Chuva tola essa que cai sobre o chão molhado. Mesmo assim, antes de maldize-la, é bom estarmos certos de que não há mais qualquer metro quadrado enxuto. É, pois, com esse intuito que repito a chuva: querer não é poder! E mais: muito menos ser!
Estou sendo vítima de uma velha síndrome humana. A síndrome da auto sugestão. Não que ela tenha me apanhado – pelo menos, não que eu saiba –, mas estou sofrendo as conseqüências dos atos de um dos seus inúmeros portadores. O sujeito imagina, e quer, ser um poço de honestidade e bom caráter. Possui um discurso equilibrado e digno da complacência até dos mais exaltados. Porém, apesar do que pensa, quer, e acredita ser; é um irresponsável. Um enganador, incompetente e desonesto. E ainda que estas características sejam completamente reveladas através de suas ações, com certeza, nenhuma delas é admitida por esse empresário do ramo automotivo – leia-se: o enfermo – que atua na minha querida capital bahiana.
Mas essa perda de consciência faz parte dos sintomas da síndrome. É ela que, para o bem do portador, lhe provê a alegria. Certo de ser tudo o que imagina, o doente acaba não tendo qualquer compromisso com a verdade. A vida torna-se um enorme deleite, e deitado sobre o piso frio das mazelas que comete, sente-se como se estivesse sob os cobertores cheirosos da honestidade, refastelando-se no berço macio e seguro do reconhecimento. Tenho que confessar, é verdade, que mesmo sendo isso uma doença, invejo a tranqüilidade decorrente de seus sintomas. Deve ser bem gostosa essa sensação de conforto e imunidade. – Ou diria, impunidade?
De qualquer sorte, doença é doença. E apesar de não me servir como consolo, sei que ao longo da história algumas personalidades – grandes nomes – aparentaram ter sido portadoras dessa tal síndrome. Tchecov, por exemplo. Segundo o contista russo, "o homem é o que ele acredita". Ora, isso é o que chamo de auto sugestão exacerbada. Para mim, que por enquanto ainda me considero são, o homem é o que ele é. Ou, no mínimo, o que ele faz!
Talvez eu esteja contaminado pelo furor da situação a que me submeti ao resolver, por azar, fazer negócio com esse achacador. É possível. E considerando verdadeira essa hipótese, eu poderia até me permitir o direito de – alegando agir sob "forte emoção" – revelar o seu nome, jogar lama na sua reputação e na de sua empresa. Poderia entregar ao julgamento do leitor um réu sem voz. Uma verdade tão soberana quanto unilateral. Sim, poderia. E me sinto tentado a fazer isso, não há como negar.
Mas definitivamente eu estou são. E se quero mesmo ser ético, sei que preciso praticar a ética. Se quero mesmo ser justo, sei que preciso praticar a justiça. Ainda que para isso eu tenha que me calar, ou ainda que eu me veja obrigado a me valer dos instrumentos mais modernos e civilizados que a nossa sociedade desenvolveu para a manutenção da paz, da ordem, da moral e dos bons costumes. E apesar de existirem alguns – eu sei –, por enquanto só consigo enxergar dois: o pau e a pedra.