O jornalista ouviu a campainha do telefone. De má vontade, ainda sobre efeitos de uma cervejada comemorativa, onde todos os intelectuais de Veja da cidade puderam conversar durante horas com os outros intelectuais, leitores assíduos da revista Caras, seguiu para o objeto barulhento.
Do outro lado a voz da mulher um tanto afoita, querendo falar sobre uma das quatro filhas. A dor de cabeça dos excessos etílicos e intelectuais foi substituída pelo sentido de alerta.
Oito letras e um susto. Gravidez. Justo agora que pensava em aconselhar as filhas sobre o encaminhamento profissional?
Pensou que fosse a filha mais velha, extrovertida e contando vinte anos. Engano. A mais nova, de 18, que nem sequer falava em namorados.
Sentiu o gosto da ressaca com o peso da idade, algo parecido com o dia seguinte da festa da eleição de Lula.
Demorou vinte anos para ajudar a eleger um presidente, o mesmo tempo que levou para educar a filha. No contra-senso da história sentiu um pouco de tontura.
E agora? Será que a política económica do governo Lula sustentaria seu neto? A guria conseguiria estudar e trabalhar com o mesmo ímpeto? E o neto, qual seria o sexo?
Filha, Lula, Lula, Filha, embaralhou todas as informações enquanto olhava notícias do caso Waldomiro na tela do computador.
Crise da idade, dos sentidos, das esperanças. Sentiu vontade de tomar mais cerveja. Às oito da matina.
Que faria Zé Dirceu em seu lugar? Chamaria o Lula? Lula faria o quê? Olhou para o canto da sala onde havia um rolo de papel toalha.
Lágrimas voluntárias desceram pela face onde uma barba grisalha teimava em manter um aspecto conservador.
Desligou o telefone e mergulhou sobre a mesa, encharcando anotações e rabiscos espalhados na últimas semana.
Pensou em Lula, na filha, no neto, no Waldomiro. Enxugou as lágrimas com todos os papéis que encontrou.
Bebeu um copo de água para buscar alívio. Percebeu que poderia sugerir um nome para o novo membro da sociedade brasileira. Dirceu ou Luísa. Waldomira não. Etílicos pensamentos e sentimentos expostos.
Deixou o computador de lado e correu para a sala do editor, anunciando pelo caminho a chegada do neto.