Ei-lo, imaginado pela incessante arte da criatura, impante e lídimo, primeiro-rei da portugalidade, isento de todos os pecados em face de uma só e histórica virtude: a proclamação de Portuscalle.
Eu, por exemplo, não acredito que ele se tenha empenhado na construção do castelo de Guimarães para defender-se em exclusivo e bater-se contra mouros e espanhóis. Afigura-se-me, muito mais plausível, que bem se acautelou sobre quem lhe rodeava a imediação pessoal, como os de hoje, presumidos poderosos, atrás da soldadesca que, por sobrar, mandam-na mourejar, sob o comando de outros, para as estranjas infieis à vergasta da cristandade.
Dele se conta uma historieta muito engraçada. Com uns quantos acólitos de juventude, lixado com os reboliços da mãe no colo do conde espanhol, após a morte do pai, fugiu de casa, em direcção ao extremo sul da Península. Ele, à frente, fugindo, e os soldados da mãe, atrás dele, para o trazer de volta ao seu seio, assim foram conquistando inadvertidamente terreno sem dar por isso. O pacato e incauto zé-povinto de então, à vista de semelhante cavalgada, a tudo se submeteu, perplexo e assustado.
Também não acredito que a espada, que lhe é atribuída, pesasse 15 kgs. Apre, santinho, que hercúleo e doloroso manejo.
Todavia, sempre que vou a Guimarães e rumo de visita ao famoso castelo, miro e remiro profundamente as diversas escadas de pedra que permitem os diversos acessos no interior. Arre... Meio metro de altura por outro meio de largura... E cogito, claro: que grandes pernolas deveriam ter os gajos naquele tempo!... Porque diacho, delá até aqui, temos diminuído tanto?... É, temos vindo a ficar ao nível do país que agora pisamos: pequeninos, à medidada do território "democraticamente" distribuído pelos americanos.
Num só ápice de pensamento, entalado entre o orgulho da grandiosa história do meu país e a decrépita actualidade que se me depara, fico banzado, de pensamento especado no efeito e intimamente a lamentar-me em abrupta decepção: os de outrora, engrandeceram-me o ego como criança, e os de agora, traíram-me o espírito como homem.
Quem me dera ler em 2100, quando já estiver plenamente transformado em vácuo - nada se perde, segundo a visão do outro - a história de Portugal, e isso, apenas para confirmar a nítida ideia que tenho sobre a cambada de patriotas-traidores que depois do 25 de Abril iniciaram a completa degeneração da nacionalidade.
Entretanto, o nosso primeiro ainda continua estatuado. Quiçá um dia destes se mova, porque ele move-se, roda e translada. Só que "eles", cegos de ambição e irresponsabilidade, continuam a não ver. - Ora então não é assim, meu caro Galileu?!...
António Torre da Guia |