Guria de Azul,
Olha, guria, desculpe por ter ficado olhando por tanto tempo. Tenho que parar com isso. Mas é que tu me incomoda, guria. No bom sentido. Eu sento na tua frente e fico olhando, assim. Só olhando pra ti, dá pra saber muito: Direito, estágio na Receita Federal, pais separados, asa no verão, Inglês no CCAA, meias do Piu-piu, meio livro por ano, coleção de canetas coloridas, pasta bordada com o nome do curso, 15 anos na Disney e cigarros no meio da noite, na janelinha do banheiro.
Uma aliança no anelar da mão direita tira todas as dúvidas: noiva. O nome do cara termina com "nei". Tem um Tipo e é formado num segundo grau técnico de eletrônica. Trepa bem. Quer comer o teu cú e tu diz que não, não, aí dói, aí não. Um dia, guria de azul, tu vai lembrar do Nei e vai te arrepender de não ter dado esse cú. Dá logo esse cú, guria. Ele te dá ursinhos, rosas vermelhas com mosquitinhos e manda mensagens gravadas por telefone.
Você abre a bolsa, e aí sim, guria, eu confirmo tudo: Halls diet, sombrinha retrátil e telefone celular com adesivos brilhantes e capa de plástico transparente.
Tu quer largar a faculdade e fazer curso de comissária de bordo. Quer passar o próximo verão em Florianópolis. Quer um casalzinho de filhos com pouca diferença de idade. Tu sempre lê a Martha Medeiros.
É aqui que eu desço, guria de azul. Tu vai ficar, e na próxima estação o teu telefone vai tocar, e eu sei que vai ser uma daquelas musiquinhas bem altas e tu vai atender e vai ser do crediário da Renner. E eu desço e o trem recomeça a andar e eu vejo o teu cabelo bem loiro de raízes bem pretas mais longe e faço a última constatação: Tu é que é feliz. |