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Humor-->A RECEITA DO DOUTOR ANTERO -- 02/05/2000 - 22:19 (Mario Galvão) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Acreditem! Não é ficção. Foi fato.
Naquele época, anos 30, a trepidante Campos do Jordão, onde hoje desfila a "finesse da jeunesse" paulistana e carrões importados, era um vilarejo. Que dizer então de Santo Antônio do Pinhal?
Não passava de um punhadinho de casas, ajeitadas mais ou menos ao longo de uma rua de areião, que se tornava lamacenta com qualquer chuvinha mais grossa.
Carros de boi e charretes eram os meios mais eficientes meios de transporte, já que os fordes de bigode que já enxameavam as ruas das cidades do Vale não se arriscavam a ferver seus motores, subindo até ali.
Doutor Antero de Lima clinicava, naquela época, em Campos, nos sanatórios. Era amigo e companheiro de caçadas de meu pai, diretor do Curso Ferroviário em Pindamonhangaba e que aproveitava todos os períodos de férias para levar a família, a qual eu ainda nem sonhava em pertencer, para passar dias em Santo Antônio, apoveitando o clima agradável do local.
Nesses períodos, de Campos do Jordão, na charrete, todas sextas-feiras à tarde, contava meu pai, descia o doutor Antero.
Pernoitava na casinha simples de nossa família e, bem de madrugada, subiam os dois serra acima até encostar em algum capão de mato promissor, em busca de emboscar inhambus, chitãs e chororós. Enganados pelo sotaque perfeito dos pios dos dois desumanos caçadores, inocentemente, caminhavam os bichinhos para a morte certa e a panela.
Os bichinhos vinham inocentes, na avidez de terem percebido um parceiro ou parceira, no cio.
Esticavam os pescoços emplumados no entremeio das embiras e taquaruçus, espreitando um encontro amoroso.
Pum!!! Explodia a cartucheira do pacato professor, que durante a semana seria incapaz de fazer mal a uma lagartixa. Bam!!! Respondia a 28 da espingarda do médico, impiedosa. Ele que passava a semana tratando com desvelo e carinho os pacientes tuberculosos, sendo levado às lágrimas quando recebia uma criança doente.
Ali no meio do mato, entretanto, não eram professor e médico. Eram bichos primevos, que sentiam os pelos da nuca se arrepiarem na espreita da caça.
Mas, o "causo" a ser contado aqui não tem nada a ver com esses instintos primitivos, mas com o fato de que ambos subiam a serra de charrete, todo sábado, para caçar.
Num desses domingos ensolarados, quando meu pai e o Doutor Antero já voltavam para casa, no fim da tarde,a charrete sacolejando pela estradinha de roça, foram detidos, num espigão de morro, por um caboclo ansioso, que se mostrava magérrimo, amarelo de fazer dó.
O médico nem precisou pisar na boléia para antecipar o diagnóstico: diarréia das bravas, daquelas de fazer o dito cujo caboclo percorrer mais de uma légua de idas e vindas da casinha de páu a pique para o mato, e vice-versa, gemendo, lamparina de querosene na mçao, pernas bambas, deixando sem dormir toda a família, com aquele cheiro danado invadindo o quartinho acanhado em que se espremiam.
Apresssado, que já era tarde e ele tinha doentes para atender logo cedo na segunda, o Doutor Antero escreveu, com letras bem grandes, de forma, o nome dos remédios num papel pardo amassado, que havia servido para embrulhar os pães com mortadela que haviam levado para almoço no alto da serra, enquanto caçavam.
A charrete já tinha começado a se mover novamente quando ele afirmou ao aflito doente:
"-- Não se aflija, Gumercindo. Tome isso direitinho que é tiro e queda. Até terça-feira você vai estar bom. Pode acreditar."
Na quarta-feira, noite alta, o caboclinho, ainda mais minguado e mais amarelo, já quase verde-escuro, batia na porta de meu pai, em Santo Antônio, exangue:
"-- Eita Professô, mi ajuda que eu tô cada vez é pió!"
Meu pai, surpreso:
"Mas, Gumercindo, você não tomou o que o Doutor Antero lhe deu?"
"Mais é craro que sim, professô! Inguli aquele paper tudinho, quando vanceis num tinham nem virado ainda a curva da figueira grande com a charrete! Inguli di veiz, sem picá nem rasgá, a bola toda. I pensa qui adiantô. Continuei indo no mato mais de deis vezes pur dia, sem contá as di noite. Professô, mi ajuda que acho que vô morrê..."
Lá teve meu pai que ir até a casa do farmacêutico, acordar o cidadão, depois de ficar quase uma hora no posto telefônico, para conseguir acordar o Doutor Antero, no sanatório, naquela hora da noite,para ele repetir a receita que escrevera no papel de pão.
E o Gumercindo, dessa vez, tomou os remédios direitinho e sarou da caganeira.

Mário Galvão é jornalista e profissional de RP
www.news-mg.jor.br



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