Nunca fui abertamente a favor do voto obrigatório, mas também nunca me opus. Nunca vi razão para nenhum dos dois extremos. Mas hoje eu me junto ao cantor Marcelo D2, e a tantos outros eleitores, ilustres ou anónimos, no grupo dos radicalmente contra o voto obrigatório.
Claro que não tomei esse partido apenas por livre associação de pensamentos. Como a maioria das opiniões formadas, foi necessário um fato para me fazer mudar de idéia. Eis o fato. Eu moro perto de uma favelinha, até bem arranjada, só tem um barraco, o resto são casinhas de alvenaria. Com um acabamento em massa corrida e uma tinta colorida, ninguém diria que é uma favela. Mas enfim, estava passando em frente à dita favela, e vi uma mulher, já velha conhecida, apesar dos nem trinta anos, com seus três filhos pequenos. Os filhos com uma camiseta do Tuma, não me lembro o vereador que patrocinava, e ela com uma do Alckmin. O cigarro na mão, as vestes puídas, na preguiça de desempregada não qualificada a que foi obrigada a se submeter. Ao passar ao lado do filho mais velho, de 8 anos, este me estendeu um papel de um vereador do Romeu Tuma, que eu peguei e agradeci. Ao passar ao lado da mulher, ela abriu o seu sorriso de dentes podres e ignorància, e, num comentário de, infelizmente, enorme alienação política, me gritou: "Vota em mim, viu filho! Vota eu mim que eu vou governar esse país depois das eleições". Não se contentando com isso, outra moradora do "agrupamento subnormal", como o IBGE classifica as favelas, completou usando a Bilaciana chave de ouro: "Coitado do país".
E não se pode dizer que isso foi há muito tempo, não. Foi ontem, dia 27.09 do ano 2000. Ano 2000. Aquele em que, assim se sonhava, erradicar-se-ia a fome, a miséria total, a subnutrição, o analfabetismo. Pelo menos.
Alguns governistas, tão ou mais alienados que minha vizinha, diriam que o analfabetismo diminuiu. Diminui, realmente. Mas poucos dizem que, para se considerar alguém alfabetizado no Brasil, basta que ele "desenhe" o seu nome numa folha de papel.
Triste quando essa mácula na história viva de um país cresce, sem controle, como acontece hoje; triste quando os valores económicos são colocados na pauta do dia da maioria dos senadores*, vereadores e deputados eleitos pela ignorància antes de projetos sociais e de integração política; triste quando, num país de alienados analfabetos, o voto é obrigatório; triste ver que os "representantes do povo" se aproveitam injustamente dessa ignorància, gerada por eles mesmos.
Guilherme Alpendre
* Ressalvo aqui que, de todas as vezes que assisti à TV Senado, canal da NET, os únicos senadores que vi defendendo projetos sociais foram Heloísa Helena, de Alagoas, e Eduardo Suplicy, de São Paulo. Lamentável a desatenção dispensada a eles pelos outros senadores, salvo, claro, algumas exceções.