Salvem a Professorinha
Tereza da Praia
No tempo que papai Noel,
Voava a jato pelo céu,
Eu andava aqui em baixo,
Na terra, no pó da estrada.
Papai Noel não aterrissava
Em minha janela.
Naquele tempo eu sonhava
Poder viajar de avião...
Meu Deus, como eu sonhava!...
O meu menino coração
Tecia tantas ilusões.
Queria ser aeromoça,
Para não ter porto ou aeroporto.
Voar... Voar...
Tempo das elites,
Acesso à educação era pra poucos...
Para alguns pobres de pais loucos,
Sonhadores visionários.
Viajar de avião era coisa pra milionários.
Tenho saudades, não.
Ser aeromoça...
Não era questão de competência
Carecia ter boa aparência
Que se confundia com beleza...
Coitada de Tereza!
Era preciso ter altura,
Boa postura,
Um olhar de ternura,
Mão de candura,
Voz de doçura
Longínqua ilusão
Para a baixinha nordestina
Cara de lua cheia,
Voz de taquara rachada.
Mesmo assim eu sonhava..
Como sonhava!
As aeromoças, como as invejava!
Da livraria em que eu trabalhava,
As via chegar ao Hotel Nacional.
Lindas, sem enxovalhos,
Roupas impecáveis,
Ares celestiais.
Algumas às vezes me cumprimentavam
E pediam sugestão de leitura
Eu indicava Adelaide e Cassandra.
Tão perfeitas, pareciam pintura.
Nenhuma negra, ou mulata.
Só fadas, nenhuma salamandra.
A maioria loira, rosto ovalado,
Sem cometer pecado,
Pareciam a mãe de Deus.
Não é à toa que Belchior
Por medo de avião
Quis pegar na mão de um delas.
Tinham uma arrogância longilínea.
Uma simpatia esguia,
Não andavam, pairavam no ar.
Feito garças.
Eu, que mais parecia
As mulheres de Renoir,
As admirava.
Sonhava e Sonhava...
Mas nem com madrinha fada
Havia possibilidade de nada.
Mudaram-se os sonhos,
Meus pés tocaram o chão
Sonhos impossíveis tornam-se pesadelos.
Mudei a cor dos cabelos,
Não cultuo aqueles modelos.
Antes pareciam anjos,
Hoje, humanas choram.
Têm medo do desemprego.
Vou-lhes contar um segredo
Não tenho saudade daquele Brasil
Nem por aquele tempo tenho apego.
Tantos eram os excluídos
Tão escassas as oportunidades,
A luta era tão desigual
Eram tantas as diferenças
Parece-me que o resultado
É só a recompensa,
Da má gestão do patrão.
Podem tomar-me como ingênua,
Mas não consigo conceber,
Usar o público poder,
Pra comprar muletas,
Encobrir as mutretas
De empresário esperto.
Ele, o papai Noel,
De jato vai continuar em céu aberto.
Admitir a ajuda governamental,
É praticar a política fatal
De privatizar o lucro.
O prejuízo socializar,
Inconcebível na economia liberal.
Se é pra fazer movimento,
Eu faço um requerimento
Cuidem da educação,
Salvem a professorinha,
E deixem de ladainha.
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