Sobre Murilo Mendes
O que dizer desses poetas que vivem sem grandes estardalhaços, como observadores de um cotidiano mediocre de onde flui uma fonte de riquezas de significados e significantes que eles transformam em poemas que eternizam suas sensibilidades? Machado de Assis era funcionário público, Carlos Drummond de Andrade também, Guimarães Rosa, Vinícius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Murilo Mendes foram diplomatas. Passeavam pelo mundo as suas almas brasileiras de olhares atravessados e devolviam, em arte, a presença física que certamente fez falta ao Brasil do seu tempo.
Murilo Mendes nasceu em 13 de maio de 1901, e em 1902 perdeu a mãe. Cresceu interno no Colégio Salesiano e já em 1920 era funcionário do Ministério da Fazenda, onde conheceu o pintor-poeta Ismael Nery. Em 1924 ambos se aproximaram do surrealismo, estilo que marcaria a obra dos dois. Ismael Nery morreu cedo, Murilo Mendes teve uma vida longa, publicou quinze títulos e deixa vários originais inéditos ao morrer aos 75 anos, em Lisboa, onde foi enterrado.
Traduzido e publicado com dois títulos na França, oito na Itália e três na Espanha, Murilo Mendes é, com certeza, um poeta universal. Sua trajetória passou pelo modernismo, participando do movimento desde a Semana de Arte Moderna, em 1922. Recorreu à paródia como linguagem, escreveu sonetos, mas se encontrou no surrealismo.
Em 1943, Murilo ficou tuberculoso e foi internado em Correias. Naquele mesmo ano também perdeu o pai. Casou-se tardiamente, aos 47 anos. E desenvolveu uma carreira fora do Brasil. Publicou em París A Janela do Caos e em 1953 foi para a Europa em missão cultural. Pronunciou diversas conferências na Bélgica e na Holanda e trabalhou como professor na Universidade de Roma ocupando a cadeira de Cultura Brasileira. Foi também curador da Bienal de Veneza. Um homem de muitas faces e muito fólego.
Murilo Mendes é o poeta capaz de falar de Deus, mulheres, emoções, sentimentos sociais, de grafitagens nos muros, em poemas orientais. Ele mesmo se definiu:
"Me colaram no tempo, me puseram uma alma viva
e um corpo desconjuntado.
Estou limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo
A leste pelo Apostolo São Paulo,
A oeste pela minha educação."
(primeiros versos do poema Mapa)
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murilogramas
Metade Pássaro
A mulher do fim do mundo
Dá de comer às roseiras,
Dá de beber às estátuas,
Dá de sonhar aos poetas.
A mulher do fim do mundo
Chama a luz com um assobio.
Faz a virgem virar pedra.
Cura a tempestade,
Desvia o curso dos sonhos.
Escreve cartas ao rio,
Me puxa do sono eterno
Para os seus braços que cantam.
Anonimato
Uma mulher na varanda
Se debruça sobre o mar
Contempla as gaivotas gêmeas
Espera uma carta de amor
Brilha o cemitério aéreo
As nuvens jogam boxe
Passam meninas cantando
Não sabem que sou poeta
E o amor que existe em mim
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