O chapéu
Chegara um pouco atrasada como, alias, não era de seu costume.
Observei-a, de longe, tentando descobrir a razão de sua intântanea mudança de hábito.
Nada encontrei; apenas reparei que, em vez da costumeira boina branca, ela usava um belo chapéu.
Sentou-se bem atrás, no ultimo banco, dessa vez, para não chamar muito a atenção pelo seu atraso, e tal era sua dignidade e recolhimento, que não percebeu alguns presentes lhe dirigindo olhares atentos e disfarçados.
Seu rosto brilhava, em meio à brancura realçada pelo tom rosado do chapéu que se lhe sobressaía, embora sua atitude fosse olhar sempre para frente e com altivez.
Nunca perdera a distinção, somada à simplicidade com que seu par a acompanhava a esse evento, freqüentemente, à mesma hora, no mesmo recinto.
No dia seguintre, porem, ela não veio.
Notei, à distância, pessoas voltando-se para trás, vez por outra, para adivinhar se ela viria, mesmo atrasada. E ela não vinha.
Pouco depois, ouvi um barulho de carro na rua: seu acompanhante desceu e se dirigiu ao lugar de costume; sozinho, com a mesma discrição que ficavam, antes, os dois.
Calado e parado, nem percebeu a aflição dos que continuavam ansiosos, querendo uma explicção: “Por que ela não veio hoje??? Responda!!!”
Na hora da Comunhão, ele foi para a fila, cruzando as mãos em oração. Quando se aproximou do altar para receber o Corpo de Cristo, tirou do bolso dois retratos idênticos: um que, possivelmente, leva consigo, em segredo, há muito tempo, e o apresentou ao Padre. Este, parecendo compreender, assentiu, como se houvesse entre eles um acordo tácido a respeito dessa attitude.
Recebeu a Comunhão e, em seguida, subiu até a mesa do altar e ali colocou o outro retrato, contemplando-o com ternura.
Depois, desceu e foi para o seu lugar, caminhando de cabeça baixa, tranqüilo, sem se dar conta de que todos o olhavam atônitos. Ao se aproximar do banco onde se sentaria, ergueu a cabeça e viu que ela, na porta de entrada, o aguardava, feliz, arrumando calmamente o belíssimo chapéu dourado que fora buscar em um lugar bem distante dali.
Izabel Cristina dos Santos Teixeira
P.S. (Escrito em homenagem à Senhora Maria Marice/Florianópolis/SC)
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