três dias ali ficou morrendo...

Tinha sangue nos olhos quando se foi.

Seu corpo leve estava enfeitado de formigas.

Aquela pombinha frágil

Era mais corajosa do que eu —muito mais!

Sem pedir socorro, sem nenhum lamento,

Morreu em silêncio, absolutamente sozinha.

Onde andavam suas amigas?

Bibacavam, fofocavam longe, comentavam

Que tinha sido veneno do bravo que ela comera,

Milho envenenado que alguém lhe dera.

Quem teria sido o malvado?

A pombinha não gritou, nem pediu socorro,

Entrou num acordo com Deus e voou para o céu

Não precisou bater as asas.

Dizem que as pombinhas têm sempre

Um namorado firme, eterno, para sempre

Então, onde estava o bandido?

Mas a presença dele em nada ajudaria

Disso ela já sabia!

Morrer é um ato particular —de gente corajosa.

Ninguém morre acompanhado:

Morrer é coisa solitária, individual.

Por um momento ela se lembrou dele

Do covarde, do ausente namorado, mas o perdoou

Sabia que ele era bom

Se não veio, talvez estivesse também doente

Nalgum terreno baldio, recostado

Servindo de alimento para outras formigas.

Ela conhecia muito bem aquele comilão

Ela sabia que ele era muito apressado

E vai ver que comera, antes dela, bem antes

Um montão daquele maldito milho envenenado...









Enzima





Leite de mamão pra amaciar o bife

Era um recurso que minha mãe usava.

Desconfio que Deus

Também usa uma enzima parecida.

Ele prepara o homem para a morte

Com dores e mil vicissitudes

Vai amolecendo o sujeito com o tempo.

Ano após ano, impiedoso,

Aplicando sobre a fera já ferida,

O deletério “leite de mamão da vida”.

















Vida inútil



Não irei às estrelas mais distantes

Não passarei além das nuvens

Sou uma joaninha de vôo curto,

De vôo mais que improvável,

—uma cigarra que não canta!

Obra de Deus, do engenheiro que me fez

É coisa que pouco me adianta.





A morte de Saturno





Ontem, o mendigo Saturno morreu

Morrem estrelas e morrem os planetas

Somem no espaço muitos cometas.

Ontem foi Saturno quem morreu

Ele era apenas um mendigo de rua

Quase um santo

Sua barba era um manto

Um pedaço sujo da lua

Era planeta sem brilho, não tinha filho

Ninguém cuidava dele —nem eu.

Ainda assim, perdi um pouco de brilho

Quando soube que o mendigo Saturno morreu.





Luciferina





A morte não me apavora

O que me assusta é o exato da hora:

Quando, flutuando no teto, me vir na cama

Qual barata branca —inerme e ressupina

Bateria fraca (carente de luciferina)

As combustões químicas internas cessando

As hemácias sem vida, silentes —já todas quietas

E um grande frio tomando conta de tudo,

Haverá talvez em mim um desejo de gritar

Mas ninguém ouvirá meu fraco grito.

Que pena!... Terei eu, de repente, ficado mudo?





Deus antípoda



Deus é um antípoda de Deus

Dá a vida e depois oferece a morte

O dia claro e depois a noite escura

A doença fácil e a difícil cura

Ah, esse Deus e seus opostos!

E, depois vem Jesus, bonzinho

Com seus apóstolos...









Pais e filhos



Pensei em nós, em nossos meninos

Os pais somos apenas projetos,

Um rascunho rabiscado em caderno reciclado

O filho é uma cópia do pai

Aquele que foi seu ancestral

O menino é passado a limpo muitas vezes

Vira um software moderno e genial...





Minha esposa querida





Peço a Deus e queira que não:

Se ela morrer primeiro, estarei perdido...

Quem cuidará de mim?

Quem trará no banheiro meus chinelos?

E, na cama, as minhas cobertas quentes?

Já me acostumei com essas tantas mordomias

O café quentinho, quem me levará na manhã fria?

Quem passará meu pijama?

E, quando a geladeira ficar vazia,

O chão da casa empoeirado,

Como explicar pro meu vizinho ao lado?

Quando bater vontade de comer feijoada

Ou uma bela macarronada,

Quem vai cozinhar pra mim?

Já está decidido: a minha esposa querida

Não poderá morrer antes de mim...





Deus, me desculpe!



Além do que é físico e do que é concreto

Nada existe —tudo é incerto.

Só no que é palpável e visível eu acredito

Na curva invisível da morte, no fim da estrada

Tudo se afunila, tudo se acaba...

Ouso dizer que além da curva não existe nada.



































































































































































































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